MIME-Version: 1.0 Content-Type: multipart/related; boundary="----=_NextPart_01DC5363.52886350" Este documento é uma Página da Web de Arquivo Único, também conhecido como Arquivo Web. Se você estiver lendo essa mensagem, o seu navegador ou editor não oferece suporte ao Arquivo Web. Baixe um navegador que ofereça suporte ao Arquivo Web. ------=_NextPart_01DC5363.52886350 Content-Location: file:///C:/E68B5A41/15.10.25.Jusfilosofia,tecnologiaeprocesso.Campos.Pessoa.htm Content-Transfer-Encoding: quoted-printable Content-Type: text/html; charset="us-ascii"
JUSFILOSO=
FIA,
TECNOLOGIA E PROCESSO: PRINCÍPIOS PROCESSUAIS À LUZ DO USO DE
NOVAS TECNOLOGIAS NAS DECISÕES JUDICIAIS
Jusphilosophy<=
/span>, technology
and process: procedural principles in light of the use of new technologies =
in
judicial decisions
Lucas de Souza Lima Campos=
b>=
*
Juliana Alvim Müller Pessôa
Resumo: O
artigo objetiva compreender o estado de coisas no qual se inserem as novas
tecnologias, as suas influências nas tomadas de decisões e de =
que
modo, com os instrumentos jurídicos que possuímos, é
possível tornar o seu utilizar conforme os anseios de justiça=
e
de humanidade que idealizamos para a nossa sociedade. Servimo-nos, para tan=
to,
da principiologia processual, almejando torná-la paradigma a ser inafastavelmente
observado no instante de elaboração e de prolaçã=
;o
das decisões judiciais, assim como vetor a incutir nelas valores car=
os
à sociedade ocidental, consagrando os fins colimados pelo Direito na
manutenção da higidez social e da convivência
íntegra e pacífica entre os indivíduos.<=
/span>
Palavras-chave: jusfilosofia; tecnologia; processo; princípios; inteligência artificial
Abstract: The article aims to understand the state of affair=
s in
which new technologies are inserted, their influence on decision-making, and
how, with the legal instruments we have, it is possible to make their use
consistent with the ideals of justice and humanity that we envision for our
society. To this end, we use procedural principles, aiming to make them a
paradigm to be strictly observed when drafting and handing down judicial
decisions, as well as a vector to instill in them values that are dear to
Western society, enshrining the goals pursued by the law in maintaining soc=
ial
health and peaceful coexistence among individuals.
Keywords: jusphilosophy; technology; process; procedural principles; artificial inteligence.
INTRODUÇÃO
A
preocupação da filosofia é o tempo no qual ela se inse=
re:
constrói-se no todo, objetiva o tudo, mas concerne-se
à parte. A compreensão do todo é a
concreção da liberdade, e o seu simples anseio já
é, per se, a manifestação do espírito li=
vre
através do pensamento. O reino do pensamento é o reino da
liberdade[1]=
.
Ao seu idealizar não recaem amarras, nem se impõem limites[2]=
.
Não
obstante, a liberdade não é um mero sonhar sem propósi=
tos,
mas um desejar com fulcro de realização, motivo por que &eacu=
te;
perquirida e ansiada com vistas à efetivação no tempo =
em
que ambicionada. Não se trata de um devanear, mas de um querer since=
ro e
concreto. Por essa razão, o pensamento que a deseja trespassa eras,
alça a sonhos, mas concretiza-se no agora, fazendo de sua ideia o re=
al. Pensar,
portanto, é realizar a liberdade no tempo que nos cabe, e este tempo
é o agora. É conforme expressou Karl Jas=
pers
(1965, p. 138):
=
Seja o qu=
e a
filosofia for, está presente em nosso mundo e a ele necessariamente =
se
refere. Certo é que ela rompe os quadros do mundo para lançar=
-se
ao infinito. Mas retorna ao finito para aí encontrar seu fundamento
histórico sempre original. Certo é que tende aos horizontes m=
ais
remotos, a horizontes situados para além do mundo, a fim de ali
conseguir, no eterno, a experiência do presente. Contudo, nem mesmo a
mais profunda meditação terá sentido se não se
relacionar à existência do homem, aqui e agora.[3]=
Na toada do
tempo, assim, o passado é substrato de compreensão, o =
futuro,
de desejo, e somente o presente é de ação. Ao h=
omem
não é possível modificar o passado, cabe-lhe
entendê-lo e, a partir dele, compreender os acertos e os equív=
ocos
empreendidos na história, de sorte a guiar as suas condutas no prese=
nte.
Quanto ao futuro, cabe à humanidade desejá-lo, conduzindo o s=
eu
agir no presente de forma a construí-lo conforme os seus anseios e as
suas idealizações. Por isso, o único momento de
ação é o presente; a ele todos os tempos convergem.
Pensar o te=
mpo
presente sob a ótica jusfilosófica
é refletir, em grande medida, acerca das novas tecnologias que inund=
am o
universo jurídico e sobre as alterações que elas impri=
mem
na realização do justo em nossa realidade. No ambiente
jurídico, a realização da liberdade depende da
concretização da justiça, uma vez ser esta o fim
último do meditar jusfilosófico:
“Para que a Filosofia do Direito? ‘Para fazer o Direito mais
justo’ e as relações entre as pessoas mais humanas̶=
1;,
nos esclarece Arthur Kauffman (1971 apud Salgado, 1988, p. 13).
Fazer o Dir=
eito
mais justo é, em nossa realidade cotidiana, enfrentar as quest&otild=
e;es
que nos competem e os percalços que dela decorrem. Eis o objetivo de=
ste
artigo: compreender o estado de coisas no qual se inserem as novas tecnolog=
ias,
as suas influências nas tomadas de decisões e de que modo, com=
os
instrumentos jurídicos que possuímos, é possível
tornar o seu utilizar conforme os anseios de justiça e de humanidade=
que
idealizamos para a nossa sociedade[4]=
.
1 O JUDICIÁRIO BRASILEIRO E =
AS
TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS[5]
DE IA
Enorme &eac=
ute;
o contingente processual brasileiro, e cada vez maior é o recurso ao
Poder Judiciário para a resolução de querelas. De acor=
do
com o Conselho Nacional de Justiça, através do relatór=
io Justiça
em Números (2024), foram 35 milhões de novos processos no=
ano
de 2023, um aumento equivalente a 9,4% em relação ao ano
anterior, o que fez com que o país chegasse a um total de 83,8
milhões de processos em tramitação (CNJ, 2024a, p. 15)=
.
Com vistas
à celeridade processual, assim como à efetividade na tutela
jurisdicional, desde o ano de 2003[6]=
,
por meio do primeiro sistema de tramitação processual, o Poder
Judiciário tem se servido de tecnologias e de sistemas digitais, a f=
im
de encarar esse vultoso número de processos (CNJ, 2024a, p. 217)[7]=
.
Hoje j&aacu=
te;
se vislumbra o Programa Justiça 4.0, que, fundado nos
parâmetros de inovação e de efetividade, apresenta como
objetivo o acesso à justiça mediante “açõ=
es e
projetos desenvolvidos para o uso colaborativo de produtos que empregam nov=
as tecnologias
e inteligência artificial” (CNJ, 2024a, p. 218).
Sob a
égide desse Programa encontram-se diversas iniciativas, dentr=
e as
quais destacamos a Plataforma Codex, “que permite a cap=
tura
de peças processuais para aplicação de modelos de
Inteligência Artificial (IA)”, a Plataforma Sinapse, que
lida com o “armazenamento, treinamento supervisionado, controle de
versionamento, distribuição e auditoria dos modelos de IAR=
21;
(CNJ, 2024a, p. 219) e a Plataforma Digital do Poder Judiciário=
b>,
que tem como escopo modernizar o Processo Judicial Eletrônico e
“emprega conceitos inovadores, como a adoção
obrigatória de microsserviços, computação em nu=
vem,
modularização, experiência do usuário (User Experience – UX) e us=
o de
IA” (CNJ, 2024a, p. 226).
Inúm=
eros
são, como se observa, os projetos de digitalização do
sistema judiciário brasileiro, e cada vez mais incidentes serã=
;o
os usos de Inteligência Artificial nos âmbitos processuais. Se
dantes tais tecnologias eram utilizadas como meros aut=
omatizadores
de serviços repetitivos e simples auxiliares na disposiç&atil=
de;o
de informações e de conexão de dados, hoje as IAs se tornaram instrum=
ento de
enfoque do Poder Judiciário, e o seu próprio desenvolvimento
transformou-se em um dos objetivos primeiros[8]=
.
De acordo c=
om o
próprio Conselho Nacional de Justiça, através de Pe=
squisa
Uso de Inteligência Artificial no Poder Judiciário – 202=
3,
existiam 140 projetos de IA nos tribunais brasileiros, dentre os quais 63 (=
45%
do total) estavam em produção, com uma aplicação
prática da IA no cotidiano judiciário; 17 (12,1% do total)
estavam em estágio inicial; 46 (32,9% do total) estavam em andamento=
, e
11 (7,9% do total) já haviam sido finalizados. Apenas 3 projetos (2,=
1%
do total) ainda não tinham sido iniciados (CNJ, 2024b, p. 27).
As
razões que motivam o uso das Inteligências Artificiais no Poder
Judiciário são várias, entretanto chamam a
atenção dois dos benefícios destacados pelos Tribunais,
que são: 1) Suporte à decisão e eficiência
operacional, cuja benesse evidenciada é o “auxílio a
decisões e redução do tempo de tramitação
dos processos”; e 2) Apoio à tomada de decisão judic=
ial,
em que se enfatiza “o auxílio a magistrados em minutas de
decisão e julgamentos” (CNJ, 2024b, p. 37).
Tais motivos
para o uso de Inteligências Artificiais no Poder Judiciário
são relevantes, pois demonstram uma abertura dos tribunais à
possibilidade de se servirem dessas tecnologias para a redação
das próprias decisões judiciais. Isso pode ser observado,
inclusive, a partir da receptividade que vêm tendo os Modelos de
Linguagem de Grande Escala (LLMs), que sã=
;o:
=
Modelos d=
e IA
avançados que foram treinados, em grandes volumes de texto, para ger=
ar
respostas e textos coesos e contextualmente relevantes. Esses modelos t&eci=
rc;m
a capacidade de compreender e produzir linguagem humana de forma sofisticad=
a,
permitindo interações mais naturais e precisas com os
usuários. O objetivo de analisar esse ponto em específico
é entender o grau de aderência dos tribunais a um tipo de mode=
lo
que está tendo destaque recentemente, principalmente em volume de
produção científica (Fan, 2023 apud CNJ, 2024b,=
p.
41).
Segundo a
citada Pesquisa do CNJ, 52 tribunais brasileiros planejam usar
essa tecnologia no futuro, 13 tribunais já estão implementando
soluções de Inteligência Artificial que se servem de LLMs e 07 tribunais já se utilizam de
Inteligência Artificial dotadas de LLMs p=
ara
fins jurisdicionais, ou seja, “em tarefas relacionadas ao Direito, co=
mo
processar e julgar as ações judiciais” (CNJ, 2024b, p.
42-43).
Decorr&ecir=
c;ncia
direta desse estado de ânimos é a Resolução n&or=
dm;.
615, de 11 de março de 2025, do Conselho Nacional de Justiça,
editada, dentre outros motivos, considerando que “o uso da
inteligência artificial generativa em auxílio à
produção de decisões judiciais exige transparênc=
ia e
a necessária fiscalização, revisão e
intervenção humana da magistratura”. Acerca da tomada de
decisões judiciais por Inteligências Artificiais, evidenciam-s=
e,
entre outros, os seguintes artigos da Resolução:
Art. 1&de=
g;,
§ 3º, Resolução 615/2025. A transparência no uso de IA
será promovida por meio de indicadores claros e relatórios
públicos, que informem o uso dessas soluções de maneira
compreensível e em linguagem simples, garantindo que os jurisdiciona=
dos
tenham ciência do uso de IA, quando aplicável, sem que isso
prejudique a eficiência ou credibilidade dos processos e decisõ=
;es
judiciais.
Art. 8&or=
dm;,
Resolução 615/2025. Os produtos gerados pela
inteligência artificial para suporte às decisões judici=
ais
deverão preservar a igualdade, a não discriminaç&atild=
e;o
abusiva ou ilícita e a pluralidade, assegurando que os sistemas de IA
auxiliem no julgamento justo e contribuam para eliminar ou minimizar a
marginalização do ser humano e os erros de julgamento decorre=
ntes
de preconceitos.
Art. 19,
Resolução 615/2025. Os modelos de linguagem de larga
escala (LLMs), de pequena escala (SLMS) e outros
sistemas de inteligência artificial generativa (=
IAGen)
disponíveis na rede mundial de computadores poderão ser
utilizados pelos magistrados e pelos servidores do Poder Judiciário =
em
suas respectivas atividades como ferramentas de auxílio à
gestão ou de apoio à decisão, em obediência aos =
padrões
de segurança da informação e às normas desta
Resolução.
Art. 19,
§3º, II, Resolução 615/2025. O uso dessas
ferramentas será de caráter auxiliar e complementar, consisti=
ndo
em mecanismos de apoio à decisão, vedada a
utilização como instrumento autônomo de tomada de
decisões judiciais sem a devida orientação,
interpretação, verificação e revisão por
parte do magistrado, que permanecerá integralmente responsável
pelas decisões tomadas e pelas informações nelas conti=
das.
À vi=
sta
do exposto, existe uma nítida disrupção no paradigma
judicial brasileiro de tomada de decisões, as quais não
serão mais elaboradas tão somente a partir das expertises e d=
os
conhecimentos colhidos exclusivamente pelas mentes humanas, mas també=
;m
mediante o uso de sistemas tecnológicos de Inteligência
Artificial.
Diante dess=
as
alterações circunstanciais, as referidas tecnologias nã=
;o
mais se restringirão às tarefas auxiliares – como o
fornecimento de informações aos servidores e juízes co=
m o
fito de auxiliá-los na busca de arcabouços legais,
doutrinários ou jurisprudenciais para a fundamentação =
do decisum
–, mas alçarão à atuação protagoni=
sta,
incidindo diretamente na elaboração do conteúdo presen=
te
nas decisões judiciais, redigindo-as na integralidade.
Nesse
cenário, o papel do juízo humano se torna a mera
avaliação a posteriori do conteúdo desenvolvido
pelas Inteligências Artificiais, averiguando se a
fundamentação esposada pela máquina se adequa ou
não ao caso sob análise. Assim, o julgador natural, em que pe=
se
ainda ser o responsável pela decisão, abre alas para que o
artificial conduza o seu dizer.
Eis, com is=
so,
o aflorar de um novo paradigma; eis o advento de novos questionamentos; eis=
a
eclosão de novos riscos e de novos percalços. Sob um novo
paradigma, necessária se faz a reformulação dos nossos
instrumentos, de modo a fazê-los úteis aos nossos tão
antigos e constantes ideais de justiça e liberdade.
2
PRINCIPIOLOGIA PROCESSUAL À LUZ DAS NOVAS TECNOLOGIAS: PARADIGMA E
REFORMULAÇÃO
A
relação entre o ser humano e o artificial é perene e
indissociável na realidade histórica. Imerso em um estranho
universo no qual exerce a sua existência, e dotado de capacidade raci=
onal,
ao homem recai a inquietude de moldar o ambiente que o cerca conforme os se=
us
anseios, imprimindo sobre o mundo os seus valores, a sua forma[9]=
;
em suma, cultura[10]=
a>.
O
desenvolvimento tecnológico e os avanços científicos
permitem aos seres humanos gradativamente =
alçarem
voos maiores, e aquilo que antes parecia inatingível torna-se cada v=
ez
mais palpável e acessível. Assim o é com todas as
descobertas e não de outro modo foi com as máquinas, as quais,
desde o seu surgimento, permeiam o imaginário humano acerca de suas
possibilidades de utilização e de serviço à
humanidade. Oscar Wilde, no séc. XIX, ao encarar seres humanos exerc=
endo
trabalhos exaustivos e degradantes, já refletia sobre a possibilidad=
e da
substituição da força laboral humana pela artificial: =
=
Todo trab=
alho
não intelectual, todo trabalho monótono e desinteressante, to=
do
trabalho que lide com coisas perigosas e implique condições
desagradáveis, deve ser realizado por máquinas. Por nós
devem as máquinas trabalhar nas minas de carvão e executar to=
dos
os serviços sanitários, e ser o foguista das
embarcações a vapor, e limpar as ruas, e levar mensagens nos =
dias
chuvosos, e fazer tudo que seja maçante ou penoso. Atualmente, as
máquinas competem com o homem. Em condições adequadas,
servirão ao homem. Não resta dúvida de que esse
será o futuro das máquinas (Wilde, 2013, p. 43).
Inquestion&=
aacute;vel
é o desejo de cada um para que os riscos e as massividades laborais
sejam exercidos por máquinas, afastando dos seres humanos os perigos
demasiados e o vexame desnecessário. Tornar tecnologias instrumentos=
da
humanidade é a razão primeira pela qual as desenvolvemos, faz=
endo
delas objetos do nosso controle, guiadas por nossas decisões. No
entanto, o caminhar da história tem nos conduzido a uma realidade di=
versa,
em que, na verdade, não apenas o trabalho humano é dirigido p=
or
máquinas, mas também o seu viver.
Eis o
século XXI, instante em que decisões judiciais elaboradas por
Inteligência Artificial são uma realidade. Se antes compreendi=
a-se
uma utopia (ou distopia) idealizar sobre a possibilidade de uma máqu=
ina
não apenas decidir por um homem, mas decidir sobre um homem (sua vid=
a,
seus rumos, suas responsabilidades, seus direitos e seus deveres), hoje iss=
o é
um fato e tem sido implementado pelo Poder Judiciário.
Em um
cenário ideal, face a essas questões, caber-nos-ia indagar se
é isso mesmo que desejamos, se esse é o rumo que a humanidade
compreende como o melhor para o seu desenvolvimento e, sob a perspectiva jusfilosófica, se a tomada de decisões
judiciais por máquinas está de acordo com os ideais de
justiça que prezamos e que almejamos.
Entretanto,
diante da agilidade com que essas alterações nos fustigam,
imergindo em nossas vidas com uma rapidez impensável e com uma reali=
dade
inquestionável – e aparentemente inafastável –, um
outro questionamento se faz mais urgente: como devemos encarar essas altera=
ções
servindo-nos dos instrumentos jurídicos de que dispomos, de modo a
tornar essas decisões judiciais elaboradas por Inteligência
Artificial conforme os anseios de justiça e de humanidade que imagin=
amos
para a nossa sociedade? A resposta que encontramos, em um primeiro momento,
analisando o nosso arcabouço jurídico, é um apego &agr=
ave;
principiologia processual, que deverá se fazer presente no conduzir =
e no
avaliar de cada uma dessas decisões.
Tornar a
principiologia processual mais presente nas decisões e fazer dela um
paradigma a ser indissociavelmente observado é o caminho mais seguro
– dentro das possibilidades presentes, e se for possível falar=
em
segurança nessa temática tão temerária – =
para
que as Inteligências Artificiais conduzam o seu agir judicial concord=
e o
que razoavelmente se espera em decisões judiciais.
Os
princípios destacam-se nesse cenário pois o cumprimento
rígido das regras, do disposto nas leis, não significa
necessariamente o concretizar do justo. Summum<=
/span>
ius, summa iniuria<=
/i>
(Máximo Direito, máxima injustiça) é o alerta q=
ue
nos traz, desde a Antiguidade Clássica, o brocardo latino. Marco
Túlio Cícero, jusfilósofo romano do séc. I a.C.,
já afirmava:
=
Muitas ve=
zes se
é injusto agarrando-se muito à letra, interpretando a lei com=
tal
finura que ela se torna artificiosa. De onde o provérbio: Summum ius,=
summa
iniuria. Os próprios governos n&atil=
de;o
estão muito isentos dessas injustiças, tal como o general que,
tendo concluído com o inimigo uma trégua de trinta dias, dest=
ruiu
de noite seu acampamento, sob pretexto de que a trégua só era
para o dia e não para a noite. [...] Em qualquer circunstância,
evitemos empregar tais artifícios (Cicero, 2019).
O cumprimen=
to
do justo requer maleabilidade, e isso é algo complexo para instrumen=
tos
guiados por padrões algorítmicos. Inegável é a
capacidade de uma Inteligência Artificial de decorar todo o
arcabouço jurídico brasileiro, abarcando em sua memória
todas as leis, doutrinas e jurisprudências que lhe forem fornecidas.
Igualmente indiscutível é a sua aptidão para correlaci=
onar
esse conhecimento jurídico ao caso que está sendo analisado, =
de
sorte a ser capaz de aplicar naquela situação as regras que
aparentam convir: se em uma relação cível não
consumerista narra-se que houve abuso de personalidade jurídica, por
desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, a máquina
será capaz de adotar o art. 50 do Código Civil (2002), os
O julgamento
artificializado, portanto, conduz a uma mecanização da ativid=
ade
jurisdicional, a partir de uma aplicação cega e inflexí=
;vel
da lei. Há um retorno precário à Escola da Exegese:
“Tout la loi dans=
son esprit aussi
bien que dans as lettre... mais rien que l=
a loi” (Toda a lei no seu espírito, be=
m como
que na sua letra... mas nada além da lei)
(Aubry et Rau apud =
Reale,
2002, p. 403). Diz-se precário, inclusive, pois as decisões
emanadas pelas Inteligências Artificiais se dariam mediante uma
interpretação fria das regras jurídicas e uma
aplicação rígida dos conceitos legais, não por =
uma
compreensão refinada de que o Direito emanaria exclusivamente das le=
is,
apto por ser captado a partir das interpretações gramatical,
lógica e sistemática do texto legal, haja vista ser o Ordenam=
ento
Jurídico um todo bem articulado e coeso, sem lacunas, como compreend=
ia a
Escola da Exegese, mas sim pela incapacidade da máquina de empreender
qualquer valoração do humano ou de compreender as nuances
intrínsecas a um viver que se adequa à concretude dos fatos e=
das
situações.
Tratar-se-i=
a,
portanto, de um julgar sem qualquer idealização do que seja
justo. Cumprir o Direito sem almejar a justiça é abrir margem
para o injusto. A justiça se harmoniza às circunstâncias
concretas, aos anseios conjunturais, razão por que necessário=
se
faz a principiologia para que os julgamentos artificiais adquiram um
caráter humano e, por conseguinte, adeque-se aos direitos bás=
icos
intrínsecos a todos os indivíduos.
Os
princípios foram – e são – uma resposta ao
positivismo estrito, a um interpretar jurídico desapegado da
idealização do justo. Afloram no seio das teorias
constitucionalistas, as quais apresentam três aspectos centrais:
=
Em primei=
ro
lugar, essas teorias consideram central a dimensão da
correção "moral" do direito e afirmam que esta
não pode ser reduzida ao direito válido, como na perspectiva
positivista, apenas em termos formais. A defesa da conexão entre dir=
eito
e moral baseia-se no processo de inclusão de conteúdos morais=
no
direito, expressos nos princípios e nos direitos invioláveis =
dos
indivíduos. A presença dos princípios se traduz na
abertura do direito aos conteúdos morais e, paralelamente, determina=
o
desenvolvimento de novas formas de decisões judiciais
(ponderação de princípios, bal=
ancing).
Em segundo lugar, e com base nessas novas formas decisórias, ressalt=
a-se
a importância dos processos de aplicação do direito, em
particular dos judiciários, para sua determinação no
interior dos sistemas constitucionais. Em terceiro lugar, em
relação direta com o segundo aspecto, evidencia-se a
vinculação, no âmbito da estrutura
político-constitucional, do legislador aos princípios e aos
direitos constitucionais, bem como o papel decisivo dos juízes para =
sua
execução, mesmo em contraste com as decisões legislati=
vas
e com a lei (Faralli, 2022, p. 12).
Ressurgem,
assim, em um contexto pós-guerra, como resposta à
dissociação estanque entre o Direito e a Moral, cuja
aplicação irrefletida da lei levou à negaç&atil=
de;o
completa da natureza humana em seus direitos mais basilares, motivo por que
servem, igualmente, em nossa realidade, para evitar que uma nova
disrupção – agora, capitaneada pelas IAs
– conduza a violações dos Direitos Fundamentais. Em cer=
ta
medida, é isto que percebe o próprio Conselho Nacional de
Justiça, de forma que, ao editar a Resolução 615/2025,=
a
inicia elencando um extenso rol principiológico:
=
Art. 3&or=
dm; O
desenvolvimento, a governança, a auditoria, o monitoramento e o uso
responsável de soluções de IA pelos tribunais têm
como princípios:
I –=
a
justiça, a equidade, a inclusão e a não discrimina&cce=
dil;ão
abusiva ou ilícita;
II –=
; a
transparência, a eficiência, a explicabilidade, a contestabilid=
ade,
a auditabilidade e a confiabilidade das soluções que adotam
técnicas de inteligência artificial;
III ̵=
1; a
segurança jurídica e a segurança da
informação;
IV –=
; a busca =
da
eficiência e qualidade na entrega da prestação
jurisdicional pelo Poder Judiciário, garantindo sempre a
observância dos direitos fundamentais;
V –=
o devido
processo legal, a ampla defesa e o contraditório, a identidade
física do juiz e a razoável duração do processo,
com observância das prerrogativas e dos direitos dos atores do sistem=
a de
Justiça;
VI –=
; a
prevenção, a precaução e o controle quanto a
medidas eficazes para a mitigação de riscos derivados do uso
intencional ou não intencional de soluções que adotam
técnicas de inteligência artificial;
VII ̵=
1; a
supervisão humana efetiva, periódica e adequada no ciclo de v=
ida
da inteligência artificial, considerando o grau de risco envolvido, c=
om
possibilidade de ajuste dessa supervisão conforme o nível de
automação e impacto da solução utilizada; e
VIII R=
11; a oferta,
pelos tribunais e suas escolas, de capacitação contínua
para magistrados e servidores sobre riscos da automação, vies=
es
algorítmicos e análise crítica dos resultados gerados =
por
IA (CNJ, 2025).
A
observância, portanto, desses princípios, tornando-os paradigm=
as
decisórios, é o primeiro passo para evitar quaisquer desvarios
discriminatórios ou autoritários pelas decisões judici=
ais
artificializadas. No entanto, não nos basta aplicá-los como o=
s aplicávamos,
isto é, dando a mesma conotação e
interpretação que exercíamos no cenário conduzi=
do
exclusivamente pelo juízo humano. É preciso uma
reformulação.
Os referidos
princípios, em que pese importantes, se compreendidos à manei=
ra
como os entendíamos quando as decisões judiciais eram redigid=
as
por um ser humano, podem ser aplicados de forma não apenas deficient=
e, mas
também danosa ao devido processo legal e à plena
consagração da justiça.
O art. 3&or=
dm;,
inciso II, da Resolução 615/2025 do CNJ prevê expressam=
ente
um princípio a ser observado nas decisões judiciais redigidas=
por
IA a transparência. Sob a ótica corrente, a transparência
das decisões judiciais são um íntimo corolário =
do
princípio da publicidade (art. 5º, LX, CF; arts.
8º, 11 e 194 do CPC) e do princípio da fundamentaç&atild=
e;o
das decisões (art. 93, IX, CF; art. 11 do CPC), cujas exigênci=
as
primordiais são o explicitar dos atos judiciais, em especial à=
;s
partes processuais e aos seus advogados, tornando possível o acesso =
desses
agentes ao conteúdo nos atos versados, além da
compreensão, pelos jurisdicionados, das razões que
alicerçaram a decisão do julgador. Em síntese, cumpre-=
se
com a existência de uma motivação material, completa,
congruente e coerente da decisão (Theodoro Júnior, 2024, p. 1=
11),
passível de ser acessada pelos atores do processo e por eles
anuída ou rebatida.
Entretanto,
ante um cenário em que as decisões passarão a ser
redigidas pelas máquinas, mesmo que sob a supervisão de um
julgador humano, os critérios apontados passam a não ser sufi=
cientes.
Para a plena consagração da transparência processual, em
que pese o art. 19, §6º, da Resolução 615/2025
servir-se da expressão “poderá”[11],
imprescindível é que as decisões judiciais artificiais
prevejam expressamente que se serviram de aparato de Inteligência
Artificial para a sua redação, qual foi a Inteligência
utilizada e quais fontes foram fornecidas pela máquina para o
embasamento da decisão judicial.
Essa presen=
ça
explícita da tecnologia utilizada (quando utilizada) e dos meios
fornecidos por ela para a fundamentação do decisum
é imprescindível, pois alcança, para além da
transparência, outros dois princípios privilegiados pela
Resolução e de altíssima importância para a real=
ização
do justo, que são a ampla defesa e o contraditório (art. 3&or=
dm;,
inciso V, da Resolução 615/2025).
A hí=
gida
manifestação da ampla defesa, e em especial do
contraditório, tanto o mais em sua modalidade substancial, somente
é possível se as partes tiverem acesso a todos os instrumento=
s de
que se serviu o juiz na formação de sua decisão. Assim=
, se
a decisão foi redigida por uma Inteligência Artificial, o
conhecimento desse fato e de quais foram as fontes que nortearam a
redação do decisum são de
explicitação inafastável. Leciona Leonardo Greco que
“ninguém pode ser atingido por uma decisão judicial na =
sua
esfera de interesses sem ter tido ampla possibilidade de influir eficazment=
e na
sua formação” (2008, p. 23), e essa influência
íntegra se manifesta não apenas no acesso à
informação e na possibilidade de reação, mas
também, e principalmente, na real possibilidade de formar o
convencimento do juízo (Neves, 2021, p. 79), o que depende do
conhecimento pela parte de que a decisão será (ou foi) prolat=
ada
servindo-se de Inteligência Artificial.
Para
além da transparência, destaca-se o princípio da n&atil=
de;o
discriminação abusiva ou ilícita (art. 3º, inciso=
I,
da Resolução 615/2025), cujo objetivo primeiro é a
vedação a qualquer tratamento odioso ou prejudicial direciona=
do
às pessoas, em especial minorias e grupos sociais historicamente
perseguidos por razões decorrentes de sua própria
existência humana (como religião, etnia, situação
econômica, orientação sexual, etc.), e que possa gerar =
um
incremento nas desigualdades e nas vulnerabilidades jurídicas[12].
Em um
cenário em que as decisões judiciais sejam redigidas por
Inteligência Artificial, o modo de encarar esse princípio deve=
ser
igualmente alterado, uma vez que os riscos causados pelos sistemas
automatizados são exponencialmente maiores do que aqueles gerados pe=
los
juízes humanos. A existência de um julgador humano dotado de
vieses discriminatórios, apesar de extremamente maléfico, &ea=
cute;
conduta capaz de ser individualizada e, por conseguinte, restringida e
reformada com uma maior facilidade, evitando a propagação de =
tais
danos. Em contrapartida, a existência de uma Inteligência
Artificial cujo aprendizado se deu com base em inclinações
discriminatórias e que redigirá ou fundamentará
decisões de todo um tribunal, com a prerrogativa da crença de
possuir uma falibilidade menor do que a mente humana, torna exponencialmente
mais difícil a captação do problema e,
quiçá, impossível a restauração completa=
de
todos os danos gerados.
Existem
diversos padrões históricos de discriminação no
sistema judiciário, os quais devem ser ativamente evitados e jamais
replicados, razão pela qual se faz necessário nesse contexto =
de
decisões judiciais artificializadas o uso de modelos supervisionados=
de
aprendizagem de máquina (Vale, 2020), de forma que se torne
possível a identificação dos padrões utilizados
pela Inteligência Artificial para se chegar às
soluções por ela proposta, permitindo uma maior
restrição de atitudes discriminatórias e uma
razoável contenção dos danos. Não por outra
razão a Carta Europeia de Ética sobre o Uso da
Inteligência Artificial em Sistemas Judiciais e seu ambiente, =
adotada
pela CEPEJ na sua 31ª reunião plenária, ocorrida em 03 e=
04
de dezembro de 2018, na cidade de Estrasburgo, ao versar sobre o citado
princípio, assim se manifestou:
=
Princ&iac=
ute;pio
da não discriminação: prevenir especificamente o
desenvolvimento ou a intensificação de qualquer
discriminação entre indivíduos ou grupos de
indivíduos: Dada a capacidade destes métodos de tratamento pa=
ra
revelar a discriminação existente, através do agrupame=
nto
ou da classificação de dados relativos a indivíduos ou
grupos de indivíduos, os intervenientes públicos e privados d=
evem
garantir que os métodos não reproduzem ou agravam essa
discriminação e que não conduzem a análises ou =
utilizações
determinísticas. Deve ser dada especial atenção tanto =
na
fase de desenvolvimento como na de implantação, especialmente
quando o tratamento se baseia, directa ou
indiretamente, em dados "sensíveis". Tal poderá inc=
luir
alegada origem racial ou étnica, antecedentes socioeconómicos,
opiniões políticas, convicções religiosas ou
filosóficas, filiação sindical, dados genéticos,
dados biométricos, dados relativos à saúde ou dados
relativos à vida sexual ou à orientação sexual.
Quando essa discriminação tiver sido identificada, devem ser
consideradas medidas corretivas para limitar ou, se possível,
neutralizar esses riscos, bem como a sensibilização das partes
interessadas. No entanto, a utilização da aprendizagem
automática e de análises científicas multidisciplinares
para combater esta discriminação deve ser incentivada (CEPEJ,
2018, cap. 2).
Por fim,
desejamos dar enfoque ao princípio da equidade (art. 3º, I, da =
Res.
615/2025) e a sua real possibilidade de emprego pelas Inteligências
Artificiais. De acordo com Aristóteles (2017), a equidade, em sua
conformação primeira, é a função
retificadora da justiça legal, de modo que atua na concretude dos fa=
tos
adaptando os princípios universais da legalidade às
circunstancialidades do caso concreto. Em suas palavras:
A
justiça e a equidade são, pois, o mesmo. E, embora ambas sejam
qualidades sérias, a equidade é a mais poderosa. O que p&otil=
de;e
aqui problemas é o fato de a equidade ser justa, não de acordo
com a lei, mas na medida em que tem uma função retificadora da
justiça legal. O fundamento para tal função retificado=
ra
resulta de, embora toda lei seja universal, haver, contudo, caos a respeito=
dos
quais não é possível enunciar de modo correto um
princípio universal. Ora, nos casos em que é necessário
enunciar um princípio universal, mas aos quais não é
possível aplicá-lo na sua totalidade de modo correto, a lei t=
em
em consideração apenas o que se passa o mais das vezes, n&ati=
lde;o
ignorando, por isso, a margem para o erro mas não deixando, contudo,=
por
outro lado, de atuar menos corretamente. O erro não reside na lei ne=
m no
legislador, mas na natureza da coisa: isso é simplesmente a
matéria do que está exposto às ações
humanas. Quando a lei enuncia um princípio universal e se verifica
resultarem casos que vão contra essa universalidade, nessa altura
está certo que se retifique o defeito, isto é, que se retifiq=
ue o
que o legislador deixou escapar e a respeito do que, por se pronunciar de um
modo absoluto, terá errado. É isso o que o próprio
legislador determinaria, se presenciasse o caso ou viesse a tomar conhecime=
nto
da situação, retificando, assim, a lei, a partir das
situações concretas que de cada vez se constituem. Daqui resu=
lta
que a equidade é justa, e até, em certo sentido, trata-se de =
uma
qualidade melhor do que aquela forma de justiça que é absolut=
a. A
natureza da equidade é, então, ser retificadora do defeito da
lei, defeito que resulta da sua característica universal. Por este
motivo, nem tudo está submetido a legislação, porque
é impossível legislar em algumas situações, a p=
onto
de ser necessário recorrer a decretos. A regra do que é
indefinido é também ela própria indefinida, tal como
acontece com a régua de chumbo utilizada pelos construtores de Lesbo=
s.
Do mesmo modo que esta régua se altera consoante a forma de pedra e
não permanece a mesma, assim também o decreto terá de =
se
adequar às mais diversas circunstâncias. Assim, é, pois,
evidente que a equidade é justa e, de fato, até é supe=
rior
a uma certa forma de justiça (Aristóteles, 2017).
Requer-se, =
por
isso, para que haja a concreção da equidade, a aptidão
para se adequar a universalidade da regra jurídica à
circunstancialidade fática de modo a consagrar a justiça. E, =
para
isso, é necessário um ímpeto por realizar essa pr&oacu=
te;pria
justiça, isto é, por ser justo. É esta, inclusive, a
definição clássica de justiça, qual seja,
“aquela disposição do caráter a partir do qual os
homens agem justamente, ou seja, é o fundamento das açõ=
;es
justas e o que os faz ansiar pelo o que é justo” (Aristó=
;teles,
2017)[13]<=
/span>.
Sucede-se, =
no
entanto, que a Inteligência Artificial é dotada de um
raciocínio lógico guiado por algoritmos, os quais são
aptos a conectar conteúdos normativos às circunstâncias
fáticas, mas não de conformar um anseio pela
realização da justiça na concretude. Ou seja, nã=
;o
é capaz de desejar justiça e, por isso, em última
instância, não é apta a consagrar a equidade.
Mais do que=
a
mera adaptação mecânica da lei aos fatos, é
necessário o desejo de fazer desta adaptação um meio de
consagração do justo, sendo preciso, portanto, almejar
justiça. Uma vez que a justiça é uma virtude e as virt=
udes
são atributos humanos, estas não podem ser buscadas
intencionalmente pelas máquinas, de modo que a sua
consagração ocorrerá apenas por acaso. A equidade exige
muito mais do que a aplicação do direito, requer o desejo pelo
justo, e este é inalcançável às Inteligên=
cias
Artificiais.
Por essa razão, a atuação jurídica de uma figura humana = nas decisões prolatadas por Inteligência Artificial jamais poderá ser descartada, uma vez que é através do juiz humano e da correção e adaptação do decisum<= /i> não apenas à circunstancialidade fáti= ca, mas também aos caracteres humanos que permeiam o caso, que se tornará possível a concretização da equidade. <= o:p>
CONSIDERA&C=
cedil;ÕES
FINAIS
No
ímpeto de alterar a realidade, e torná-la justa, cabe-nos
conhecê-la. O Direito visa à conservação social a
partir da escolha, proteção e consagração dos
valores éticos e culturais de cumeada[14]
de uma determinada sociedade. Para tanto, não lhe cabe tornar-se uma
especialidade árida e hermética, alheia aos outros ramos do
conhecimento e desconexa dos avanços históricos. A
realização jurídica se dá na história,
não lhe sendo lícito, por isso, dela ilusoriamente tentar se
desvencilhar, tampouco fechar os olhos às eventuais mudanças =
que
o tempo nela imprime. A plenitude de uma especialidade depende das
ciências a ela afetas e complementares:
=
Pode-se e=
studar
uma peça de relojoaria sem considerar as suas peças vizinhas?
Pode-se estudar um órgão sem preocupar-se com o corpo?
Também não se pode avançar em física ou em
química sem as matemáticas, em astronomia sem mecânica e
sem geologia, em moral sem psicologia, em psicologia sem as ciências
naturais, em nada sem a história. Tudo se relaciona; as luzes
intercruzam-se, e um tratado inteligente de cada uma das ciências faz
mais ou menos alusões a todas as outras (Sertil=
langes,
2019, p. 100).
À vi=
sta
disso, para a íntegra efetivação deste objetivo de hig=
idez
social, através da convivência digna e pacífica dos mem=
bros
de uma comunidade, é necessário vislumbrar essa realidade tal
qual ela é, reconhecendo os seus percalços, apreendendo as su=
as
características e observando as modificações que nela =
atuam.
Considerar a
sociedade hoje, inclusive sob o olhar jurídico – e, mais
precisamente, jusfilosófico – &eac=
ute;
fazer-se atento às influências e às
modificações infundidas pelas novas tecnologias de
Inteligência Artificial. O universo jurídico é abarcado=
por
essas alterações disruptivas e, por conseguinte, não p=
ode
a elas ignorar. A inserção de ferramentas de Inteligênc=
ia
Artificial como instrumento para a elaboração de decisõ=
;es
judiciais – tão desejado pelos Tribunais – é uma
realidade que já nos confronta e, face a isso, cabe-nos manter sempr=
e em
mente o cuidado de fazer o Direito, em última instância, mais
justo.
O referido cuidado perfilha-se na
vigilância da elaboração e da aplicação d=
os
algoritmos no processo de tomada de decisões, cuja
concretização se dará, no cenário em que nos
inserimos e a partir das ferramentas de que dispomos, através de uma
aplicação dos princípios processuais enquanto paradigm=
as a
incutir valores nos referidos decisum, guiando-os à
consagração dos ideais de liberdade e de justiça
tão almejados.
A
Resolução 615/2025 do Conselho Nacional de Justiça
aparenta compreender essa importância, o que transparece na
definição de extenso rol principiológico a ser observa=
do
no cenário de decisões judiciais elaboradas por
Inteligência Artificial. No entanto, falha a Resolução =
em
um significante aspecto: é preciso que esses princípios sejam
interpretados à luz desta nova realidade, e, por conseguinte,
reformulados de modo a evitar quaisquer desvarios algorítmicos ou
injustiças por inaptidão ou insuficiência, e isso, conf=
orme
exposto no texto, em muitos momentos passa desapercebido.
Diante diss=
o,
este artigo almejou oferecer um contributo, mesmo que singelo, à
discussão do tema, alertando para os riscos presentes na
aplicação das Inteligências Artificiais na tomada de
decisões, ofertando os princípios processuais como paradigmas=
a
incidir valores nos julgamentos instrumentalizados pelas novas tecnologias e
demonstrando a necessária reformulação desses princ&ia=
cute;pios,
para que sejam aptos a consagrar os ideais de justiça e de liberdade,
tão intrínsecos e caros à sociedade ocidental, de modo=
a
tornar as máquinas instrumentos dos seres humanos, e não meios
para a instrumentalização da vida humana, alijando-a dos dire=
itos
e do reconhecimento que lhe são devidos.
<=
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* Doutorando e Mestre em Direito
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-graduado em
Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
**Pós-graduanda em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
[1] Fim em si mesma, eis a
vocação da filosofia, eis a razão de sua liberdade.
Aristóteles, em sua Metafísica, já nos esclarec=
ia:
“[...] se os homens filosofaram para libertar-se da ignorância,
é evidente que buscavam o conhecimento unicamente em vista do saber e
não por alguma utilidade prática. E o modo como as coisas se
desenvolveram o demonstra: quando já se possuía tudo o de que=
se
necessitava para a vida e também para o conforto e para o bem-estar,
então se começou a buscar essa forma de conhecimento. É
evidente, portanto, que não a buscamos por nenhuma vantagem que lhe =
seja
estranha; e, mais ainda, é evidente que, como chamamos livre o homem=
que
é fim para si mesmo e não está submetido a outros, ass=
im
só esta ciência, dentre todas as outras é chamada livre,
pois só ela é fim para si mesma” (Aristóteles, 2=
002).
[2] É importante desta=
car,
contudo, que a liberdade inexaurível do pensar ocorre quando este pe=
nsa
a si mesmo, uma vez que quando pensa o mundo exterior é limitado pela
linguagem. É o que nos expõe Joaquim Carlos Salgado (2022, p.=
46):
“O ser é dependente do pensar; a ontologia, da metafísi=
ca.
O lógos dá razão do ser. O ser é a
ex-posição do lógos. A Lógica não
expõe a estrutura interna do pensar, é externa, está
ligada à linguagem. A linguagem é a cela do pensar. O pensar,
porém, quando pensa a si mesmo, não pode ser levado pela torr=
ente
da linguagem, mas nela navega se pensa a realidade exterior”.
[3] Na mesma direç&ati=
lde;o,
apresenta-se Joaquim Carlos Salgado (1988, p. 15), segundo o qual: “A
Filosofia tem, destarte, um compromisso com o seu tempo, com sua realidade
histórica, com a cultura. Hic Rhodus, hic saltus, é a
advertência simbólica com que Hegel, no célebre
prefácio à sua Filosofia do Direito, quis mostrar a
necessidade de a Filosofia situar-se no seu tempo, na história, sem
deixar de ser um saber absoluto, ou um saber do saber. A Filosofia nã=
;o
pode desprezar a sua vocação para o absoluto, mas també=
;m
não pode desprender-se da realidade histórica de que
emerge”.
[4] Este é o primeiro =
artigo
de uma linha de estudos que almejamos empreender acerca da temática =
da
tecnologia aplicada ao cenário jurídico e de sua leitura a pa=
rtir
da ótica jusfilosófica. Neste presente artigo não
pretendemos confrontar a questão sob a égide da justiç=
a no
sentido de avaliar se o uso ou não de Inteligências Artificiais
nas tomadas de decisões judiciais são conforme o referido ide=
al
(ou virtude) – abordagem que traremos em estudo seguinte, cujo
título será Jusfilosofia, Tecnologia e Justiça =
–,
mas partimos do reconhecimento de que tais tecnologias vêm sendo util=
izadas
pelo Poder Judiciário e de que modo podemos contribuir, a partir dos
instrumentos processuais e jurídicos de que dispomos, de sorte a gui=
ar
seu uso concorde o ideal de justiça e o desejo de
consagração de um efetivo Estado Democrático de
Direito.
[5] O conceituar disruptivo
está intimamente relacionado às noções de
transformação, inovação e, quiçá,
revolução. Representa a quebra com algum parâmetro
pregresso, apresentando inovações tamanhas que levam à
substituição deste pelo novo. Tecnologias disruptivas, neste
cenário, são todas aquelas que, criando uma nova base de cons=
umo
ou de usuários, alteram permanentemente o cenário em que se
inserem, seja substituindo os instrumentos em uso anteriores, seja rompendo=
com
as práticas usualmente empreendidas. Nessa direção,
entendem Diego de Castilho Suckow Magalhães e Ana Lúcia Vieira
que “tecnologia disruptiva, ou inovação disruptiva,
é um termo que descreve a inovação tecnológica,=
produto
ou serviço, com características ‘disruptivas’ que
provocam uma ruptura com os padrões, modelos ou tecnologias já
estabelecidas no mercado” (2020, p. 39).
[6] Cláudia Toledo e D=
aniel
Pessoa trazem como marco inicial momento ainda anterior ao início do
século XXI, remetendo ao final da década de 60 do sécu=
lo
passado o alvorecer da informatização do Poder Judiciá=
rio.
Exibem os autores: “A informatização do Poder
Judiciário iniciou-se nos anos 50 nos EUA e em alguns países =
da
Europa, e no final dos anos 60, no Brasil. Já o uso de IA no
Judiciário brasileiro para auxiliar na decisão judicial tem
antecedentes históricos nos anos 70 do século passado. Em 197=
1,
existe registro do uso direto de computador para resgatar textos
decisórios sobre questões de acidentes de trabalho e de probl=
emas
de saúde ocupacional (chamado de ‘sistema PRAT – Process=
o de
Acidentes do Trabalho)’, ainda que restrito à tarefa auxiliar =
ou
de suporte à decisão, comparada ao serviço de um
‘secretário ao qual o juiz ditasse a sua
decisão’” (Toledo, Pessoa, 2023, p. 4-5).
[7] Após este sistema
diversas foram as implementações, como, por exemplo, em 2006,=
a da
Lei 11.419/06, que permitiu “o uso de meio eletrônico na
tramitação de processos judiciais, comunicação =
de
atos e transmissão de peças processuais”, e, em 2009, o
Processo Judicial Eletrônico (PJe) (CNJ, 2024, p. 217).
[8]=
É o que se colhe, =
por
exemplo, a partir da citada Plataforma Codex, em que, segundo o próprio CNJ, “em abril=
de
2024 já existiam 237,8 milhões de processos armazenado=
s,
incluídos processos baixados ou em tramitação” (=
CNJ,
2024, p. 227) cuja finalidade das informações, dentre outras,
é a criação de modelos de IA. Para além, o art.
1º, §5º, da Resolução 615/2025 do CNJ
dispõe sobre a possibilidade deste “criar mecanismos de incent=
ivo,
tais como reconhecimento público, premiações ou
priorização de recursos e investimento em inovaç&atild=
e;o,
para tribunais que, dentre outros critérios previstos em regulamento,
adotem práticas colaborativas/cooperativas no desenvolvimento de
soluções de IA”.
[9]=
Observa-se, assim, um
notável caractere diferenciador do ser humano para os demais animais=
: a
sua relação com as coisas. Exibe Ives Gandra da Silva Martins
(2023, p. 5) que “por ter consciência, o homem se relaciona com=
as
coisas não de forma instintiva. Elas têm o valor de necessidad=
e e
de desejo. Valem de acordo com o subjetivismo que o homem lhes atribui ou
porque são, realmente, necessárias para sua existência.=
A
relação do homem com as coisas difere das relaçõ=
;es
dos animais com elas. O instinto de necessidade dos animais é diverso
daquele do ser humano, que tem consciência do que lhe é
necessário ou desejável”.
[10] A realidade do homem, para
além da natural, por ele herdada, é cultural, por ele
desenvolvida; e desta construção ele não é capa=
z de
se desvencilhar. Dotado de um espírito livre, guiado pela razã=
;o e
pelo desejo, o homem atravessa a história construindo a si e à
sua morada, empreendendo no mundo os seus anseios e as suas
idealizações e, por conseguinte, fazendo da aridez viç=
osa,
do bruto o lapidar, da natureza cultura. Sobre isso, nos elucida Karine Sal=
gado
(2011, p. 13) que: “O homem, enquanto ser racional, é
partícipe de uma esfera que transcende o mundo natural,
construída por ele mesmo, segundo sua vontade, segundo seus
juízos. A mente humana não se conforma com o mero conhecer,
precisa transformar, estabelecer sua própria obra. Nem mesmo a natur=
eza
humana, cujo conhecimento ainda é um desafio para o homem, passa
despercebida ao seu crivo. Assim, o homem se julga, estabelece o que deve s=
er,
transforma-se, negando-se como pura natureza pela atribuição =
de
um valor que lhe é peculiar, que o diferencia da natureza e permite =
este
voo pelo vazio, pelo não natural no qual brota a obra sua, a
cultura”.
[11] O art. 19, §6º = da Resolução 615/2025 do CNJ, reitera-se, apresenta a seguinte redação: “Quando houver emprego de IA generativa para auxílio à redação de ato judicial, tal situação poderá ser mencionada no corpo da decisão, a critério do magistrado, sendo, poré= m, devido o registro automático no sistema interno do tribunal, para fi= ns de produção de estatísticas, monitoramento e eventual auditoria”. A nosso ver, a discricionariedade concedida ao magistrado para dirimir se menciona ou não o uso de Inteligência Artifici= al nas decisões viola o princípio da transparência e, mediatamente, macula os princípios da publicidade e da fundamenta&cc= edil;ão das decisões, uma vez que restringe o acesso, pelas partes, a releva= ntes elementos constitutivos do convencimento do juízo. Conforme destaca Humberto Theodoro Júnior (2024, p. 109), “[...] sem a motivação adequada, não se poderá aferir se a sentença apreciou, realmente, as razões e defesas produzidas pelas partes, nem se permitirá o necessário controle do comportamento do julgador pelos interessados mediante mecanismos do duplo g= rau de jurisdição [...]”. A efetiva impugnaçã= o da decisão somente se faz possível mediante a possibilidade de questionamento, dentre outros, das associações feitas pela máquina que levaram à fundamentação exposta, acompanhada da posterior admissibilidade de auditoria do processo decisório pelo usuário externo. Por isso, ter ciência s= e a sentença prolatada foi ou não redigida por Inteligência Artificial e se as fontes que fundamentaram a decisão foram por esta colhidas é imprescindível para a compreensão das razões de julgar, assim como o controle do comportamento do julgador pelos interessados.
[12] Corrobora ao art. 3º,
inciso I da Resolução 615/2025, o art. 10 do mesmo ato normat=
ivo,
o qual “[...] estabelece vedações absolutas ao uso de
determinadas aplicações de IA no Poder Judiciário,
proibindo sistemas que impossibilitem a revisão humana, que valorem
características pessoais para prever crimes ou comportamentos futuro=
s,
que classifiquem pessoas com base em seu comportamento para avaliar
plausibilidade de direitos e que utilizem padrões biométricos
para reconhecimento de emoções” (Gabriel; Porto;
Araújo, 2025, p. 5). Destacam Anderson de Paiva Gabriel, Fabio Ribei=
ro
Porto e Valter Shuenquener de Araújo (2025, p. 5) que “[...] e=
ssas
vedações representam salvaguardas essenciais contra potenciais
abusos da tecnologia que poderiam ameaçar direitos fundamentais, a
independência dos magistrados ou a segurança da
informação, demonstrando uma abordagem focada na
precaução dos riscos mais graves associados à IA”=
;.
[13]=
span> Cícero, nessa mesma
direção, irá definir a justiça como “uma
disposição de ânimo que, conservada a utilidade comum,
atribui a cada um a sua dignidade” (Ilunga, 2009, p. 159).
[14]=
span> Nesse sentido, o Direito
é interpretado como “o maximum ético de uma cult=
ura,
tanto no plano da extensão (universal nesse caso significa de todos e
reconhecido por todos), como também ‘no plano axiológico
– enquanto valores mais altos ou de cumeada, como tais
formalizados’” (Salgado, 2006, p. 9.)
Lucas de Souza Lima Campos; Juliana Alvim Mü=
;ller
Pessôa
Jusfilosofia, tecnologia e processo: princ&iacut=
e;pios
processuais à luz do uso de novas tecnologias nas decisões
judiciais
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nbsp;
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nbsp; &nbs=
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nbsp; Revista
da EMERJ, ISSN: 2236-8957, Rio de Janeiro, v. 27, e660, p. 1-17, 2025. &=
nbsp; &nbs=
p; 5
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DOI: 10.70622/2236-8957.2025.660 |
Submissão em: 21/07/2025 |
Aprovação em: 28/07/2025 e 11/10/2025
Editor: Antonio Aurelio Abi Ramia
Duarte