MIME-Version: 1.0 Content-Type: multipart/related; boundary="----=_NextPart_01DC5364.6DD7DA90" Este documento é uma Página da Web de Arquivo Único, também conhecido como Arquivo Web. Se você estiver lendo essa mensagem, o seu navegador ou editor não oferece suporte ao Arquivo Web. Baixe um navegador que ofereça suporte ao Arquivo Web. ------=_NextPart_01DC5364.6DD7DA90 Content-Location: file:///C:/4F08CE1F/27.02.25.Refugiadosantesasdificuldades.SENOR._.htm Content-Transfer-Encoding: quoted-printable Content-Type: text/html; charset="us-ascii"
Antonio Baptista Gonçalves=
span>=
*
Resumo: Os refugi=
ados
não escolhem sair de suas casas e de seus países por melhores
condições econômicas, nem por empregos mais qualificados
com maiores remunerações ou incremento na qualidade de vida, =
mas
sim porque lutam por sobreviver e o fazem devido à necessidade, e ai=
nda,
não raro, deixam familiares e entes queridos para trás. A
acolhida pelos Estados não é pacífica: intolerân=
cia,
xenofobia, desrespeito e humilhações são alguns dos
percalços a serem enfrentados. O Estado deveria conferir
condições mínimas aos refugiados e respeitar sua cidad=
ania
e a igualdade dos povos, e conferir os direitos tidos como fundamentais. Na
prática, os desafios ainda são muitos, e resistir para contin=
uar
a viver é o maior deles.
Palavras-chave: imigração; discriminação; igualdade entre=
os
povos.
Resumo em língua estrangeira: Refugees do not cho=
ose
to leave their homes and countries for better economic conditions, nor for =
more
qualified jobs with higher wages or an increase in quality of life, but rat=
her
because they fight to survive and do so out of necessity and, yet, not Rare=
ly,
they leave family and loved ones behind. The welcome by States is not peace=
ful:
intolerance, xenophobia, disrespect, humiliation are some of the obstacles =
to
be faced. The State should provide minimum conditions to refugees and respe=
ct
their citizenship, the equality of peoples and confer rights considered
fundamental. In practice, the challenges are still many and resisting to
continue living is the biggest one.
Palavras-chave em língua estra=
ngeira:
immig=
ration; discrimination; eq=
uality
between people.
INTRODUÇÃO
A questão dos refugiados se globaliz=
ou,
pois, em decorrência das guerras e conflitos civis, os fluxos
migratórios se intensificaram. As guerras na Ucrânia,
Sudão, Síria, Afeganistão, Israel, dentre outras,
incrementaram um número que já era crescente de pessoas fugin=
do
e/ou abandonando seus lares na busca por sobrevivência. O
relatório Tendências Globais sobre Deslocamento
Forçado 2022 constatou que, até o final de 2022,=
o
número de pessoas transladadas por guerra, perseguição,
violência e violações de direitos humanos atingiu o rec=
orde
de 108,4 milhões, um acréscimo de 19,1 milhões em
relação ao ano anterior, o maior aumento já registrado=
.
A trajetória ascendente do deslocame=
nto
forçado global não mostrou sinais de desaceleraç&atild=
e;o
em 2023 com a eclosão do conflito no Sudão, que desencadeou n=
ovos
fluxos de saída, elevando o total global para 110 milhões
até maio de 2023 (Unesco, 2024).
Os números podem ser subdivididos, v=
isto
que, desse total, 35,3 milhões são refugiados, ao passo que 6=
2,5
milhões de pessoas se viram obrigadas a sair de seus países de
origem devido a conflitos e violência.
A guerra na Ucrânia foi o principal f=
ator
de deslocamento em 2022. O número de pessoas refugiadas da Ucrâ=
;nia
aumentou de 27.300 no final de 2021 para 5,7 milhões no mesmo
período do ano seguinte, o que resultou no fluxo mais célere =
de
pessoas refugiadas desde a Segunda Guerra Mundial.
Erroneamente poderíamos considerar q=
ue,
ao saírem para buscar segurança e lutar por sua
sobrevivência, os refugiados buscariam proteção e
acolhimento em países desenvolvidos ou com melhores condiç&ot=
ilde;es
econômicas. Todavia, há uma divergência de resultados en=
tre
a pretensão da busca do refúgio e o êxito, porque os
países que potencial e estrategicamente poderiam abrigá-los
não são os que usualmente os acolhem.
De acordo com o relatório supracitad=
o, temos
a estatística de que os países de baixa e média renda =
no
mundo são os que acolhem a maioria das pessoas deslocadas. 46
países menos desenvolvidos foram responsáveis por abrigar 20%=
das
pessoas refugiadas. Em termos econômicos, há uma clara
discrepância de poderio financeiro, porque a renda somada desses
países representa em torno de 1,3% do produto interno bruto global, =
isto
é, pouco menos de um quarto dos países acolhem 20% dos
refugiados, porém, seu potencial econômico é diminuto no
cenário global, o que pode, na prática, significar dificuldad=
es
de estabelecimento por parte dos deslocados em virtude do acúmulo de
dificuldades internas desses países na concessão de direitos e
assunção de condições dignas de existênci=
a.
O alto comissário da ONU para Refugi=
ados,
Filippo Grandi, ao analisar a realidade dos números e da
situação dos refugiados, destacou: “As pessoas em todo o
mundo continuam a demonstrar uma extraordinária hospitalidade para c=
om
os refugiados ao estenderem proteção e ajuda àqueles em
necessidade”, e acrescentou, “mas é necessário mu=
ito
mais apoio internacional e um compartilhamento mais equitativo de
responsabilidades, especialmente com os países que estão
recebendo a maioria dos deslocados do mundo” (Unesco, 2024).
Das palavras do alto comissário se
depreende a reflexão que este artigo fará: os Estados s&atild=
e;o
discriminatórios em relação aos refugiados? Os Estados
mais ricos preferem se imiscuir de tal responsabilidade? Os Estados optam p=
or
evitar eventuais conflitos entre nacionais e os refugiados? Ou seja, os
Estados, deliberadamente, relativizam a igualdade dos povos? O que veremos
é que os refugiados lidam com muitos desafios, de toda ordem e natur=
eza,
ao enfrentarem uma verdadeira luta pela sobrevivência, tais como
xenofobia, discriminação, preconceito, intolerância e t=
udo
o mais que importa em desrespeito da condição mínima de
subsistência daqueles que tiveram forçadamente de se deslocar,
sendo que essas práticas são mais frequentemente reportadas em
Estados com melhores condições econômicas.
A constatação dessas
práticas e das condições retratadas na experiênc=
ia
de migração forçada conduz ao questionamento de se
há de fato direito à cidadania ao estrangeiro refugiado, dire=
ito
este não no sentido pleno, mas sim no sentido estrito de ser um
cidadão estrangeiro sujeito ao arcabouço normativo de
obrigações e, também, de direitos, principalmente o
respeito a sua dignidade. Isto é, dentro do território nacion=
al,
o refugiado deve ser tratado como um estrangeiro e ter acesso limitado &agr=
ave;
saúde, à educação, ao direito à moradia,=
ao
trabalho digno e ao concernente respeito à sua dignidade, ou
poderá, ou melhor, deverá ser equiparado aos nacionais e ter o
conjunto de direitos tidos como fundamentais dentro do território
nacional? Se a resposta for afirmativa, haverá algum tipo de
restrição? Os refugiados devem ter tratamento diferenciado em
termos de direitos e deveres no território nacional?
Importante destacar que o refugiado n&atild=
e;o
escolhe se mudar e, quando possível, especialmente no quesito
econômico, retornará ao seu país de origem ou trar&aacu=
te;
mais familiares para seu convívio. São minoria os casos daque=
les
que conseguem escapar de um conflito armado, guerra ou violência com =
toda
a sua família e entes queridos. Por isso o retorno sempre pode ser u=
ma
realidade ao refugiado, em especial se houverem percalços e dificuld=
ades
em sua permanência no estrangeiro.
Em 2022, ainda segundo o rela=
tório Tendências Globais sobre Deslocamento
Forçado=
do ACNUR<=
/span>, mais de 339.000 refugiados retornaram a 38 paí=
ses e,
ainda que o número tenha sido inferior em um comparativo com o ano
anterior, se destacam retornos voluntários consideráveis para
Sudão do Sul, Síria, Camarões e Costa do Marfim. Enqua=
nto
isso, 5,7 milhões de pessoas deslocadas internas retornaram em 2022,
principalmente na Etiópia, Mianmar, Síria, Moçambique e
República Democrática do Congo.
Em um mundo cada vez mais globalizado, a
igualdade entre os povos se mostra uma realidade distante, e, não ra=
ro,
os refugiados buscam um retorno para seus países de origem, mesmo di=
ante
de perigos, perpetuidade de conflitos e violência. Todavia, a volta t=
em,
inclusive, como motivação estar com seus entes, ter a
familiaridade do idioma, dentre outras, como também evitar as mais
diversas formas de violência experimentadas no estrangeiro como j&aac=
ute;
dito: xenofobia, discriminação, humilhações, po=
breza
extrema, falta de condições mínimas de subsistên=
cia
e violação de sua dignidade humana.
Os desafios para a
Organização das Nações Unidas, em especial o AC=
NUR,
são, portanto, a proteção dos refugiados e a
criação de condições adequadas para a
mantença daqueles que se deslocam forçadamente em
condições mínimas de respeito à sua dignidade, =
tais
como: o fomento à educação, o fornecimento de sa&uacut=
e;de
e moradia, dentre outros. Para tanto, faz-se necessário refletir sob=
re
quais são as responsabilidades dos Estados na consecuçã=
;o
desses direitos.
Iniciaremos nossa reflexã=
;o
com a questão da cidadania, isto é, qual é o real dire=
ito
de um refugiado dentro de outro país? Ele é um cidadão?
Tem condições de ter moradia digna, usufruir de saúde =
pública,
ter maiores condições laborais ou será, na prát=
ica,
tratado como um indivíduo de segunda classe com seus direitos
relativizados?
1.&n=
bsp;
CIDA=
DANIA
E O ESTADO
Não
são todos os países que recebem e acolhem os refugiados. As principais questões que contribuem par=
a essa
postura envolvem a resistência, tanto da população do
país como a de países vizinhos, por temerem os reflexos desse
acolhimento em relação ao mercado de trabalho, e a ext=
ensão
de serviços públicos e sistema de benefícios aos
refugiados. Logo, o acesso à
educação, às escolas, o uso do serviço de
saúde, a concessão de moradia digna, não ser alvo de
intolerância religiosa, violência física, sexual e
psicológica e poder arrostar por uma promoção ou um
trabalho compatível com sua qualificação/formaç=
ão
e, muito frequentemente, ter de lutar para ter um são alguns dos pon=
tos
de tensão entre nacionais e estrangeiros. E, quanto maiores as
desigualdades sociais do país, proporcionais tendem a ser as
inflexões e as resistências.
Quando um refugiado estrangeiro chega a um país, os desafios
são corriqueiros e continuados: desde a busca por uma moradia,
perpassando na procura por emprego e por uma estabilidade social e
econômica, e finalmente ter respeitada sua dignidade. Para a
consecução da maioria deles, há a
participação do Estado. No entanto, há limite para a
atuação estatal? A própria figura do Estado é
ameaçada com a presença cada dia maior de estrangeiros?
A primeira e necessária reflexão é: o Estado po=
de
não considerar um estrangeiro como cidadão e, por conseguinte,
não detentor de direitos no bojo daquela sociedade? A resposta formal
para essa questão é simples e objetiva, mas na prática
não é simples e exige uma análise da
formação e tecitura social da população daquele
país, sua relação com a figura do Estado, além =
do
conceito de cidadania, para, por fim, verificar se est=
a
se aplica aos refugiados. E, para tanto, faremos a reflexão a partir=
do
Estado Democrático de Direito Brasileiro, diante de seu arcabou&cced=
il;o
constitucional, a fim de elucidar acerca da aplicação ou
não dos direitos tidos como fundamentais aos refugiados.
Importante destacar que essa reflexão pode e deve ser estendi=
da
também ao migrante econômico, inclusive diante do aumento dest=
es e
do incremento das dificuldades relacionais na comunidade internacional
A diferença é que o migrante opta por se deslocar, ao
passo que o refugiado sai às pressas e motivado pelo conflito,
violência e necessidade de sobrevivência, sem planejamento e
estrutura para a mudança brusca de realidade. No entanto, ambos podem
ser considerados como cidadãos no território nacional e, por
conseguinte, ter acesso à concessão pelo Estado dos direitos
fundamentais?
Em um breve e singelo exercício
maiêutico de Sócrates, passemos a sua metodologia de perguntas=
em
busca de reflexões e respostas. O Estado tem seus limites, no entant=
o,
pode se imiscuir das obrigações da concessão de direit=
os?
E a quem a garantia desses direitos são obrigatórios? Afinal,=
os
estrangeiros compõem de fato o país de abrigo ou somente os
nascidos naquele território? A figura do Estado pode ser dissociada =
da
população? E mais: há diferença entre os
componentes da sociedade?
Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva
Martins (1988, p.1230) discorrem acerca da composição do Esta=
do:
O = Estado é uma sociedade e, como tal, envolve necessariamente a existên= cia de membros, de pessoas que a integram. [...] O povo é, portanto, o elemento humano do Estado. Coincide com o conjunto dos seus nacionais. [...] Surge daí o fato de em um determinado território haver necessariamente duas categorias de pessoas do ângulo da filiação ao Estado; ou se trata daqueles que estão integrados na sociedade política, denominando-se nacionais e o seu conjunto ganha o nome de povo, ou se trata de estrangeiros, portanto de pes= soas que pertencem a outro Estado, mas encontram-se circunstancialmente sob a força do ordenamento jurídico deste em que se situam e, nessas condições, submetem-se fundamentalmente às leis desse mesmo Estado.
Acerca da premissa acima, é possível separar a
existência e autonomia do Estado em detrimento dos seus cidadã=
os?
O Estado não pode caminhar de maneira
dissociada dos membros que o compõem e, mais do que isso, deve ser
respeitado o conjunto de normas e regras que balizam a consecuç&atil=
de;o
desse Estado, nas palavras de Pinto Ferreira (1989, p.33-34):
A expressão Estado Democrá=
tico
de Direito significa a subordinação do Estado à le=
i e
à Constituição votada livremente pelo povo. [...] O Es=
tado
é o poder institucionalizado, como observa Georges Burdeau. Na
história ocorreu lentamente um processo de racionalizaç&atild=
e;o
dos poderes, ou seja, a sujeição do poder estatal às
regras estabelecidas pela sociedade civil.
E, nesse diapasão, quais são as obrigaçõ=
es e
limitações do Estado? Sobre o tema, Francisco José
Oliveira Neto (2008, p.185) discorre:
Não se pode almejar do Estado Democrático de Direito mais do que ele pode “dar”, nem se supõe que as condições para sua execução= e desenvolvimento histórico permaneçam inalteradas diante das crises da própria economia capitalista tradicional – produtiva – mas, e, sobretudo, em face da transformação operada no campo de sua formulação teórica e de suas práti= cas. O Estado contemporâneo se vê confrontado, por um lado, por uma = crise conceitual, a qual afeta a sua própria formulação = como Instituição da modernidade, assentada que estava sobre os pil= ares dos seus elementos característicos: território, povo e poder soberano.
O que se depreende é que o Estado de=
ve
obedecer a um conjunto de regras e normas às quais igualmente se
submetem seus nacionais e os estrangeiros, tendo como premissa fundamental e
norma maior a Constituição Federal, que deve ser seguida e
respeitada por toda a sociedade civil.
E quem compõe a sociedade civil? A
resposta é simples: o povo! E quem compõe o povo? Sobre o tem=
a, Patrícia
Rosset (2008, p.619):
O Povo é a comunidade dos cidadãos, dos membro=
s da
Cidade, do Estado. E, porque o poder sobre todos eles recai e as leis a tod=
os
alcançam, bem pode dizer-se que os princípios fundamentais que
lhe presidem vêm a ser o da universalidade – todos têm to=
dos
os direitos e deveres previstos na ordem jurídica – e o da
igualdade – todos têm os mesmos direitos e deveres.
Nessa definição não há divergência ou separação entre nacionais e estrangeiros. Por conseguinte, se deve concluir que o povo é a soma indistinta de ambos? Há a necessidade de separação de povo e cidadão? Jorge Mira= nda (2010, p.123) sobre determinação do povo e de cidadania: “A determinação= da cidadania de cada indivíduo equivale à determinaç&atil= de;o do povo (e, portanto, do Estado) a que se vincula. Tal como a determinação de quem compõe em concreto certo povo pas= sa pelo apuramento das regras sobre aquisição e perda da cidadan= ia aí vigentes”.
O que se extrai positivamente dos ensinamentos de Jorge Mira= nda é que para a determinação de um povo é necessário se estabelecer aqueles que devem ser considerados cidadãos, logo, o conceito de cidadania é essencial para compreender quem compõe o Estado e dele é sujeito de direitos= . De tal sorte que se indaga: o estrangeiro é um cidadão dentro do Estado e suas configurações?
A comunidade de cidadãos implica que
haja um conjunto de direitos e deveres dentro de um espaço
geográfico que respeita a Constituição Federal e as no=
rmas
estabelecidas daquele Estado. Em geral, se considera sujeito de direitos e
passível do cumprimento de obrigações o cidadão.
Então, agora nos cabe avançar e construir o conceito de cidad=
ania
e, em seguida, verificar sua adequação aos estrangeiros.
Avancemos com parcimônia tendo como p=
onto
de partida o conceito de cidadania. Sobre o tema, José Cretella
Júnior (1988, p.138):
CIDADANIA: No orbe jurídico romano, o “homem”, que se opunha ao escravo, à res, era caracterizado pela caput, relativamente à qual se notavam três direitos, três iura, o ius libertatis, que outorgava a libertas, ou prerrogativa de ser livre, o ius familia= e, que distinguia o sui iuris do alieni iuris, e o ius civita= s, classificando-o em romano e não romano. A prerrogativa de cidadania era tão importante que homens ilustres, como o poeta Archias, vivendo em Roma, lutou para alcanç&a= acute;-la, quando os arquivos se incendiaram, obtendo, por fim, a civitas, depo= is da defesa que dele fez Cícero, como se vê no discurso Pro A= rchia. Em Roma, o homem livre ou era “cidadão”, tinha “cidadania”, ou era “não-cidadão”, se= ndo estrangeiro ou peregrino. Se nacionalidade é a sujeição por nascimento ou por adoção, do indivíduo ao Estado, para o gozo e exercício dos direitos políticos, cidadania é a habilitação do nacional para o exercício desses mesmos direitos, cumpridos os requisitos legais.
Ace=
rca da
influência no conceito da cidadania romana para a cidadania moderna,
destacamos Patrícia Rosset (2008, p.619):
A cidadania romana influenciou a cidadania como vemos hoje. A distinção romana da chamada liberdade negativa, ou seja, a liberdade de não se submeter à vontade de outrem, no dizer de Bobbio “compreende tanto a ausência de impedimento, ou seja, a = possibilidade de fazer, quanto a ausência de constrangimento, ou seja, a possibilid= ade de não fazer. Disto infere-se que “Cidadania é qualidad= e de cidadão” e significa, mais precisamente a participação em Estado democrático.
Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva
Martins (1988, p.1231) relacionam, ainda com Rousseau e seu contrato social=
, a
cidadania com os direitos conferidos pelo Estado:
Cumpre-se dizer algo sobre o cidadão.
Rousseau, em seu Contrato social, afirma que “os associados, ou
membros do Estado tomam coletivamente o nome de povo e chamam-se, em
particular, cidadãos enquanto participantes na atividade soberana e
súditos enquanto sujeitos às leis do Estado”. De fato, =
esta
é uma distinção importante, embora por força do
princípio democrático que estende o exercício do poder=
ao
povo em geral [...] encontra-se reconhecida a universalidade do direito de
voto, e, consequentemente, de participação ativa do
indivíduo na vida do Estado.
Jorge Miranda (apud Rocha, 2008, p. 621) avança e relaciona a cidadania com o=
Estado
e sua formação:
Ci= dadania é a qualidade de membro da comunidade política. Através dela define-se o povo em que essa comunidade de transforma ao erigir-se em Estado. E por isso, apesar de na Assembleia Constituinte não se ter querido definir o povo como nas Constituições anteriores, bem pode dizer-se que através do artigo 4° - completado pelo artigo 12° - se prescreve que constituem o povo português todos aqueles = que são cidadãos portugueses. [...] Mas cidadania significa ainda, mais vincadamente, a participação = em Estado democrático.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (199=
0,
p.19) destaca a importância da cidadania e sua relação =
com
o povo dentro do Estado:
Ci= dadania. Enfatizando cidadania, a nova Constituição brasileira quer apontar a indispensabilidade da participação popular na tomada das decisões políticas. O povo brasileiro deve ser composto de cidadãos, participantes ativos do exercício do poder democrático, não de súditos de qualquer poder, mesmo democrático.
A
questão central em relação ao refugiado segue sendo a
mesma: este pode ser considerado como um cidadão no país que o
acolheu? Na acepção literal do arcabouço normativo,
existem limitações, tais como: não poder participar da
vida política do Estado, não poder votar ou ser votado em vir=
tude
de não ser considerado como um nacional e, por conseguinte, ter a
cidadania plena. Todavia, independentemente de ser nascido ou não no
Estado, o refugiado tem um conjunto de direitos que lhe são conferid=
os
pelo Estado, como disciplinam Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco (2011,
p.196-197):
O caput do art. 5° reconhece os
direitos fundamentais “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes =
no
País”. [...] A declaração de direitos fundamenta=
is
da Constituição abrange diversos direitos que radicam diretam=
ente
no princípio da dignidade do homem – princípio que o ar=
t.
1°, III, da Constituição federal toma como estruturante do
Estado democrático brasileiro. O respeito devido à dignidade =
de
todos os homens não se excepciona pelo fato meramente circunstancial=
da
nacionalidade.
Um refugiado tem direito a bu=
scar
e receber refúgio em um lugar seguro. Sem embargo, a proteç&a=
tilde;o
internacional abarca mais do que a segurança física. Os
refugiados devem ter os mesmos direitos e a assistência recebida por
qualquer outro estrangeiro que resida regularmente no país de acolhi=
da.
Dentre esses direitos, destacamos os civis (como liberdade de pensamento e =
de
ir e vir, propriedade e não sujeição à tortura =
e a
tratamentos degradantes) e, também, os direitos sociais e econô=
;micos
(assistência médica, educação e direito ao
trabalho). As pessoas refugiadas também possuem obrigaç&otild=
e;es,
entre elas o cumprimento das leis e o respeito aos costumes do país =
em
que se encontram.
Destarte, os direitos sociais=
e econômicos
aplicados aos refugiados são os mesmos devidos aos demais indiv&iacu=
te;duos,
isto é, aos nacionais. Os Estados devem conferir os direitos b&aacut=
e;sicos
a todos os cidadãos, sejam nacionais ou estrangeiros, sem
distinção. E, inclusive, alguns estabelecem programas especia=
is
de reassentamento, isto é, espontaneamente concordam em receber os
refugiados e lhes concedem assentamento permanente. Essa deveria ser a regra
entre os países, porém, na prática, não é=
; o
que se observa, pois, entre os 192 países membros das
Nações Unidas, poucos estabelecem quotas anuais de
reassentamento.
Os que fazem o reassentamento
são: Alemanha, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil,
Canadá, Chile, Dinamarca, Estados Unidos da América,
Finlândia, França, Holanda, Islândia, Irlanda, Noruega, =
Nova
Zelândia, Portugal, Romênia, Reino Unido, República Tche=
ca,
Suécia e Uruguai (ACNUR, 2024). E não basta aceitar e os rece=
ber,
porque ainda é necessário os acomodar e lhes conferir
condições dignas de existência e sobrevivência, o=
que
implica no desdobramento da análise que resulta em um número
concreto ínfimo de sucesso, uma vez que, segundo o ACNUR, apenas 1% =
dos
refugiados conseguem ser reassentados por ano.
Em 2020, 22.800 pessoas partiram para
países de reassentamento com o apoio do ACNUR. O maior número=
de
refugiados partiu do Líbano (4.600), seguido da Turquia (4.000), da
Jordânia (1.500), do Egito (1.350) e da Tanzânia (1.300) (ACNUR,
2024).
No Bra=
sil
há o recebimento crescente de pedidos de refúgio, em especial=
de
venezuelanos. De acordo com dados divulgados na última
edição do relatório “Refúgio em
Números”, apenas em 2022, no Brasil, foram feitas 50.355
solicitações da condição de refugiado, provenie=
ntes
de 139 países. As principais nacionalidades solicitantes em 2022 for=
am venezuelana (67%), cubana (10,9%) e angolana (6,8%).
Em 2022, o Comitê Nacio=
nal
para os Refugiados (Conare) reconheceu 5.795 pessoas como refugiadas. Os ho=
mens
corresponderam a 56% desse total, e as mulheres, a 44%. Além disso,
46,8% das pessoas reconhecidas como refugiadas eram crianças,
adolescentes e jovens com até 24 anos de idade.
Do total, 57,8% das
solicitações apreciadas pelo Conare foram registradas nas
Unidades da Federação (UFs) que
compõem a região norte do Brasil. O estado de Roraima concent=
rou
o maior volume de solicitações de refúgio apreciadas p=
elo
Conare em 2022 (41,6%), seguido por Amazonas (11,3%) e Acre (3,3%) (ACNUR,
2024).
Vimos que existem diferenças entre os
cidadãos nacionais e os estrangeiros, quais as responsabilidades e
direitos destes e a relação com o Estado. No entanto, a chega=
da
de um estrangeiro em outro país não é tranquila, com u=
ma
acolhida instantânea e a abertura de uma gama de possibilidades, porq=
ue,
em geral, as dificuldades são maiores do que as facilidades. E quand=
o o
Estado os negligencia, aí os problemas se avolumam.
2. AS DIFICULDADES DE ADAPTAÇÃO DOS REFUGIADOS
O Estado, o ente
personificado responsável por prover condições
mínimas existenciais aos seus componentes, enquanto Estado
Democrático de Direito, e responsável por assegurar e efetiva=
r as
liberdades, o direito à saúde, à educaçã=
o, a
uma existência digna, na prática, falha sistematicamente em sua
missão constitucional, porque, dado ao aumento da
população, aos fluxos migratórios e ao recebimento de
refugiados, vários Estados não cumprem com as premissas
básicas de garantir a dignidade humana aos seus cidadãos. O
Brasil também se inclui nesse cenário, não são
poucos os relatos de descaso e abandono do Estado brasileiro para com os
refugiados.
Na
relação entre Estado e cidadãos, também percebe=
mos
problemas com muitos Estados não conferindo direitos tidos como
fundamentais a seus nacionais, com dificuldades na concessão de
educação, saúde, moradia, dentre outros direitos
básicos. Com os problemas se avolumando, esses Estados não
dispõem de recursos econômicos e sociais para atender a todos =
que
dele necessitam, e a crise dos direitos tidos como fundamentais se assenta.=
Nesse diapas&atild=
e;o,
melhor sorte também não encontra um refugiado, pois este migra
para sobreviver. Portanto, não carrega muitas coisas, não tem=
uma
infraestrutura ou um plano a ser seguido, simplesmente foge com seus entes
queridos e espera ser acolhido em um local seguro. Porém, ao chegar =
em
outro país, a realidade é a ausência de dinheiro para se
instalar e a falta de emprego ou condições, o que denota plena
dependência do Estado. Enquanto não é absorvido pelo
mercado de trabalho, quando consegue, segue marginalizado e vive nas ruas o=
u da
ajuda de terceiros.
Alguns Estados pos=
suem
estrutura para esse tipo de situação e têm residê=
ncia
e emprego para os refugiados, contudo, são poucos os que conseguem f=
azer
isso na realidade econômica corrente, especialmente diante das
dificuldades econômicas impostas pela pandemia mundial da covid-19. E=
, por
estarem em um local estranho, sem condições econômicas e
com poucos ou sem recursos, também se encontram à mercê=
de
agressões dos intolerantes que reprimem os refugiados e seu direito =
por
querer continuar a viver.
Assim, se engana aquele que pensa que a migração forçada ou em massa pode resultar em um caminho fácil para o sucesso, pois os obst= áculos a serem superados podem dificultar o desenvolvimento das pretensões iniciais dos refugiados.
Os refugiados são estrangeiros que buscam condições de sobreviver, entretanto, não perderam sua essência, hábi= tos e costumes, que podem, inclusive, ser diversos dos países em que se refugiaram, e nessas diferenças serão considerados como minor= ia diante dos demais, o que não inibe o dever de respeito, tolerâ= ncia e convivência pacífica entre eles e os demais membros da socie= dade civil, sem qualquer distinção ou segregação.
O refugiado é tão ser humano quanto qualquer outro, e é obrigatório que se respeite seu direito de ir e vir, suas liberdades, inclusive seus hábitos, crenças e costumes, como por exemplo o direito a usar o véu, a se vestir diferente, professar a sua f&eacut= e; livremente, a cultuar outros ícones. As minorias, quantitativas ou qualitativas, não podem ser hostilizadas, e a solução = para os conflitos e para a questão dos refugiados é a inclus&atild= e;o. Se o Estado não incluir o refugiado em sua realidade cotidiana e bus= car a eliminação das diferenças, não será a população que dissipará de forma espontânea seu próprio preconceito e eliminará eventuais intolerâncias= .
Em tempos de globalização e flexibilização das fronteiras, deve haver o respeito ao multiculturalismo. Não se pode permitir a imposição da vontade da maioria e, muito menos, a supressão do direito de manifestação, de crença= ou de culto de um refugiado apenas e tão somente porque a sua fé= e o Deus ao qual dedica sua crença são diferentes. O respeito, a harmonia e a convivência pacífica devem permear as relações sociais, e cabe ao Estado regular e assegurar a paz = nas relações.
As obrigações do Estado se avolumam: respeito, tolerância, acolhimento, direito à saúde, educação, moradia, trabalho, dever de coibir eventual xenofobia, discriminação, racismo, preconceito, intolerância e ainda, o mais precioso, valoriza= r a dignidade da pessoa humana do refugiado. Essa é a missão na teoria, mas como se processa na prática?
A realidade mostra as dificuldades dos Estados em abrigar os refugiados, as resistências, os enfrentamentos entre os nacionais e os estrangeiros,= as falhas do Estado na concessão de direitos tidos como fundamentais e, fora isso, há a missão da Organização das Nações Unidas através do ACNUR em mitigar as diferenças e garantir e assegurar a igualdade entre os povos, as pes= soas com respeito e tolerância. Preceitos que devem ser replicados dentro = do ordenamento jurídico dos Estados e serem conferidos e harmonizados p= ela sociedade civil de cada um deles.
É dever dos Estados respeitar as diferenças, sejam culturais, religios= as, sociais ou econômicas, e buscar mitigar as dificuldades a fim da harm= onia das relações sociais e de uma sociedade mais justa e igualitária na qual refugiados e nacionais devem ser respeitados e t= er acesso a seus direitos. Na busca pela igualdade dos povos, como o Estado li= da com as próprias dificuldades? É o que veremos a seguir.
3. ESTADO E A NECESSIDADE DE RESPEITO À IGUALDADE DOS PO=
VOS
Os fluxos migratórios se intensifica=
ram,
seja por busca de melhores condições econômicas, sociai=
s e
intelectuais ou de uma melhora da qualidade de vida, como é o caso d=
os
migrantes, ou, como no caso dos refugiados, por sobreviver. Os Estados
têm enfrentado problemas econômicos que se acentuaram em decorr=
ência
da pandemia global da covid-19 e muitos deles não conseguem mais
conferir condições mínimas adequadas para seus
cidadãos. Acrescido a essas dificuldades, temos refugiados que se
acumulam em virtude de guerras e conflitos internacionais que sobrecarregam=
o
já combalido sistema estatal da maioria dos países.
As desigualdades se acentuaram, e não
são poucos os Estados, como o Brasil, que não conferem os
direitos tidos como fundamentais no volume e proporção que os
refugiados demandam e necessitam. Em um país continental como o Bras=
il,
o Estado falha continuamente na obrigação de conferir, garant=
ir e
efetivar os direitos tidos como fundamentais, além dos sociais e
econômicos a seus cidadãos, sejam brasileiros ou estrangeiros.=
Como vimos, a cidadania e o arcabouç=
o de
direitos fundamentais, sociais e econômicos são devidos a todo=
s os
cidadãos brasileiros, porém, extensivamente alcançam
igualmente os refugiados, que são considerados como iguais na
concessão de direitos como acesso à saúde,
educação e moradia. A diferença está na
ausência de cidadania plena, isto é, os refugiados não
podem votar ou serem votados.
O Brasil é um dos destinos dos
refugiados e, anualmente, os números daqueles que solicitam
refúgio aumentam. Segundo o Portal da Imigração do
Ministério da Justiça e Segurança Pública, no <=
span
class=3DSpellE>OBMigra, entre 2011 e 2022, 348.067 imigrantes solici=
taram
refúgio no país. Ao final do ano de 2022, existiam 65.840 pes=
soas
refugiadas reconhecidas pelo Brasil. O Brasil, como vimos, é um dos
países que faz o reassentamento, isto é, acolhe os refugiados=
, nas
palavras de Liliana Jubilut (2007): “Acol=
her os
refugiados não é apenas um ato de solidariedade, mas tem a
transcendência de um conceito humanitário que vem sendo
construído há décadas”.
. Todavia, receber refugiados em seu
território não encerra com a obrigação estatal,
tampouco conclui com a missão do Estado em fornecer os direitos
fundamentais aos refugiados, protege-los contra ações
intolerantes, violência moral, sexual ou física e, també=
;m,
garantir a sua igualdade perante os cidadãos brasileiros.
A Constituição Federal de 1988
é clara ao estabelecer em seu artigo 5°: “Todos são
iguais perante a lei”. O dispositivo não faz
distinção entre nacionais ou estrangeiros e, por conseguinte,
todos têm direito a um ambiente equilibrado, a harmonia social, acesso
à saúde, educação, moradia, emprego e o respeito
indelével a sua dignidade humana, à tolerância e &agrav=
e;
liberdade.
No cotidiano, o Brasil tem convivido com as
consequências das próprias mazelas perpetradas pelo Estado
Democrático de Direito: casos de xenofobia, intolerância e
discriminação em solo brasileiro e problemas de vilipên=
dio
de direitos reiterados, refugiados vivendo em condições
sub-humanas, sem moradia e emprego, em flagrante violação a s=
ua
dignidade.
Se no cenário interno os problemas se
somatizam, no exterior os cidadãos brasileiros também convivem
com preconceito, discriminação e xenofobia perpetrados por ou=
tros
países, não contra refugiados nacionais, haja vista que o
país não possui conflitos armados ou casos de violência=
que
fomente os deslocamentos forçados. No entanto, são cada vez m=
ais
frequentes os casos de deslocamento em busca de melhores
condições, ou seja, em relação aos migrantes
econômicos.
Como destacamos, os problemas que acometem =
os
refugiados também podem atingir em maior ou menor
proporção os migrantes. Cidadãos do Brasil convivem com
dificuldades e xenofobia em Portugal, por exemplo, com vários relato=
s de
agressões e desrespeitos naquele país: “Sua porca.
Vá para a sua terra, sua porca. Eu sou portuguesa de raça.
Você que é brasileira, que vá para a sua terra.
Estão invadindo Portugal, essa raça de filha da put*” (Uol, 2023). Segundo a Comissão pa=
ra a
Igualdade e contra a Discriminação Racial do país, ent=
re
2017 e 2021 as denúncias de xenofobia contra brasileiros em Portugal
cresceram 505%. Em dados recentes do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras português, Portugal tem 10,4 milhões de habitantes =
com
quase 400 mil brasileiros naquele país. Importante destacar que aqui
não falamos de refugiados, mas sim de migrantes, todavia, a
discriminação se mostra presente e o não reconheciment=
o da
cidadania e seus direitos também.
E qual é a importância de
demonstrar as dificuldades dos migrantes econômicos? A crise envolven=
do
os fluxos migratórios é clara e envolve países desenvo=
lvidos
ou não, ricos e pobres, refugiados e migrantes econômicos, e os
desafios para a garantia da igualdade, liberdade e fraternidade entre os po=
vos
são cada dia maiores.
Destacamos casos de xenofobia, porém,
agora, falaremos, ainda que brevemente, de uma dificuldade corrente dos
refugiados e frequentemente negligenciada pelos Estados: os problemas de ac=
esso
à educação para os filhos dos refugiados. Segundo a ON=
U, m=
span>ais da metade das 14,8 milhões de
crianças refugiadas em idade escolar do mundo não têm a=
cesso
à educação formal.
As
crianças impedidas de estudar podem ter seu futuro e capacidade de
prosperidade seriamente maculados. O novo relatório publicado pela
Agência da ONU para Refugiados destaca os problemas para o alcance das
metas de desenvolvimento global.
A matrícula de refugiados em escol=
as
varia drasticamente de acordo com o nível educacional nos paí=
ses
relatados, com 38% matriculados no nível de pré-escola, 65% n=
o ensino
fundamental, 41% no ensino médio e apenas 6% no ensino superior (ACN=
UR,
2024).
No mesmo relatório se percebe clara
disparidade entre as taxas de matrícula entre refugiados e não
refugiados, com claras dificuldades de frequência escolar aos primeir=
os.
Na prática, as dificuldades sã=
;o
severas, no entanto, alguns países já se estruturam para fome=
ntar
e propiciar o acesso à educação para os refugiados. Da
mesma feita no tocante aos migrantes. E o que se espera é que n&atil=
de;o
exista diferenciação e/ou discriminação entre os
povos. É dever do Estado garantir a igualdade dos povos e a nã=
;o
discriminação.
Em alguns Estados, já há um
programa que faz uma inclusão diferenciada do refugiado na
educação, como por exemplo a Turquia. Para os refugiados, o g=
overno
turco fornece 15 horas semanais de ensino de turco no TECs, ademais fornece
também curso de árabe, a fim de manter o contato com a
língua de origem para aqueles que assim o desejarem. Por fim,
também credenciou o professor refugiado para ser um suporte no ensino
local de modo qualificado, isto é, reconheceu a formaçã=
;o
dos refugiados nos países de origem e concedeu um trabalho
compatível.
Ademais, fez trabalho de
conscientização com pais, crianças e adolescentes
sírios sobre a necessidade e importância da
educação, como também aprimorou um sistema de exames p=
ara que
o aluno esteja em sua série exata em termos de ensino, com acompanha=
mento
mental e psicológico para os sírios e treinamento e
capacitação dos profissionais da educação para o
devido acolhimento dos refugiados (=
Unutulmaz, 2019). Pa=
íses
como Bélgica, França e Lituânia têm, durante o pr=
imeiro
ano da chegada do refugiado, aulas preparatórias com idioma; na
Grécia, a duração é de 4 anos. Na Alemanha, as
“aulas de boas-vindas” já oferecem um curso intensivo de=
alemão.
A Espanha possui três modelos de integração: “aul=
as
temporárias, que os estudantes frequentam parte do dia, aulas de
imersão e aulas interculturais, que expandem o foco do apoio
linguístico para a construção de elos entre
famílias e escolas”. Já o governo da Nova Zelândia
fez consultas prévias com refugiados e ex-refugiados no intuito de
buscar as características ideais para o curso (Unesco, 2023).
Colacionamos alguns países que t&eci=
rc;m
os refugiados como inseridos em sua realidade educacional, porém, di=
ante
do sistema global, as iniciativas ainda são tímidas e os
reconhecimentos e necessidade de facilitação para as
adaptações dos refugiados e a minoração de suas
dificuldades ainda não atendem ou não existem na maioria dos
Estados.
O que se nota é a persistência=
da
falta de preparo e estrutura do Estado para proteger, garantir e efetivar os
direitos dos refugiados. Estes, diferentemente dos migrantes, fogem para
sobreviver e buscam condições de se manter e para, em um futu=
ro
breve, retornar ao país de origem quando a situação de
insegurança cessar. Essa é a principal diferença do
migrante, pois este se move em busca de melhores condições e
oportunidades.
O refugiado tem vários obstác=
ulos
para enfrentar na contínua luta por sobreviver: sair às press=
as,
sem provisões, roupas, condições econômicas, dei=
xar
familiares, móveis, imóveis e uma vida para trás de
maneira célere sem a menor certeza de quanto tempo levará para
retornar e, inclusive, se haverá condições de o fazer.
Chegar em um país em que será visto como minoria, com
diferença de hábitos, costumes, por vezes crenças,
religião, métodos de trabalho, dentre outros, são apen=
as
algumas das dificuldades a serem enfrentadas pelo refugiado.
A fim de mitigar o desconforto própr=
io
da migração forçada, deve ser obrigação =
do
Estado que recebe o refugiado lhe oferecer condições
mínimas de mantença de sua dignidade humana, para tanto,
espera-se que haja fornecimento de saúde, moradia, emprego e,
especialmente, educação.
H&aa=
cute;
um esforço crescente internacional no sentido de reconhecer os direi=
tos
dos migrantes e dos refugiados e que ambos devem ser considerados como igua=
is
em seus direitos e deveres perante os nacionais. Ademais, minorar e buscar
erradicar a discriminação, preconceito e intolerância e
promover a igualdade e a liberdade.
Aqui temos de separar a não discrimi=
nação
da inclusão e do direito à igualdade. O primeiro é que=
a
Organização das Nações Unidas tem promovido
campanhas e defendido arduamente que os refugiados sejam, efetivamente, aco=
lhidos
em outros países e que tenham acesso às condiçõ=
es
necessárias para a mantença da sua dignidade humana. No entan=
to,
como vimos, com a crise econômica que assola parte considerável
dos países atualmente, o que se vê é a
redução de espaço e os refugiados cada vez com menos
direitos e condições mínimas de sobrevivência, c=
om
uma crescente xenofobia.
Não resta dúvida de que
estrangeiros e nacionais têm o mesmo arcabouço de direitos
fundamentais, de proteções do Estado e de garantias de acesso,
porém, seja por problemas de infraestrutura, econômicos,
desigualdades sociais, o que se nota é o vilipêndio de direitos
aos estrangeiros que, em muitos locais – o Brasil dentre eles –,
convivem diuturnamente com preconceito, discriminação,
intolerância e veem sua dignidade humana ser frontalmente desrespeita=
da e
relativizada. A igualdade entre os povos tem sua previsão em um conj=
unto
de tratados, pactos e acordos internacionais, entretanto, na prática,
há uma acentuada diferença entre a aplicação
prática dos que os signatários acordam no plano global
internacional.
É necessário se criar
condições para a efetiva igualdade entre os povos, o respeito
à Constituição Federal e aos cidadãos, sejam
brasileiros ou estrangeiros, que todos sejam possuidores de direitos e
obrigações para a consecução do Estado
Democrático de Direito, da igualdade, da liberdade, da tolerân=
cia
e da fraternidade, e cabe ao Brasil e aos demais Estados buscar mecanismos a
fim de minorar suas desigualdades, preconceitos, responsabilizar os que
delinquem e efetivar uma sociedade mais justa e plural.
CONCLUSÃO
A harmonia, integração,
tolerância e a convivência pacífica são premissas
basilares da Organização das Nações Unidas para=
os
povos e a comunidade internacional. Os Estados integrantes da ONU aderem,
assinam e ratificam tratados, pactos, convenções e acordos a =
fim
de que sejam respeitados os direitos do homem, o reconhecimento do conjunto=
de
seus direitos e, especialmente, a igualdade, liberdade e fraternidade.
Em que pese o arcabouço normativo que
norteia os Estados para a melhor consecução e respeito da igu=
aldade
dos povos, existem duas realidades que trazem dificuldades à comunid=
ade
internacional: os fluxos migratórios, seja pelos migrantes
econômicos ou pelos movimentos forçados através dos
refugiados.
Enquanto os primeiros escolhem para onde
desejam ir em busca de melhores condições de vida, moradia,
trabalho, dentre outros, os refugiados migram para poder sobreviver. Diante=
das
consequências econômicas impostas pela pandemia da covid-19, mu=
itos
países se encontram com dificuldades econômicas para conceder e
assegurar os direitos básicos a seus nacionais, e com o ingresso de
estrangeiros, as dificuldades aumentam e se intensificam com o acirramento =
das
relações entre nacionais, migrantes e refugiados.
Com isso, problemas como intolerância,
discriminação, racismo e xenofobia se somatizam aos desajustes
dos Estados em conferir e assegurar os direitos tidos como fundamentais,
além dos sociais e econômicos: saúde,
educação, moradia, emprego e meio ambiente equilibrado para o=
s refugiados.
Estes já são considerados como minorias, possuem
diferenças de hábitos, costumes, crenças e poucos
têm bens que possam contribuir, ainda que minimente, para sua estada,
já que a maciça maioria foge de seu país de origem com=
a
roupa do corpo e deixa para trás parentes e familiares, com a
esperança de um dia retornar ou retirar da precariedade os que l&aac=
ute;
ficaram.
Na balança dos direitos fundamentais=
, os
refugiados teriam mais ou menos direitos do que os cidadãos nacionai=
s? A
resposta é que os direitos básicos são devidos pelos
Estados a todos e que os estrangeiros estão impedidos de votarem e s=
erem
votados, portanto, não podem participar das atividades políti=
cas.
Todavia, sua dignidade humana segue inata.
O desafio da sociedade globalizada em 2024
é conseguir acomodar as diferentes realidades com sua capacidade
econômica e social e, para tanto, o ACNUR deve contribuir, fomentar e
incentivar os Estados para que a igualdade e a não
discriminação dos povos seja uma realidade, e não apen=
as e
tão somente um avolumar de papéis oficiais assinados que, na
prática, não têm a efetividade desejada.
Como as guerras, os conflitos e os embates
entre nações são e serão uma realidade inerente
à humanidade, cabe à comunidade internacional edificar caminh=
os
baseados nos direitos humanos, na fraternidade, na igualdade, na liberdade =
e na
tolerância para mitigar as diferenças e para que os seres huma=
nos
possam conviver de maneira respeitosa, harmônica e imbuída no
respeito e na coexistência pacífica.
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[1] Ainda que não seja o objeto de
análise, reputamos importante demonstrar que a realidade dos migrant=
es
econômicos também possui exclusão, preconceito e
discriminação por parte da sociedade internacional.
Antonio Baptista Gonçalves
Refugiados ante as
dificuldades de reconhecimento da igualdade entre os povos e o desrespeito
à cidadania e aos direitos fundamentais pelos estados
&=
nbsp; &nbs=
p; &=
nbsp; &nbs=
p; &=
nbsp; &nbs=
p; &=
nbsp; &nbs=
p; &=
nbsp;
&=
nbsp; &nbs=
p; &=
nbsp; Revista
da EMERJ, ISSN: 2236-8957, Rio de Janeiro, v. 27, e588, p. 1-18, 2025 &=
nbsp; &nbs=
p; 1
|
|
DOI: 10.70622/2236-8957.2025.588 |
Submissão em: 07/02/2024 |
Aprovação em: 28/11/2024 e 03/02/2025
Editor: Antonio Aurelio Abi Ramia
Duarte