Injustiça epistêmica e violência sexual
uma violação aos direitos humanos das meninas e mulheres
DOI:
https://doi.org/10.70622/2238-7110.2025.665Schlagworte:
violência sexual, violência de gênero contra a mulher, injustiça epistêmica, estereótipos, Poder JudiciárioAbstract
O artigo discorre sobre como o sistema patriarcal, ao se infiltrar na prática judicial, reforça injustiças epistêmicas. Esse tipo de injustiça ocorre quando preconceitos identitários, sejam conscientes ou implícitos, levam o ouvinte a atribuir menor credibilidade ao depoimento de uma pessoa. Diante disso, perpetua a violência simbólica e impacta negativamente a credibilidade das mulheres, impedindo o seu acesso pleno à justiça.
A permanência de rótulos como “mulher decente”, “mulher honesta”, “mãe de família”, a represália à liberdade sexual exercida em outro momento ou a rotulação como “mulher promíscua” e a facilidade em desacreditar a vítima e seu testemunho, além de imporem rótulos e julgamentos morais que descaracterizam a violência sexual e a proteção jurídica, ainda estão muito presentes no julgamento de crimes sexuais, o que demonstra a urgente necessidade de se transformar o sistema de justiça e de se rever a “neutralidade” do Direito. Medidas legais existem, como a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio e a Lei Mariana Ferrer, além de decisões das cortes superiores, a exemplo da ADPF 1.107, mas sua eficácia termina comprometida pela persistência de padrões culturais e jurídicos que desconsideram as experiências das vítimas. Nesse contexto, a implementação de um sistema de justiça mais inclusivo e sensível às especificidades de gênero, raça e classe é imperativa para a efetivação dos direitos humanos. Conclui-se que o reconhecimento da injustiça epistêmica deve ser acompanhado de ações concretas que visem a desmantelar estruturas discriminatórias, assegurando que as vozes das meninas e mulheres sejam ouvidas e respeitadas.
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