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Fea= sibility – or lack thereof – of the Public Prosecutor’s Office (PP= O) intervention in the Presentation of a Non-Prosecution Agreement (NPA) in the context of a private criminal action
Beatriz Abraão de Oliveira=
span>=
*
Valfran de Aguiar Moreira=
**
Resumo: O presente artigo
analisou a controvérsia acerca da possibilidade de o Ministér=
io
Público (MP) propor o Acordo de Não Persecução
Penal (ANPP) no âmbito da ação penal privada. Inicialme=
nte,
discorreu-se sobre a titularidade da ação penal, distinguindo=
a
pública da privada, à luz do sistema acusatório
brasileiro. Em seguida, investigou-se o papel do ANPP, introduzido pela Lei
nº 13.964/2019, como instrumento de Justiça Penal Negocial e se=
us
limites no processo penal. A pesquisa examinou criticamente a decisã=
o do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 2.083.823/DF, a qual admi=
tiu
a atuação supletiva do MP na proposta do acordo em
ações penais privadas, fundamentando-se no interesse
público, na eficiência da justiça e na
promoção da isonomia processual. A metodologia utilizada
baseou-se na análise legislativa, doutrinária e jurisprudenci=
al.
Concluiu-se que, embora a decisão busque efetivar princípios
constitucionais, ela tensiona garantias fundamentais do devido processo leg=
al e
da autonomia do querelante, sendo necessária uma aplicaç&atil=
de;o
restrita e excepcional da medida.
Palavras-chave: ação penal privada; acordo de não persecução penal; garantias processuais; Ministério Público; sistema acusatório.
Abstract: This article analyzed the controversy over the possibility of the Public Prosecutor's Of= fice (PPO) proposing a Non-Prosecution Agreement (NPA) in the context of private criminal proceedings. Initially, the title of the criminal action was discussed, distinguishing between public and private proceedings, in light = of the Brazilian accusatory system. Then, the role of the NPA, introduced by L= aw No. 13,964/2019, as an instrument of Negotiated Criminal Justice and its li= mits in criminal proceedings was investigated. The research critically examined = the decision of the Superior Tribunal de Justiça (STJ) in REsp 2.083.823= /DF, which admitted the supplementary role of the PPO in proposing an agreement = in private criminal proceedings, based on the public interest, the efficiency = of justice and the promotion of procedural equality. The methodology used was based on legislative, doctrinal and jurisprudential analysis. It was conclu= ded that, although the decision seeks to enforce constitutional principles, it undermines fundamental guarantees of Due Process of Law and the autonomy of= the complainant, requiring a restricted and exceptional application of the meas= ure.
Keywords: private criminal actio= n; non-prosecution agreement<= /span>; procedural guarantees; Public = Prosecutor's Office; accusatory<= /span> system.
INTRODUÇÃO
Inicialment= e, compete dizer que, nos últimos anos, a evolução do Dir= eito Penal brasileiro tem se concentrado na priorização da implementação de mecanismos consensuais (Gomes; Silva; Greff,= 2021), visando a aliviar a carga do Poder Judiciário e aumentar a eficiência da persecução penal.
Nesse cenário, tem-se o ANPP, que veio a ser incorporado no sistema jurídico pela Lei nº 13.964/2019 (denominada "Pacote Anticrime"), emergindo como uma ferramenta significativa de Justi&cced= il;a Negociada, possibilitando que, em situações específica= s, o MP e o investigado estabeleçam um acordo a fim de evitar a apresentação de denúncia.
Assim, a relevância da temática aqui abordada se encontra nas implicações práticas e teóricas desse limite: d= e um lado, evidencia-se o papel do MP como responsável pela ação penal pública e a imprescindível salvaguar= da dos direitos do ofendido na ação privada; de outro, levanta-s= e a dúvida sobre se a proibição do uso do ANPP em ações penais privadas está em conformidade com os princípios constitucionais da eficiência, da razoabilidade e da Dignidade da Pessoa Humana.
Nesse conte= xto, a análise adquire maior importância em face da jurisprudên= cia ascendente, a qual tem delineado os contornos dessa proibição= e seus impactos na prática forense. Entretanto, enxerga-se que a implementação do ANPP provoca discussões significativa= s no que se refere às ações penais privadas, nas quais a titularidade da ação é atribuída não ao = MP, mas sim à vítima ou a seu representante legal (Avelar; Pacior= nik; Marinho, 2024).
Sendo assim, considerando esse contexto, a questão de pesquisa a ser investigada é a seguinte: juridicamente, torna-se viável a formalização de ANPP pelo MP em ações penais privadas, levando em conta a legislação atual e a interpretação dos tribunais no Brasil?
Portanto, e= ste presente estudo teve por finalidade examinar, por meio da análise da legislação, da doutrina e da jurisprudência recente, a viabilidade – ou não – da intervenção do M= P na apresentação de ANPP em contexto de ação penal privada.
A fundamentação deste estudo baseia-se na exigência de elucidar um tópico que permanece controverso e que tem significativa importância prática para a atuação dos profissio= nais do Direito, em especial advogados, integrantes do MP e juízes. Adema= is, o estudo auxiliará na melhoria da compreensão dos institutos = da Justiça Penal Negocial no ordenamento jurídico brasileiro, favorecendo o fortalecimento de uma cultura de consensualidade que observe = os limites constitucionais e legais determinados para cada modalidade de ação penal.
Para tanto,= este estudo adotou uma perspectiva qualitativa e exploratória, tendo como meta examinar as consequências jurídicas e processuais da eventualidade de o MP apresentar o ANPP em casos de ações pen= ais de natureza privada. A investigação foi conduzida mediante a análise doutrinária, jurisprudencial e legislativa, visando a construir uma compreensão crítica acerca da posiç&atil= de;o assumida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 2.083.823/DF, selecionado por se tratar do leading case sobr= e o tema. Esse julgado foi escolhido por representar o primeiro precedente de repercussão nacional a reconhecer, ainda que de forma supletiva e excepcional, a possibilidade de o MP propor o ANPP em ações penais privadas. A decisão inaugurou uma nova orientaçã= ;o jurisprudencial, reinterpretando o art. 28-A do Código de Processo P= enal (CPP) à luz dos princípios da eficiência, da isonomia e= ntre os acusados e da tutela do interesse público, motivo pelo qual foi adotada como referência central deste trabalho para a análise = de seus impactos no sistema processual penal brasileiro.
1 INTERVENÇÃO DO MP NA
APRESENTAÇÃO DE ANPP EM AÇÃO PENAL PRIVADA
1.1 Acordo de Não
Persecução Penal: origens, conceito e objetivos
O ANPP repr= esenta uma importante inovação dentro do sistema jurídico brasileiro, que visa a promover uma forma alternativa de resolução de conflitos no âmbito penal. As suas origens podem ser traçadas a um esforço para desinchar o sistema judi= ciário, buscando maneiras de evitar a sobrecarga dos tribunais e proporcionando soluções que se mostrem mais céleres e eficientes (Arr= uda; Médici, 2024).
O conceito = central desse acordo reside na possibilidade de se chegar a um entendimento entre o= MP e o acusado, com o objetivo de que o réu aceite determinadas condições, como o cumprimento de penas alternativas, em troca= da não continuidade do processo penal (Rebello; Matos, 2020).
O objetivo = principal desse mecanismo é promover a Justiça Restaurativa (Mendon&cce= dil;a; Camargo; Roncada, 2020), ao mesmo tempo que se busca uma maior eficiê= ncia na aplicação da Justiça, já que a proposta &eac= ute; oferecer uma saída menos punitiva e mais conciliadora, facilitando a= ssim uma resolução adequada para casos em que a pena privativa de liberdade não se afigura necessária.
Além= disso, essa abordagem também busca incentivar a reparação do = dano causado pela infração, promovendo maior participação do infrator na solução da questão que gerou a intervenção do Estado (Rebouças; Barros, 2024).
A implementação do ANPP, dentro do sistema jurídico brasileiro, mediante a promulgação da Lei nº 13.964/2019, configura-se como um evento significativo que sinaliza um ponto de virada fundamental na evolução e ampliação da Justiça Penal de natureza negocial. Essa mudança reflete um avanço nas práticas jurídicas que buscam alternativas à persecução penal tradicional, promovendo um enfoque = mais conciliador e menos punitivo nas relações jurídicas (Brasil, 2019).
O instituto mencionado tem como objetivo central acelerar e aprimorar o funcionamento do sistema penal, buscando, assim, tornar seus processos mais rápidos e eficazes. Para alcançar essa meta, a abordagem adotada prioriza a utilização de soluções alternativas à maneira convencional de lidar com a persecução de crimes que são considerados de menor gravidade.
De tal mane= ira, essas alternativas visam não apenas a desonerar o sistema judiciário (Castro; Alves, 2024), porém, igualmente oferecer = mais eficácia na resolução de conflitos, promovendo, inclus= ive, um tratamento diferenciado para situações que não dema= ndam o rigor do sistema penal tradicional.
O ANPP, que= se encontra cadastrado no art. 28-A do CPP, confere ao MP a prerrogativa de, s= ob a condição de que determinados requisitos sejam cumpridos, apre= sentar ao investigado uma proposta de acordo. Essa proposta visa a possibilitar a elisão da apresentação de uma denúncia formal, = ou seja, o intuito é chegar a um entendimento que impeça que o processo penal siga seu curso normal com a formalização da acusação (Brasil, 1941).
De acordo c= om a definição apresentada por Oliveira (2020), o ANPP é descrito como sendo um tipo de dispositivo que tem características t= anto do Direito Penal quanto do Direito Processual Penal, configurando um tipo de instrumento híbrido. Esse mecanismo combina elementos de Direito Material, que diz respeito às normas que estabelecem crimes e penas,= com aspectos do Direito Processual, que se relaciona com os procedimentos a ser= em seguidos na aplicação da Justiça.
Portanto, t= em-se que o propósito principal do ANPP trata-se de promover a despenalização e a racionalização do sistema punitivo, buscando, assim, uma abordagem mais eficiente e menos rígi= da frente aos casos jurídicos que lhe são aplicáveis (Oliveira, 2020).
Conforme bem expõe Lopes Jr. (2020), a ideia de consensualidade dentro do âmbito do processo penal emerge como uma solução para a crise que afeta tanto a legitimidade quanto a eficiência do modelo tradicional que vem sendo utilizado.
Esse concei= to busca apresentar alternativas inovadoras para a administração dos conflitos relacionados ao sistema penal, sempre tendo em vista o respeito às garantias fundamentais dos indivíduos e a proteção de seus direitos. Assim, o autor supracitado prop&ot= ilde;e uma abordagem que visa à atualização e adaptaç&= atilde;o dos procedimentos, de maneira a refletir uma Justiça mais equitativa= e efetiva.
Nesse cenário, nota-se que o ANPP se apresenta como uma ferramenta que, simultaneamente, almeja a reparação social e visa a diminuir tanto o custo social quanto o econômico relacionado ao processo penal= . Ou seja, esse mecanismo não apenas foca na restauração das relações sociais prejudicadas, mas também procura aliv= iar os encargos financeiros e sociais que o sistema penal pode gerar, beneficia= ndo a sociedade como um todo.
A doutrina,= de forma crítica, destaca que o objetivo principal do acordo mencionado é conciliar eficiência e proteção dos direitos, considerando que a sua formalização implica a admissão= de culpa por parte do investigado (Silva; Penteado, 2022), assim como a supervisão do juiz, o que assegura que as garantias fundamentais sej= am respeitadas.
É fundamental ressaltar que o instituto em questão tem suas origens nos modelos de Justiça Consensual que já foram implementados em nações diversas, como no caso do plea bargaining, que = se trata de um mecanismo adotado nos Estados Unidos, e o patteggiamento, utilizado na Itália.
No entanto, é importante notar ainda que esses modelos foram posteriormente adaptados para se ajustarem à realidade da Constituição brasileira, sempre respeitando princípios indispensáveis, com= o a ampla defesa, que garante que todos tenham o direito de se defender adequadamente, o contraditório, que assegura a possibilidade de se contestar e debater as alegações feitas, e a intervenção judicial, que é a participaçã= ;o do juiz para garantir que os direitos das partes sejam observados.= p>
Diante da compreensão do ANPP, das suas origens e dos seus objetivos dentro do sistema de justiça negociada, torna-se imprescindível analisa= r em que medida a natureza da ação penal influencia a aplicação desse instituto. Isso porque a legitimidade para a propositura do acordo depende diretamente de quem detém a titularida= de da ação penal, seja o Ministério Público, nas ações públicas, seja o ofendido, nas açõ= es privadas. Assim, compreender a distinção entre essas modalida= des é passo fundamental para avaliar a viabilidade – ou não= – da intervenção do MP na apresentação do ANPP em ações penais privadas.
1.2 Natureza da ação pe=
nal:
pública x privada
A ação penal pode ser classificada de duas maneiras distintas: a ação penal pública e a ação penal privad= a, cada uma apresentando características e peculiaridades que as diferenciam. A ação penal pública é aquela em q= ue o Estado tem a obrigação de promover a persecução penal, ou seja, cabe ao MP, que representa os interesses da sociedade, atuar para investigar e processar a criminalidade. Isso significa que, em casos de crimes que traduzem uma ofensa ao conjunto da sociedade, o Estado assume um papel ativo, buscando garantir a ordem jurídica e a justiça (= Pereira, 2002).
Por outro lado, a ação penal privada se caracteriza pelo fato de ser iniciada p= or um particular, ou seja, por aquele que se considera ofendido em razã= o da prática de um crime. Nesse contexto, a vítima ou seu representante legal são responsáveis por averiguar e levar ao Judiciário a demanda por reparação ou resposta penal ao ato criminoso. Assim, a ação penal privada reflete a autonomi= a do indivíduo em buscar justiça por meio das instâncias leg= ais quando se vê diretamente afetado (Prado; Santos, 2022).=
Por fim, &e= acute; importante ressaltar que a escolha política do legislador entre a ação penal pública e a privada para responsabilização penal do agente, além de estar atrel= ada à gravidade e natureza do crime cometido, também depende do interesse da vítima ou do ofendido em dar seguimento ao processo leg= al de forma independente ou com a tutela do Estado. Desse modo, para que se po= ssa entender adequadamente quais são os limites da atuação= do MP no contexto do ANPP, torna-se fundamental, em primeiro lugar, realizar u= ma distinção clara entre a ação penal públi= ca e a ação penal privada.
A ação penal pública é um tipo de processo judici= al cuja iniciativa é de competência única do MP, que atua = em nome da coletividade e da sociedade como um todo, com o objetivo principal = de promover a responsabilização por delitos em que prevalece o interesse público (Bottini, 2020).
Nesses caso= s, entende-se que a atuação do MP é fundamental para gara= ntir que a justiça seja feita, uma vez que ele representa a vontade da sociedade na busca pela defesa da ordem pública e dos direitos dos cidadãos, especialmente em situações em que os crimes têm repercussão mais ampla e afetem a comunidade de maneira significativa.
De acordo c= om os ensinamentos de Tourinho Filho (2019), a ação penal pública representa a primazia do interesse coletivo na punição de certas transgressões penais, sendo, portant= o, algo que não pode ser renunciado pelo Estado.
No entanto,= ainda segundo Tourinho Filho (2019), na esfera da ação penal de natureza privada, a propriedade do direito de ação é atribuída à pessoa que foi ofendida, que, por sua vez, age em defesa de um interesse que é essencialmente de caráter individual.
Dessa forma, analisando o exposto logo acima, torna-se possível perceber que o fo= co da atuação recai quase que inteiramente sobre a proteção de direitos pessoais e privados da vítima, evidenciando a importância desse tipo de ação no contex= to jurídico.
Conforme de= staca Nucci (2022), na ação de caráter privado, o titular do direito é, na realidade, a própria pessoa que se sentiu ofend= ida, sendo ela a única a decidir acerca da conveniência e da oportunidade em exercitar o direito à ação. Portanto, = essa pessoa pode direcionar a perseguição de acordo com sua própria vontade e suas intenções.
Além= disso, a ação penal que é considerada privada, se mostra regulamentada por princípios essenciais, tais como a disponibilidade= e a oportunidade, os quais conferem ao querelante a possibilidade de desistir da ação, prática que é referida como perdão= do ofendido.
Isso tamb&e= acute;m significa que o querelante pode optar por não propor a ação penal, e essa decisão não acarretará consequências em relação à responsabilidade penal por parte do Estado. Por outro lado, na esfera da ação pública, a atuação do MP é obrigatoriamente vinculada, o que significa que esta entidade está compromissada a to= mar providências sempre que houver a ocorrência de uma infraç= ;ão penal (Greco, 2022).
Com relação a esse assunto, Greco (2022) afirma que a ação penal privada representa uma manifestação = da autonomia da vontade do indivíduo dentro do contexto penal, levando = em consideração, por outro lado, os limites que são impos= tos pela Constituição e pelas leis.
1.3 Impossibilidade de propositura do=
ANPP
em Ação Penal Privada
A impossibi= lidade de se apresentar a proposta do ANPP, dentro do contexto de uma ação penal de natureza privada, trata-se de um ponto que mere= ce uma análise cuidadosa. O ANPP não pode ser aplicado em casos = em que a acusação é feita apenas a partir de uma iniciati= va privada, ou seja, quando a vítima escolhe mover a ação penal, sem a intervenção do MP.
Isso se dev= e ao fato de que o ANPP é um mecanismo que visa a desacelerar o processo penal (na linha pensada por Sanchez, 2013), permitindo que o autor do fato criminal, ao aceitar determinadas condições oferecidas pela Justiça, evite a ação penal. No entanto, nas ações penais privadas, o controle e a iniciativa estão= nas mãos da parte ofendida, ou seja, a vítima (Tourinho Filho, 20= 19).
Dessa forma= , como o ANPP requer a participação do MP e depende da sua avaliação sobre a viabilidade do acordo, é claro que e= le não pode ser aplicado nesse contexto específico. Para tanto, é importante considerar esses aspectos ao discutir o tema, para ente= nder a delimitação do uso do ANPP e suas implicações práticas dentro do sistema penal brasileiro.
Considerand= o que a implementação do ANPP está condicionada à existência de atribuição que possibilite a propositura = da ação penal – o que não ocorre nas situações em que se tratam de ações penais de natureza privada –, chega-se à conclusão de que, juridicamente, é inviável que o MP possa apresentar a propost= a do ANPP nessas circunstâncias. Portanto, a ausência de atribuição legal no âmbito das ações pena= is privadas impede o acesso a esse mecanismo de negociação.
Badar&oacut= e; (2021) é categórico ao ressaltar que, na perspectiva jurídica, a falta de legitimidade ativa para a apresentação da denúncia em delitos que se enquadram na categoria de ação privada torna impraticável a implementação do ANPP, uma vez que isso implicaria em desrespeitar a titularidade do ofendido.
O disposto = no art. 28-A do CPP deixa evidente que a iniciativa de apresentar uma proposta de acordo é um direito exclusivo do titular da ação penal= que tem caráter público. Essa prerrogativa assegura que apenas a pessoa responsável pela ação penal pública possa tomar essa decisão (Brasil, 1941).
Nas ações de natureza privada, cabe ao MP desempenhar a função de fiscalizador da legislação em vigor, = atuando como custos legis. No entanto, é importante enfatizar que esse órgão não tem a prerrogativa de substituir a vontade da parte ofendida. Assim, sua atuação é limitada ao acompanhamento do cumprimento das normas legais, respeitando, portanto, a autonomia e os interesses do ofendido na busca pela justiça (Badaró, 2021).
O MP, por s= ua natureza e atribuições, não tem a autorização ou a competência para introduzir inovações em ações que não estão = sob sua titularidade. Fazer isso poderia resultar em uma violação= dos princípios constitucionais que garantem o devido processo legal, bem como a separação de funções entre os órgãos do Estado.
Em outras p= alavras, agir dessa forma comprometeria a integridade das normas que regem a Justiça e a organização do sistema jurídico, o = que é fundamental para a manutenção da ordem legal e do respeito às diretrizes estabelecidas.
A restrição à apresentação de propostas do ANPP por parte do MP em casos de ação privada não prejudica, de forma alguma, o direito que o ofendido tem de dispor sobre a situação. Nesse sentido, isso assegura que a vítima te= nha a liberdade de decidir se deseja prosseguir com a persecução penal ou se prefere resolver o litígio de forma civil, utilizando ou= tro método de composição (Castro, 2012).
Além= disso, é importante destacar que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) estabeleceu, por meio da Resolução n&or= dm; 181/2017 – posteriormente modificada pela Resolução n&o= rdm; 183/2018 –, uma limitação na atuação dos membros do MP, restringindo suas ações especificamente &agrav= e; esfera das ações penais que são públicas. Dessa forma, essa norma contribui para fortalecer a ideia de que a atuação fora desse âmbito é, de fato, inviável (Brasil, 2018).
Sob a persp= ectiva do princípio da legalidade, considera-se um fundamento essencial da democracia penal, sendo imprescindível que qualquer expansão = nas atribuições e responsabilidades do MP seja claramente delinea= da e autorizada por meio de uma legislação específica (Prad= o, 2021).
Essa exigência garante que não haja arbitrariedades e que todas as ações do MP estejam alinhadas com o que está previsto = nas normas estabelecidas, assegurando, assim, o respeito ao Estado Democrático de Direito. Portanto, a atuação do MP deve sempre se pautar pelo que está definido em leis escritas e formalmen= te aprovadas, garantindo a transparência e a legalidade nas suas funções.
Sendo assim= , no caso de ações privadas, a aplicação do ANPP não é pertinente. Portanto, qualquer tentativa de realizar uma interpretação que se estenda além do que está estritamente definido pode infringir o princípio da legalidade estri= ta, que é um pilar fundamental no âmbito do Direito Penal.<= /p>
1.4 Análise da divergênc=
ia jurisprudencial
e doutrinária
Conforme an= otado no acórdão do Resp 2.083.823 –= que será mais bem analisado à frente –, “o CPP n&atil= de;o disciplinou expressamente a possibilidade de celebração do AN= PP no âmbito da ação penal privada o que gerou controvérsia doutrinária e jurisprudencial”.
Desse modo,= para uma parte da doutrina e da jurisprudência a proibição d= o MP de apresentar o ANPP em processos criminais de natureza privada manifesta-se como uma resultante evidente da organização do sistema acusatório, assim como da divisão das titularidades que estão estabelecidas na legislação do Brasil. = p>
Essa disposição é coerente com os princípios que fundamentam a atuação dos diferentes sujeitos do processo pen= al estabelecidos pela norma jurídica vigente, refletindo uma estrutura = que valoriza a autonomia das partes e a separação entre a função de acusar e a de defender. Assim, a exclusão do= MP no oferecimento dessa proposta em ações do tipo privada enfat= iza a importância de cada ator no sistema, corroborando um modelo que prioriza a preservação dos direitos e garantias individuais. =
A autorização para a realização de uma prá= tica dessa natureza não significaria apenas a tomada indevida da capacida= de de disposição da parte ofendida, mas igualmente representaria= uma transgressão ao princípio da legalidade vigente, além = de comprometer a função institucional que o MP deve desempenhar. Essa situação colocaria em risco a própria legitimidad= e do acordo, o qual é concebido como um instrumento voltado para a promo&= ccedil;ão da Justiça no âmbito do sistema penal por meio de negociações (Prado, 2021).
Conforme si= ntetiza Prado (2021), a prática da consensualidade dentro do contexto do processo penal deve respeitar rigorosamente os limites institucionais que f= oram estabelecidos previamente. Isso é fundamental, porquanto, a transgre= ssão desses limites pode levar ao comprometimento da lógica fundamental q= ue rege o sistema acusatório. Assim, é imprescindível que= a consensualidade não se transforme em um fator que desvirtue os princ= ípios que sustentam o funcionamento adequado desse sistema jurídico.
Enfim, O MP não pode propor o ANPP nos crimes de ação penal privad= a, uma vez que não detém a titularidade do jus persequendi, atribuída exclusivamente ao ofendido. Além disso, a ação penal privada é regida por princípios específicos que, em regra, afastam a possibilidade de aplicação do ANPP (Lins, 2022)
A seguir, n= o Quadro 1, tem-se um resumo que ajuda a visualizar melhor os principais pontos da fundamentação teórica trazida aqui no presente estudo. Este quadro organizado apresenta uma visão sistêmica dos principais argumentos que amparam a impossibilidade de o MP alvitrar ANPP em ações penais privadas.
Quadro 1=
- Resumo dos principais pontos=
da
fundamentação teórica
|
Tema |
Descri&cc= edil;ão/Argumento |
Autores e Fontes |
|
Conceito = de ANPP |
Solu&cced= il;ão consensual que evita o oferecimento da denúncia em crimes sem violência ou grave ameaça. |
Bottini (= 2020); Oliveira (2020) |
|
Objetivo do ANPP |
Racionalizar o sistema penal, reduzir a carga = do Judiciário e respeitar garantias constitucionais. |
Lopes Jr. (2020); Bottini (2020)= |
|
Titularid= ade da Ação Penal |
Na ação pública, o MP é o titular; na privada, o ofendido é o titular da persecução. |
Nucci (20= 22); Greco (2022) |
|
Atuação do MP na Aç&atild= e;o Privada |
Atua apenas como custos legis (fiscal da lei), sem poder de disposição sobre a ação. |
Cunha (2021); Greco (2022) |
|
Impossibi= lidade de ANPP na Ação Privada |
O MP n&at= ilde;o tem legitimidade para negociar em nome do ofendido, preservando os princípios da disponibilidade e da legalidade. |
Badar&oac= ute; (2021); Fischer (2020) |
|
Fundamentos Constitucionais Violados |
Violação dos princípios da legalidade, do devido processo legal e da separação de funções. |
Prado (2021) |
|
Jurisprud= ência do STJ |
ANPP &eac= ute; cabível apenas em ações penais públicas (usando por analogia teses referentes à transação penal).= p> |
STF, Ap 6= 42, Rel. Min. Dias Toffoli |
|
Resolu&cc= edil;ões Administrativas |
CNMP limi= ta expressamente o ANPP a ações públicas.= |
Resolu&cc= edil;ão CNMP nº 181/2017 |
Fonte: Dado=
s da
pesquisa (2025)
Sendo assim, analisando o quadro acima, verifica-se que o ANPP, como ferramenta de Justiça Penal Consensual, é limitado às situações de ação penal pública, independentemente de ser incondicionada ou condicionada à representação. A impossibilidade de sua proposta nas ações penais privadas resulta da própria essência desses processos, nos quais a pessoa ofendida tem a titularidade exclusiva = da ação.
Autorizar o= MP a conduzir a negociação do ANPP em situações dessa natureza acarretaria a usurpação da autonomia da vítim= a, além de infringir os princípios constitucionais que orientam o processo penal brasileiro, especialmente o princípio da legalidade e= o devido processo legal. A doutrina predominante, a legislação atual e= a jurisprudência dos tribunais superiores concordam, de maneira unânime, em afirmar essa limitação.
Portanto, a adequada compreensão da função do MP, assim como da estrutura acusatória do processo penal brasileiro, exige o reconhecimento da impossibilidade de apresentação de ANPP em ações penais de natureza privada, resguardando a legitimidade= do sistema penal e os direitos fundamentais envolvidos.
2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Neste tópico, realiza-se uma análise minuciosa e crítica da decisão emitida pelo STJ no caso do Recurso Especial nº 2.083.823/DF. A questão central desse recurso diz respeito à discussão sobre a autorização ou não para que o= MP tenha a capacidade de propor o ANPP em um contexto de ação pe= nal que seja de natureza privada.
O STJ, no julgamento do REsp
2.083.823/DF (Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 14/03/2025), firmou o
entendimento de que o ANPP pode ser celebrado em ações penais
privadas, inclusive após o recebimento da queixa-crime, desde que
presentes os requisitos legais do art. 28-A do CPP. O tribunal reconheceu a
possibilidade de atuação supletiva do Ministério
Público, caso haja inércia ou recusa infundada do querelante,
fundamentando sua decisão na necessidade de resguardar o interesse
público, garantir a isonomia entre acusados e promover a
desjudicialização do sistema penal. Ressaltou, contudo, que e=
ssa
atuação deve respeitar a autonomia do ofendido e os princ&iac=
ute;pios
constitucionais que regem o processo penal.
A análise em questão foi conduzida considerando tanto a doutrina predomina= nte quanto a jurisprudência estabelecida ao longo do tempo, visando a exa= minar, de maneira crítica, o efeito que essa nova interpretaçã= ;o pode ter sobre o sistema acusatório que existe atualmente no Brasil.= Essa avaliação buscou ainda entender como a inovação interpretativa interage com as normas e princípios que regem o proce= sso judicial no país.
Em uma decisão unânime, o STJ concluiu, após fazer uma diferenciação com a transação penal, que o ANPP pode ser aplicado também nas ações penais de natureza privada, mesmo que isso ocorra após a aceitação da queixa-crime. Essa possibilidade é válida desde que sejam atendidos os requisitos legais estabelecidos no artigo pertinente da legislação.
O art. 28-A= do CPP estabelece disposições específicas relacionadas a um determinado aspecto do processo penal. Esse artigo, introduzido por meio de= uma modificação na legislação, pode abranger tópicos como os procedimentos a serem seguidos em situações específicas, as responsabilidades dos envolv= idos no processo, bem como os direitos das partes, visando a garantir um trâmite justo e adequado no âmbito judicial.
Por meio de= sua redação, busca-se regulamentar e esclarecer questões relevantes que surgem durante a aplicação do processo penal, assegurando a observância de princípios fundamentais do Direit= o. Ademais, estabeleceu-se a viabilidade da atuação do MP de for= ma supletiva no que diz respeito à apresentação do ANPP, especialmente nos casos em que houver inércia ou recusa sem justific= ativa válida por parte do querelante.
De acordo c= om o relator da questão, Ministro Joel Ilan Paciornik, foi afirmado que não é aceitável que interesses que são exclusivamente priv= ados impeçam a obtenção de soluções penais consensuais, que têm como objetivo a racionalização do sistema penal e a promoção da efetividade da justiça restaurativa. Essa declaração enfatiza a importância de= se buscar alternativas que possam beneficiar a Justiça de forma coletiv= a, e não apenas satisfazer demandas individuais.
De tal modo= , a análise cuidadosa e aprofundada da base legal que sustenta a decisão proferida é fundamental para garantir a compreensão dos fundamentos utilizados pelo juiz. É imprescindível destacar que a fundamentação jurídica não apenas serve para demonstrar a conformidade da decisão com as normas vigentes, porém, também reforça a transparência do processo decisório. Nesse contexto, cada aspecto da legislação pertinente deve ser apresentado de forma clara e precisa, evidenciando como os princípio= s e as normas foram aplicados.
É im= portante ressaltar que a jurisprudência, com entendimentos consolidados pelos tribunais ao longo do tempo, também pode ser um elemento essencial na construção dessa fundamentação, contribuindo pa= ra a credibilidade e a legitimidade da decisão proferida.
Além= disso, o respeito aos direitos fundamentais e às garantias constitucionais = deve ser levado em consideração, assegurando que a decisão esteja em harmonia com os valores democráticos. Assim, a fundamentação jurídica torna-se não apenas um requisito formal, entretanto, um elemento central que enriquece a qualidade= da Justiça.
Apesar de o= impulso inicial para essa ação partir da pessoa ofendida, é importante ressaltar que o exercício da jurisdição pen= al permanece como uma manifestação do poder do Estado (Albernaz, 2009). Essa dinâmica fornece uma base sólida para a intervenção do MP, cuja função é protege= r e manter o interesse da coletividade, assegurando que as questões que envolvem a esfera penal não sejam tratadas exclusivamente de forma privada, mas que considerem o bem maior da sociedade.
Tem-se aqui= que considerar o princípio da isonomia, em que a proibição= da aplicação do ANPP em processos que envolvem açõ= es privadas resultaria na criação de um tratamento desigual para indivíduos acusados em circunstâncias semelhantes, o que configuraria uma violação da Constituição (Avel= ar, Paciornik, Marinho, 2024).
Considerand= o que a valorização da Justiça Consensual é um tema mui= to relevante nos dias atuais, a decisão em questão fortalece a tendência atual de desjudicialização, que se refere à redução da intervenção do sistema judi= cial em conflitos, ao mesmo tempo que promove a busca por soluções alternativas no âmbito penal, ou seja, métodos que substituem = as abordagens tradicionais do processo penal.
Além= do mais, pode-se dizer que essa movimentação visa a criar um cenário onde acordos e entendimentos entre as partes se tornem mais prevalentes, favorecendo uma resolução mais eficaz e menos litigiosa dos conflitos. Embora a escolha tomada represente um progresso significativo no que diz respeito à promoção de alternativas consensuais na resolução de conflitos, ela levan= ta críticas importantes quando analisada sob a perspectiva da dogmática do processo penal.
De acordo c= om a explicação fornecida por Lopes Jr. (2020), a titularidade da ação penal se configura como um elemento essencial e fundamen= tal dentro do sistema acusatório, e essa característica não pode ser reduzida ou enfraquecida sob a justificativa de buscar uma maior eficiência nos procedimentos judiciais.
Nesse conte= xto, a atuação do MP de forma supletiva em ações que são de natureza privada pode, de maneira significativa, prejudicar a autonomia do querelante, ou seja, da parte que apresenta a queixa, e, ao me= smo tempo, pode também comprometer a observância do devido process= o legal, que é um princípio fundamental para a garantia da justi&ccedi= l;a e da correta tramitação dos processos.
Sendo assim= , com o exposto, entende-se que essa interferência do MP, embora possa vir a = ser bem-intencionada, acaba por levantar questões importantes sobre a preservação dos direitos das partes envolvidas e sobre a forma como os procedimentos legais devem ser conduzidos.
Badar&oacut= e; (2021) também faz uma importante advertência ao afirmar que o ANPP, por se tratar de uma proposta que implica em concessões significativas ao imputado, requer uma vigília minuciosa em relação aos limites de legitimidade da parte que a apresenta.=
Essa observação ressalta a necessidade de atenção cuidadosa às normas que regulam a oferta desse tipo de proposta. Des= sa forma, é possível afirmar que a autorização para que o MP substitua a intenção ou a vontade da pessoa ofendida pode vir a ser interpretada como uma forma de exagero na sua atuaç&a= tilde;o.
Ademais, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), ao abordar as atribuições institucionais do MP, conforme expresso em seu artigo 129, trata de aspectos fundamentais que garantem a atuação desse órgão na defesa dos interesses da sociedade e na promoção da justiça (Bras= il, 1988).
O art. 129 = da CRFB/1988 não concede ao profissional a responsabilidade ou a competência necessária para negociar ou tratar sobre os direit= os que pertencem a terceiros que estão disponíveis, o que pode s= er observado claramente na área da ação penal privada (Brasil, 1988).
Dessa forma= , mesmo que a resolução emitida pelo STJ esteja em consonância = com a busca pela eficiência na Justiça Penal, essa decisão provoca uma tensão em relação a garantias constitucion= ais que são consideradas tradicionais.
Essas garan= tias incluem, por exemplo, o princípio da legalidade estrita, que exige q= ue a aplicação da lei penal seja feita de maneira precisa e em conformidade com o que está estabelecido, e também a separação de funções no âmbito do processo penal, que diz respeito à distinção clara entre as diferentes atuações de órgãos e autoridades envolvidas.
A partir de= ssa determinação judicial, espera-se que os tribunais espalhados = por todo o território nacional comecem a aceitar a utilizaç&atild= e;o do ANPP em ações penais de natureza privada. Isso é especialmente relevante nos casos em que a conduta do querelante, ou seja, = da parte que move a ação, possa ser considerada em desacordo com= os princípios constitucionais que asseguram a duração razoável do processo judicial e a eficiência na prestação da Justiça. Essa nova postura tende a promov= er maior coerência e justiça nos trâmites legais.
Essa flexibilização que está sendo proposta exigirá,= de maneira substancial, que o MP adote uma postura de cautela ainda mais rigor= osa e atenta ao intervir em processos de natureza privada. Essa precaução é fundamental para garantir que não s= ejam violados os direitos da vítima ou da pessoa ofendida, principalmente= em casos que envolvem crimes de caráter pessoal ou afetivo, os quais de= mandam uma sensibilidade maior devido à sua natureza íntima e &agrav= e;s implicações emocionais que podem acarretar.
Portanto, entende-se que a recente deliberação do STJ, constante no REsp 2.083.823/DF, dá início a uma nova abordagem em relação à implementação do ANPP dentro do sistema jurídico do Brasil. Essa importante decisão expande as possibilidades de aplicação desse instrumento, abrangendo também as ações penais de natureza privada. Apesar de a proposta contar com fundamentos sólidos em valores como a isonomia e= a eficiência, ela traz consigo um desafio significativo.
Esse desafio consiste em encontrar um ponto de equilíbrio entre o interesse da coletividade na otimização e racionalização do sistema penal e o respeito irrestrito às garantias fundamentais, que são de suma importância, assim como à titularidade da ação penal, que é um aspecto essencial do processo jurídico.
Dessa forma, é fundamental que o reconhecimento da legitimidade supletiva do MP p= ara apresentar a proposta do ANPP nas ações que envolvem interess= es privados seja cuidadosamente considerado. Essa necessidade de cautela se de= ve ao fato de que, se não houver uma análise minuciosa, pode oco= rrer um esvaziamento das prerrogativas e direitos do ofendido. Além disso, essa situação poderia culminar em uma quebra significativa da estrutura do processo penal acusatório, que é essencial para a adequada condução e justiça das ações penais.
CONCLUS&A= tilde;O
O objetivo = deste artigo foi examinar a impossibilidade – ou, conforme a interpretação mais recente, a possibilidade excepcional ̵= 1; de o MP apresentar o ANPP no contexto da ação penal privada. Partiu-se da interpretação clássica de que, consideran= do a titularidade exclusiva do ofendido na ação penal privada, a atuação do MP se restringiria à sua funçã= ;o de custos legis, não competindo a ele a iniciativa de atos que disponham sobre o mérito da pretensão punitiva.
A fundamentação teórica demonstrou que a titularidade da ação constitui um elemento fundamental do sistema acusatório brasileiro, sendo vedado ao MP substituir a intenção do querelante sem uma previsão legal explícita. Nesse contexto, a corrente doutrinária predominante sustenta que a atuação do MP se limita à supervis&atil= de;o da regularidade do procedimento, sem a possibilidade de intervenção substancial na relação processual p= enal privada.
Entretanto,= a avaliação analítica da decisão emitida pelo STJ= no REsp 2.083.823/DF evidenciou uma nova interpretação dessa dinâmica. Ao reconhecer a atuação supletiva do Ministério Público na proposta do ANPP em situaç&otild= e;es de inércia ou recusa sem justificativa do querelante, o STJ expandiu= o alcance dos instrumentos de Justiça Consensual, ao mesmo tempo que buscou harmonizar o interesse público inerente à persecução penal com a autonomia privada, frequentemente atribuída ao ofendido.
A referida decisão, apesar de estar em conformidade com as diretrizes de eficiência e a duração razoável do processo penal moderno, suscita discussões significativas acerca dos limites da intervenção estatal em direitos disponíveis, assim com= o a preservação das garantias fundamentais do sistema acusatório.
Assim, cheg= a-se à conclusão de que a intervenção do MP na sugestão do ANPP em processos penais de natureza privada deve ser extremamente rara, limitando-se a casos em que a conduta do querelante comprometa valores constitucionais superiores, como a efetividade da Justiça, a dignidade da pessoa humana e a igualdade entre os acusado= s. Dessa forma, a solução consensual não pode ser imposta à revelia da vontade do ofendido, sem uma cuidadosa análise da legalidade e da legitimidade do ato.
Por fim, o = presente estudo ressalta, em conclusão, a imprescindibilidade de uma reflexão crítica constante acerca do equilíbrio entre a autonomia da parte ofendida e a intervenção estatal, sob o ri= sco de comprometer as garantias do devido processo legal e os direitos fundamen= tais que baseiam o Estado Democrático de Direito.
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|
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DOI: 10.70622/2236-8957.2025.672 |
Submissão em: 10/09/2025 |
Aprovação em: 17/10/2025 e 01/11/2025
Editor: Antonio Aurelio Abi Ramia
Duarte