MIME-Version: 1.0 Content-Type: multipart/related; boundary="----=_NextPart_01DC5364.A3C34270" Este documento é uma Página da Web de Arquivo Único, também conhecido como Arquivo Web. Se você estiver lendo essa mensagem, o seu navegador ou editor não oferece suporte ao Arquivo Web. Baixe um navegador que ofereça suporte ao Arquivo Web. ------=_NextPart_01DC5364.A3C34270 Content-Location: file:///C:/CD0326C9/6.10.2025.ValeuOprimeiroappdedeliveryestatal-REVISADO(5).htm Content-Transfer-Encoding: quoted-printable Content-Type: text/html; charset="us-ascii"
VALEU! O PRIMEIRO APP DE DELIVERY ESTATAL DO BRASIL:
LEGÍTIMA INTERVE=
NÇÃO NO DOMÍNIO
ECONÔMICO OU ABUSO DO PODER ESTATAL?
“Valeu!” Brazil’s <=
/span>First
Pedro Barreto dos Santos Fragoso=
*
Palavras-chave: Direito Constitucional Econômico; aplicativo = 220;Valeu!”; intervenção do Estado na economia; aplicativos de entrega; falhas de mercado; externalidades.
Abstract:
This
article aims to conduct a constitutional
economic analysis <=
span
class=3DSpellE>of Brazil’s first state-run delivery =
app,
“Valeu,” an in=
itiative
launched by the city of
Rio de Janeiro, as well as the
legal controversies surrou=
nding
it. The article discusses<=
/span> the different forms
of state intervention in the economy and classifies
the initiative within one of
these categories. <=
span
class=3DSpellE>Additionally, it details =
the market failures
associated with
Keywords:
Constitutional=
economic law;
“Valeu!” app; state intervention
in the economy; del=
ivery
apps; market failures; externalities
INTRODUÇÃO
A exploração do novo modelo de negócios dos aplicativos de entrega teve vertiginosa expansão na última década, trazendo consigo preocupantes externalidades, como a “= uberização” do trabalho, dumping social, ab= uso de assimetria de informação, concorrência desleal e oligopólios.
O atual contexto social-mercadológico, com novos mecanismo=
s de
exploração do trabalho, =
traz consigo
reflexões sobre o papel intervencionista do Estado na economia. Há
uma demanda de iniciativas inovadoras por parte do Estado à l=
uz
dos preceitos da Constituição da República de 1988. De=
ntre
estas, está o objeto deste estudo: O app “Valeu!”,
instituído pelo município do Rio de Janeiro através da
empresa pública IPLANRIO, que
se encontra com operação suspensa por força de
decisão liminar no seio da Ação Popular n.
0097255-81.2022.8.19.0001, em razão de acusações de ab=
uso
de poder econômico do Estado em prejuízo da livre
concorrência.
Este artigo, portanto, dedica-se à análise dos aspe= ctos constitucionais econômicos da controvérsia no seio da ação popular mencionada e na diferenciação dos mecanismos de intervenção do Estado e seus requisitos, na demonstração das falhas de mercado observadas atualmente e, p= or fim, na análise da constitucionalidade do aplicativo municipal “Valeu!” enquanto política pública.=
Lançado para testes em março de 2022 pela administração do município do Rio de Janeiro, o aplicativo ‘Valeu’ é uma plataforma digital dedicada= à aproximação de restaurantes, clientes e entregadores, em semelhança aos conhecidos aplicativos ‘iFood’, = UberEats e Rappi. A proposta, como divulgada pelo prefeito Eduardo Paes e pelo então secretário de planejamento Pedro Paulo foi:
[atuar] n=
as
falhas de mercado como, por exemplo, as excessivas taxas de cobrança=
de intermediação. Quando
colocamos que a tarifa é
zero até R$ 100 em compras, isso cria
uma ruptura em relação aos demais aplicativos. Bares e restaurantes vão ter<=
span
style=3D'letter-spacing:-.65pt'> custos menores e os entregadores ga=
nhos
maiores (Prefeitura [...], 2022).
O aplicativo em questão foi desenvolvido pela IPLANRIO, empresa pública municipal com criação autorizada pela Lei Municipal nº 1.562/1990 e com atribuições também trazidas pela Lei Municipal nº 2.689/1998. Dentre os objetivos que justificam a medida, encontra-se a tentativa de atenuação da desestabilidade econômica enfrentada no mercado de bares e restaurantes pelo período de pandem= ia da covid-19.
A iniciativa, contudo, foi objeto da ação popular n.
0097255-81.2022.8.19.0001, de autoria=
do vereador
Pedro Duarte (Partido
Novo). Dentre os argumentos invocados, está o de que o
oferecimento de taxas mínimas ou zeradas consistiria em abuso de pod=
er
econômico por parte
do Município,
Distribuída a inicial e estabelecido o contraditóri=
o, o Juízo
da 13ª Vara de Fazenda Pública da Capital
decidiu pela suspensão do aplicativo na forma do excerto que segue:
[...] ainda que não resulte caracterizado o desvio<=
/span> de finalid=
ade à=
; luz das compet&=
ecirc;ncias
at=
ribuídas
à empresa pública Iplan Rio,
parece-nos, à primeira vista, ter havido indevida
intervenção na ordem econômica em condiçõ=
es
não competitivas, adotando o réu modelo concorrencial
incompatível com o texto constitucional.
Neste sentido,
o =
Iplan Rio, ao exercer
uma atividade de forma gratuita
ou a baixíssimo custo, aparentemente, está agindo
prejudicialmente à livre concorrência [...]. (Rio de Janeiro, =
2022a).
A posiçã= ;o de que a iniciativa constituiria intervenção direta na economia, apta a ofender a livre concorr&ec= irc;ncia, parece, inclusive, ser compartilhada pelo Minist&eacu= te;rio Público, na pessoa do ilustre promotor natural do caso, o dr. Valério Teixeira do Nascimento, que assim se manifestou em parecer:
Portanto,
diante das informações e provas apresentadas, é poss&i=
acute;vel
identificar a existência de concorrência desleal, em flagrante
prejuízo às plataformas digitais do mesmo gênero atuant=
es
no mercado.
Assim, ai=
nda
que não resulte caracterizado o desvio de finalidade à luz das
competências atribuídas à empresa pública Iplan Rio, houve indevida intervenção na
ordem econômica em condições não competitivas,
adotando o réu modelo concorrencial incompatível com o texto
constitucional. [...]. (Rio de Janeiro, 2023a).
Uma das teses defendidas pelo Município do Rio de Janeiro, contudo, é a de que a atividade de intervenção seria indireta do Estado na economia, por meio de fomento, e não enquanto agente explorador de atividade econômica. Vejamos o manifestado pelo = ilustre Procurador do Município em alegações finais:
[...]=
span> MRJ E A IPLANRI=
O N&Atild=
e;O AUFEREM=
QUALQUE=
R VALOR=
span> com o=
span> aplicat=
ivo “Valeu”. Portanto, não h&aac=
ute; lucratividade na atividade exercida.
Ainda que tenham sido
ventiladas notícias neste
sentido, é certo
que estas não chegaram a se concretizar! No máximo para manter os
exíguos custos de manutenção do aplicativo.
A propósito, a atividade exercida
é de FOMENTO,
e não de livre competição. Não há atuação como “player’ de
mercado. A própria dinâmica do aplicativo =
Valeu
é totalmente diferente! O aplicativo é a ferramenta que reali=
za a
intermediação de pedidos entre os estabelecimentos e os
utilizadores (clientes), que se dará por meio da própria
plataforma de gestão e administração, sendo o
responsável por possibilitar a solicitação do pedido, mas não o seu pagamento, cuja responsabil=
idade é
exclusiva do estabelecim=
ento e
do entregador, sem qualquer repasse à IPLAN ou ao Município. =
(Rio
de Janeiro, 2023b).
De todo modo, à época da suspensão de seu funcionamento, o aplicativo “Valeu!” encontrava-se em fase de testes, prejudicada pela decis&atil= de;o supramencionada. Com isso, seus efetivos impactos econômicos, sua viabilidade e conveniência jamais cheg= aram a ser efetivamente mensurados pelo município e pela coletividade.
Em fevereiro de 2025, veio a sentença de procedência= do pedido popular. São do= is principais eixos de fundamentação. O primeiro é o de q= ue a gestão de aplicativos de delivery não se encontra dent= re as atribuições listadas para a IPLANRIO nas leis municipais q= ue autorizaram a sua criação; o segundo, novamente no sentido de= que a medida constituiria indevida interferência estatal na livre iniciativa em preju&iacut= e;zo à ampla concorrênci= a. Os trechos a seguir resumem bem:=
Nessa toada, verifico que a IPLANRIO,
empresa pública municipal, não possu=
i, em
seu objeto social, a atribuição de criar e administrar
aplicativos de entrega de alimentos. O art. 2º da Lei Municipal nº
1.562/90 e o art. 8º da Lei Municipal nº 2.689/98, que definem as
competências da IPLANRIO, não incluem a atividade de desenvolv=
imento
e gestão de aplicativos de delivery.
Ainda que=
se
argumente que a IPLANRIO possui competência para desenvolver platafor=
mas
eletrônicas para auxiliar a Administração Públic=
a e
os munícipios, tal competência deve ser exercida dentro dos
limites da lei, e não podendo ser interpretada de forma extensiva a
ponto de permitir que a empresa pública atue em setores da economia =
que
não guardam relação com o seu objeto social. [...]
Alé=
;m
disso, não se vislumbra razoabilidade na ingerência do Poder
Público municipal sobre uma atividade que, por sua própria
natureza, se insere no âmbito da iniciativa privada. &Eacut=
e; notório que os serviços de entrega já disponibilizados no mercado atendem de maneira eficaz
às demandas dos consumidores, não havendo lacuna que justifiq=
ue a
intervenção estatal nesse segmento. Os serviços de
delivery, como qualquer outro modelo de negócio, seguem as regras de
livre concorrência e autorregulação de mercado, e a ent=
rada
do município como agente prestador desse serviço, sem observância dos princípios que regem a administração pública, configura uma interferência indevida na ordem
econômica [...] (Rio de Janeiro, 2025).
A controvérsia, contudo, encontra-se longe de estar pacifi=
cada.
A sentença em questão foi objeto de apelação e embargos de declaração, que se encontram pendentes de julgamento e, ao que parece, há espaço para amplas
discussões na Ação Popular n. 0097255- 81.2022.8.19.00=
01
nas instâncias recursais.
Como se viu, há dissonância nas interpretaç&o= tilde;es quanto à modalidade de intervenção econômica que= o aplicativo “Valeu!” representa. Por isso, mostra-se conveniente= conceituá-las e diferenciá-las dentro do recorte escolhido neste artigo.
O professor e Ministro Luís Roberto Barroso (2014, p. 9-19) destaca que “O Estado intervém no domínio econômi= co por três conjuntos de mecanismos: pela disciplina, pelo fomento e pela atuação direta”. Destas, apenas as duas últimas interessam ao objeto de estudo.
Iniciaremos tratando do fomento: Leonardo Vizeu (2021, p. 114) tr= ata fomento como instrumento de regulação da economia – ao = lado dos atos normativos e do poder fiscalizador de polícia –, conc= eituando-o como o “estímulo e promoção a determinadas atividades, a fim de se alcançar os objetivos políticos estabelecidos pelo poder público”.
Interessante complementar a conceituação citando Floriano de Azevedo Marques Neto (2014):
A princip=
al
especificidade do fomento em relação a outras formas de inter=
venção
está na estrutura da atuaç=
;ão estatal
buscada na busca de tais objetivos [efetivação dos objetivos e princípios da
ordem econômica]: no fomento, o Estado não atua diretamente na
economia e nem se utiliza de meios coercitivos. O Estado usa mecanismos de estímulos e desestímulos para incentivar a realização de uma conduta desejada.
Fato
é que a atividade de fomento encontra respaldo constitucional no art.
174 da CF: “Como agente<=
span
style=3D'letter-spacing:-.15pt'> normativo e regulador
Tem-se, portanto, de Floriano
de Azevedo Marques Neto (2014), “contrapõe-se aos instrumentos
coercitivos” ao induzir
determinado comportamento ao invés de repreendê-lo. O fomento,
portanto, revela-se conveniente especialmente em hipóteses nas quais a busca pela concretização dos princípios da ordem econômica demandem
intervenção branda no mercado, em prestígio ao
princípio da subsidiariedade da atuação direta do Esta=
do.
Nesse sentido, Danilo Tavares da Silva cita F. Torres (2001, p. 15 apud=
SILVA,
2010, p. 58): “Pode-se entender que a atividade de fomento
é expressão do princípio da subsidiariedade na medida em que, por meio dela, o Estado
se desincumbe de explorar
diretamente a atividade econômica”.
O princípio da subsidiariedade citado acima é o mandamento constitucional implícito no art. 173 da Carta Maior, disciplinando que a intervenção estatal direta seria aplicável, em ultima ratio, = às hipóteses em que a intervenção indireta fosse insufici= ente à persecução dos fins pretendidos com a intervenção estatal.
E o que seria a intervenção direta do Estado? Confo= rme nos ensina Luís Roberto Barroso (2001), é a que se dá quando o Estado assume “ele próprio, o papel de produtor ou prestador de bens e serviços”. Ainda como leciona Barroso, a interferência pode se dar mediante a prestação de serviços públicos e pela exploração de atividade econômica.
Cabe, neste momento,<=
span
style=3D'letter-spacing:-.2pt'> transcrever a redaç&=
atilde;o do art. 173 da Constituição:
Art. 173.
Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a
exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando=
necessária aos imperativos=
da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme defin=
idos
em lei (Brasil, 1988).
Percebe-se que foi da escolha do constituinte adotar o conceito jurídico indeterminado de “relevante interesse coletivo”= como condicionante da exploração direta da atividade econômica. O uso de expressões com alto grau de subjetivismo sugere a intenç&atil= de;o de conferir certo grau de discricionariedade ao intérprete, à= luz da unicidade do texto constitucional.<= /span>
A utilizaç&at=
ilde;o de conceitos indeterminados, como defende Alexandre Santos de Aragão (2018, p. 69), invoca o dever de deferência do Poder Judiciário para com a interpretação conferida pelos Poderes
da República =
democraticamente e tecnicamente legitimados, em especial o Legislativo e o Executivo.
Essas espécies de conceitos, ainda na lição de
Aragão, geram três zonas de incidência: certeza positiva=
(em
que há certeza da presença do interesse); certeza negativa (em
que a certeza é no sentido oposto); e a zona cinzenta (aberta a
subjetividades quanto à presença ou não de tais requisitos).
Extremamente conveni= ente ao objeto de estudo transcrever a citaç&= atilde;o a André Rodrigues Cyrino feita por Arag&atil= de;o (Cyrino, 2012, p. 71 apud Arag&= atilde;o, 2018, p. 69) em sua obra no que tange ao recorte analisado:= p>
[...] j=
á
a partir do sentido etimológico dos ter=
mos de ‘=
relevante
interesse coletivo’, infere-=
se, para =
os
fins do art. 173, caput, da Constituição, que o interesse
coletivo consiste na existência de uma necessidade transindividual, comum a número significativo de pessoas, cuja
satisfação não possa ser proporcionada de forma adequa=
da
senão que pela atuação direta do Estado-empresário. Ainda que exista espaço para as escolhas daquilo que se ente=
nda
relevante, não se trata, tão somente, de um mero interesse
Fica claro, portanto, que a escolh= a do que é ou não relevante interesse coletivo, dentro de zonas cinzentas de interpretação, nada mais é do que uma opç= ão política que deve ser pautada dentro da margem de discricionariedade legal e constitucionalmente conferida aos agentes competentes para tanto.
A Constituição, ao t= ratar da ordem econômica, definiu – sem distinguir ordem de relevância – como objetivos e princípios a valorização de trabalho humano, a garantia de existência digna, busca do pleno emprego, a livre iniciativa e a defesa do meio ambien= te. Ou seja, a intervenção direta do Estado na economia apenas deve se dar na busca desses objetivos (Marques Neto, 2014) e quando os demais mecanismos de intervenç&atil= de;o tenham se mostrado ineficazes d= iante da situação concreta (Mendonça, 2017).
Sobre o tema, Alexandre Santos de Aragão (2018, p. 66) se posiciona no sentido de que a simples presença da atuação direta do Estado na Economia, abstratamente considerada, não pode ser considerada como prejudicial à iniciativa privada por si só:
[...] sendo =
a concorrência também =
um dos princípios da ordem econômica constitucional (art. 170), essa atividade econômica do
Estado não pode ser considerada como restritiva da iniciativa privad=
a,
que pressupõe a maior concorrência possível, pois apenas
acarretou no surgimento de mais um concorrente, ainda que estatal.
Dito isso, parece-nos adequado classificar a iniciativa d= o município do Rio de Janeiro como uma medida de intervenção direta do Es= tado na economia. O aplicativo se de= stina ao fornecimento de uma utilidade ao público, administrada atrav&eacu= te;s de uma empresa pública (IPLANRIO). Trata-se da prestaçã= ;o de um serviço de utilidade pública, prestado sem exclusividad= e do Estado.
Partindo dessa premissa, a constitucionalidade e conveniência da política pública passa pela an&= aacute;lise da presença dos requisitos constitucionais da interven&cced= il;ão direta do Estado na economia, que recai na observação das falhas de mercado provocada pelos aplicativos de entrega, os quais serão exemplificados a seguir.
Na economia, entende-se por falha = de mercado a situação na qual a alocação de bens e serviços por um mercado livre não é eficiente, levando= a uma perda líquida de bem-estar social (Figueiredo, 2021, p. 114) . Das falhas explora= das pela doutrina, merecem destaque ao objeto de estudo as externalidades negativas.
Utilizo da conceituação de Leonardo Vizeu (2021, p. 114) quanto ao termo:
[...] Externalidades podem ser definidas como os efeitos
sobre uma terceira parte, derivadas <=
/span>de uma transação econômica sobre a qual a terceira
parte não tem controle.
Externalidades positivas são efeitos que aumentam o bem-estar desta
terceira parte (por exemplo, reduzindo os custos de produção),
enquanto externalidades negativas são efeitos que reduzem o bem-estar
(por exemplo, aumentando os custos de =
produção).
Conforme noticiado pela BBC e pelo= G1 (Como [...], 2020), observa-se que empresas responsáveis por aplicativos d= e delivery, como o iFood, têm causado distorções no mercado de restaurantes. Dentre elas, o prejuízo noticiado aos pequenos empreendimentos em razão de práticas de promoçõ= es agressivas e monopolização de dados estratégicos.
Nessa mesma toada, dados da
Associação Brasileira de Bares e Restaurantes – ABRASEL
(Comida [...], 2022), apontam que a empresa iFood detém a assombrosa
fatia de 80% do mercado de delivery de todo o Brasil, cobran=
do taxas
que vão de 16 a 25%, resultando num produto
O que se observa no atual status quo é que ou o participante adere aos aplicativos de entrega (em especial iFood) ou sequer consegue manter-se no mercado. O resultado é a posição= de excessiva vantagem gozad= a pelo agente tanto em relaçã= o aos entregadores quanto para com os restaurante= s, o que lhe possibilita alterar ou reduzir condições contratuais, taxas e comissões à sua própria conveniência sem sofrer consequências em sua demanda.
Em 2023, inclusive, foi celebrado Termo de Compromisso de Compensa&cced=
il;ão no âmbito
do CADE com o aplicativo iFood, relacionado a infrações &agra=
ve;
ordem econômica. É o trecho da notícia do Governo
Federal (Cade [...], 2023).
Segundo as<=
span
style=3D'letter-spacing:-.3pt'> investigações, há
indícios de que o iFood
O modelo de exploraçã= ;o de trabalho utilizado por plataformas de delivery associa-se comumente à precarização do trabalho e à depredaç&= atilde;o social, dentro do fenômeno conhecido como “uberizaç&atil= de;o do trabalho”, de cujos elementos de caracterização, detalhados por Ludmila Costchek Abílio (2021), me sirvo :
[...] Empresas como a Uber se apresentam como simples
mediadoras entre oferta e procura. Entretanto, nessa mediação
elas definem os ganhos do trabalhador, definem e detêm os instrumento=
s de
avaliação de seu trabalho, criam regras e formas de
estímulo que operam
como controles da produtividade do trabalhador. Na uberização, portanto, a empresa se livr=
a do
vínculo empregatício, mas mantém o controle, gerenciam=
ento
e vigilância sobre o trabalho.
Na prática, o fenômen= o da uberização aproveitado pelas plataformas de aplicativo t&ecir= c;m sido associado ao dumping social, no qual se observa “violação constante dos direitos básicos do trabalhador (o descumprimento de jornada de trabalho, a t= erceirização ilícita, a inobservância de normas de segurança e medic= ina do trabalho, a prática do trabalho infantil e do trabalho escravo ou análogo à escravidão, entre outras), com o objetivo fi= nal de obter vantagens comerciais e financeiras em relação aos se= us concorrentes” (Dumping, 2021; Okusiro; Squeff, 2023).
Dado o contexto, não parece possível negar que as externalidades provocadas pela atividade explo= rada pelos aplicativos de plataforma põem em xeque os objetivos da ordem econômica estampados na Constituição Federal. A incerte= za quanto à possibilidade de atenuação de tais efeitos pe= lo próprio mercado sem intervenção traz à tona discussões sobre qual é o papel do Estado nesse cenári= o.
Resta, portanto, analisar a validade da iniciativa do município do Rio de Janeiro = para fazer frente a tais falhas de mercado, à luz dos limites da intervenção do estado impostos pela ordem constitucional.
CONCLUSÃO: O APLICATIVO “VALEU! ENQUANTO INSTRU=
MENTO PARA DEFINIÇÃO DE SOLUÇÕES
Recapitulando:
vimos que o aplicativo “Valeu!” aparenta se tratar de modalidad=
e de intervenção direta na economia,
utilidade posta no mercado através de empresa pública municipal; vimos=
também que a intervenção direta
se revela possível – conform=
e art. 173
da Constituição –
nas hipóteses em que há
relevante interesse coletivo
e em que as demais
modalidades de intervenção se revelem inconvenientes.
O requisito do relevante interesse coletivo aparenta estar demonstrado, haja vista, como tratado no capítulo ante= rior, que as externalidades sofridas pela sociedade dizem respeito ao preju&iacut= e;zo aos valores sociais do trabalho, à livre concorrência e inicia= tiva e à busca do pleno emprego – princípios estampados no a= rt. 170 da Constituição.
Resta analisar a questão da subsidiariedade. Mas como dizer se a intervenção direta do Es= tado é menos conveniente do que a regulação ou do que o fom= ento num cenário extremamente novo?
Novamente, devemos retornar aos
apontamentos feitos no capítulo 3 deste artigo. A
definição dada
O aplicativo “Valeu!”=
foi o
primeiro aplicativo de delivery estatal do Brasil (Ghedin, 2022), cr=
iado
para fazer frente a externalidades provocadas por modelos
de negócios recentíssimos. A iniciativa jamais saiu
O argumento de que a iniciativa municipal consistiria= em abuso de poder estatal lesivo
à livre iniciativa e à ampla concorrência, em que pese sua defesa pelo autor popular e por diversa= s autoridades, também = não é em dados concretos, justamente por= que não há experiência prévia. Também não parece ser razoável simplesmente presumir que o mercado de aplicativos estaria ameaçado, especialmente quando há um único agente que detém 80% de sua integralidade e é capaz de definir a remuner= ação de restaurantes e entregadores.
O fato é
que, conforme sustentado pela Procurado=
ria do Município do Rio de
Janeiro, o aplicativo passava
por fase de testes, restrita
a uma pequena parcel=
a da população, justamente para que seus efeitos
pudessem ser avaliados. Após os<=
span
style=3D'letter-spacing:-.5pt'> experimentos, num ambiente econômico controlado e reduzi=
do,
é que se poderia ter total dimensão de seus efeitos – n=
este
momento futuro é que se definiria se a alternativa seria conveniente=
ou
não.
Não se pode afirmar, num ca= mpo abstrato e distante de experiências empíricas, com absoluta certeza se a intervenção direta do Estado na economia é a melhor solução para todas as externalidades que envolvem a= plicativos de entrega. Não há dado= s que permitam alcançar essa conclusã= ;o. E é exatamente por isso que a política pública se revela viável e conveniente num ambiente de testes: pois é útil na constru&cce= dil;ão do melhor mecanismo de enfrentamen= to para os problemas econômicos vislumbrados.
Através dela, poderiam se alcançar indicativos sobre seus potenciais impactos no mercado: os ganhos dos agentes envolvidos, em especial entregadores e restaurantes; seu impacto sobre os preços; seu impacto sobre os demais agentes econômicos e afins. O conhecimento a partir daí revelado, mesm= o se a administração optasse por descontinuar o aplicativo, result= aria em maior bagagem para subsidiar= a tomada de futuras decisões.
É com base em todas essas ponderações que se defende a tese de que a interven&cced= il;ão do Estado na economia, na hipótese estudada, reve= la-se conveniente no ambiente do mercado de aplicativos de delivery, tendo em vista que afeta diretam= ente valores protegidos pela ordem econômica estampados na Constitui&ccedi= l;ão. A iniciativa municipal de desenvolvimento do aplicativo “Valeu!” para fase de testes se revela útil ao atual contexto econômico, sendo instrumento hábil= à construção de soluções quanto ao melhor mecanismo de interven&cc= edil;ão estatal na economia.
ABILIO,=
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p; 5
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Submissão em: 01/10/2025|
Aprovação em: 01/10/2025 e 02/10/2025
Editor: Antonio Aurelio Abi Ramia
Duarte