MIME-Version: 1.0 Content-Type: multipart/related; boundary="----=_NextPart_01DC5368.35F73590" Este documento é uma Página da Web de Arquivo Único, também conhecido como Arquivo Web. Se você estiver lendo essa mensagem, o seu navegador ou editor não oferece suporte ao Arquivo Web. Baixe um navegador que ofereça suporte ao Arquivo Web. ------=_NextPart_01DC5368.35F73590 Content-Location: file:///C:/8CE45516/16.7.25.Principiodalegalidade-rev.htm Content-Transfer-Encoding: quoted-printable Content-Type: text/html; charset="us-ascii"
The principle of legality as a restrictor of punit=
ive power:
relevance in the Democratic Rule of Law
Gi=
sela
França da Costa *=
Resumo: O
presente artigo aborda, sob uma perspectiva crítica, o princí=
pio
da legalidade como pilar do Direito Penal num Estado Democrático de
Direito e garantista, previsto na Constituição Federal e no
Código Penal. Ressalta-se seu papel como limite ao poder punitivo do
Estado e como proteção à liberdade individual. Em um
cenário de endurecimento penal e retrocessos garantistas, a legalida=
de
estrita assume função de resistência democrática=
. O
texto defende sua aplicação, exigindo anterioridade, taxativi=
dade
e vedação da analogia in
malam partem. Resgata suas origens históricas no Direito Romano,=
na
Magna Carta e no Iluminismo, com ênfase em Becca=
ria
e Feuerbach. Conclui-se que o princípio =
deve
ser resguardado contra usos arbitrários e populistas do Direito Pena=
l e
sua análise segue fundamental no âmbito da dogmática pe=
nal.
<= span style=3D'mso-bookmark:_Hlk156484427'>Palavras-chave: <= span style=3D'color:black;mso-color-alt:windowtext'>princípios; criminolo= gia; punição; legalidade; garantismo penal.
<=
span
style=3D'mso-bookmark:_Hlk156484427'>
Abstract: This article critically addresses the principle of
legality as a cornerstone of Criminal Law within a Democratic and
guarantor-based Rule of Law, as established in the Federal Constitution and=
the
Penal Code. It highlights its role as a limit to the punitive power of the
State and as a safeguard of individual freedom. In a context marked by penal
harshness and setbacks in legal guarantees, strict legality assumes the rol=
e of
democratic resistance. The text advocates for its application, requiring
anteriority, specificity, and the prohibition of analogy in malam
partem. It revisits its historical origins in Roman Law, the Magna Carta, a=
nd
the Enlightenment, with emphasis on Beccaria and Feuerbach. The conclusion =
is
that this principle must be protected against arbitrary and populist uses of
Criminal Law, and its analysis remains essential within the field of legal
dogmatics.<=
span
style=3D'mso-bookmark:_Hlk156484427'>
Keywords: principles of guarantees; criminology; punishment; legality criminal;
guarantees.
=
=
=
span>O
princípio da legalidade está preceituado na
Constituição Federal de 1988, art. 5°, XXXIX, e no
Código Penal, art. 1°, que determinam que não haver&aacut=
e;
crime sem lei anterior que o defina, assim como não haverá pe=
na
sem prévia cominação legal. Cuida-se de princípio imprescindível para o Direito Penal
Democrático, convertendo-se em garantia do indivíduo contra a
intervenção do Estado sobre a sua esfera de privacidade. Ou s=
eja,
constituindo-se em uma limitação do poder punitivo estatal so=
bre
os indivíduos e tornando-se patente sua função
eminentemente garantista (Corrêa Junior; Shecair=
a,
2002, p.76).
Em um cenário marcad=
o pela
intensificação do poder punitivo e pela
flexibilização das garantias individuais sob o manto de discu=
rsos
de eficiência penal, o princípio da legalidade ressurge como
cláusula de resistência essencial à
preservação dos fundamentos do Estado Democrático de
Direito. Referido princípio assegura que ninguém será
punido sem que haja lei anterior que defina a conduta como criminosa,
assegurando a previsibilidade e a racionalidade do sistema penal. Mais do q=
ue
uma regra de competência legislativa, a legalidade penal assume conto=
rnos
garantistas, funcionando como verdadeiro freio ao arbítrio estatal,
exigindo tipicidade estrita, anterioridade, taxatividade e
proibição de analogia in
malam partem. No contexto da pós-modernidade – époc=
a de
rupturas, inseguranças e recrudescimento penal seletivo – a
legalidade revela-se como entrave mestre contra o expansionismo punitivo. Ao
limitar o alcance do jus puniendi=
i>
à estrita legalidade formal, protege-se a cidadania contra o
decisionismo autoritário, o populismo penal e a
criminalização simbólica de condutas. Preservar o
princípio da legalidade, portanto, é manter viva a racionalid=
ade
iluminista e a matriz liberal garantista que sustentam os pilares da justi&=
ccedil;a
penal em sociedades comprometidas com a dignidade humana e os direitos
fundamentais.
Acerca da origem do
princípio da legalidade, há divergências entre os
doutrinadores, pois para alguns, nesse sentido Manzini (apud Luisi, 1991, p.14), ele remontaria ao direito romano,=
sendo
que para outros o surgimento do princípio remonta ao Direito medieva=
l,
em especial às instituições ibéricas (Marques,
1997, p. 181), concepção albergada por Frederico Marques.
Entretanto o advento, em 1215, da M=
agna Charta Libertatum
(século XIII) é considerado como o antecedente históri=
co
da legalidade pela doutrina brasileira majoritária, sendo adeptos de=
sse
entendimento, por exemplo, Nélson Hungria e Francisco de Assis Toledo
(1994, p. 21). Contudo, este princípio cristalizou-se com o Iluminis=
mo,
através do pensamento de Beccaria.
Como consectário do
Iluminismo, o princípio da legalidade foi encampado pelas
declarações de direitos das Constituições
norte-americanas, sendo alçado a postulado universal, após ser
inserido nos artigos 7º e 8º da Declaração francesa,
que decorreu da revolução de 1789 (Corrêa Junior; Shecaira). Na atualidade, ele está consagrado =
no
artigo 11, item 2, da Declaração Universal dos Direitos do Ho=
mem,
que fora aprovada em 1948 pela Assembleia Geral da ONU (Corrêa Junior=
; Shecaira, 2002, p. 75).
Seguindo esse enfoque, para=
Hassemer, o princípio da legalidade surgiu com=
o Iluminismo,
sendo expressão da autoconsciência burguesa frente ao poder
estatal que antes de simplesmente surgir enquanto Magna Charta Libertatum do delinquente surgiu,
primeiramente, como Magna Charta Libertatum do cidadão frente ao poder puni=
tivo
estatal (Hassemer, 2005, p. 332).
Relevante expoente no estudo
deste princípio foi Paulo João Alselmo=
span> Feuerbach, que possibilitou, no início do
século XIX, a formulação do brocardo latino que sintet=
iza
o princípio da legalidade: <=
span
class=3DSpellE>nullum crimen, nulla poena sine
praevia legem. Embora alguns doutrinadores afirm=
em que
o professor alemão Anselm Feuerbach
não foi o responsável pela elaboração da
fórmula latina ampla, ele entretanto orga=
nizou
um conjunto de fórmulas que abrangeram nulla poena sine=
lege;
nulla poena
Ela Castilho destacou que o
nascimento do princípio da legalidade, em sua formulaçã=
;o
final, deu-se nos Estados Unidos, logo alinhado ao sistema da common law=
,
que não preconiza a lei escrita como fonte primordial do direito. E =
tal
deveu-se em boa medida pela história de luta pela independência
norte-americana (Castilho, 1988, p. 17).&n=
bsp;
Cumpre destacar que, em
determinados contextos históricos e políticos o princí=
pio
da legalidade foi suprimido da legislação de alguns
países. Assim, por exemplo, na Alemanha, o Código Penal do Re=
ich
de 1871, modificado por lei de 28 de junho de 1935 suprimiu o princí=
pio
da legalidade e na ex-união soviética o artigo 16 do
Código Penal de 1926, possibilitava a analogia em normas penais
incriminadoras (Corrêa Junior; Shecaira, =
2002,
p. 75).
Fazendo um contraponto no q=
ue
tange à necessidade de observância do princípio da
legalidade ou reserva legal para a definição de crimes,
determinação e aplicação das penas, traz-se &ag=
rave;
colação algumas hipóteses, mencionadas pela doutrina, =
de
flagrante desrespeito às balizas da reserva legal.
Alguns autores costumam mencionar os julgamentos
ocorridos nos famosos Tribunais de Nuremberg<=
![if !supportFootnotes]>[1]<=
/span> e de Tóquio como exemplos de
violação do princípio da legalidade penal (reserva leg=
al e
anterioridade), visto que líderes políticos das
nações vencidas na Segunda Guerra foram condenados com base em
convenções estabelecidas após os fatos (Corrêa
Junior; Shecaira, 2002, p. 75).
No Brasil, o princípio da legalidade existe desde a
Constituição de 1824, sem jamais ter sido, formalmente, supri=
mido
de nossas constituições ou legislações penais e
fundamenta-se no liberalismo político, na democracia, na divis&atild=
e;o
de poderes e no princípio da culpabilidade (Souza; Japiassú,
2012, p. 76).
&=
nbsp; Consoante
o princípio da legalidade, a elaboração
das normas incriminadoras é função exclusiva da lei
(Toledo, 1994, p. 21). Trata-se de sua função constitu=
tiva
(Batista, 2011, p. 66). Isto é, nenhum fato pode ser considerado cri=
me e
nenhuma pena criminal pode ser imposta sem que antes da ocorrência de=
sse
fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando=
-lhe
a respectiva sanção penal (Bitencourt, 1995, p. 49). A lei de=
ve
definir com precisão, objetividade e clareza a conduta proibida,
evitando-se formulações vagas ou imprecisas, viés que
alguns doutrinadores denominam de taxatividade, princípio que decorr=
eria
do princípio da legalidade. A taxatividade determina no que tange &a=
grave;s
sanções penais, a impossibilidade de penas indeterminadas: =
8220;Cumpre, ainda,
mencionar que, no Direito Penal, está em consideração
à defesa do cidadão frente às proibições=
e
aos castigos arbitrários, razão pela qual o seu conteú=
do
material se concretiza na taxatividade dos delitos” (Souza; Japiassú, 2012, p. 77).
O princípio da
legalidade, construção teórica do modelo políti=
co e
jurídico inaugurado na Europa continental com a Revoluç&atild=
e;o
Francesa (Castilho, 1988, p. 13), não está adstrito aos crime=
s e
às penas, mas aplica-se também às contravenç&ot=
ilde;es
penais, às medidas de segurança e à execuç&atil=
de;o
penal. No que concerne à execução penal, em
função do preceituado no artigo 45 da LEP, a matéria
disciplinar igualmente estará submetida ao princípio da
legalidade. Segundo Nilo Batista, o referido princípio constitui-se =
na
chave mestra de qualquer sistema penal que pretenda-se<=
/span>
justo e racional (Batista, 2011, p. 63).
Com relação
à execução penal, Ela de
Castilho, em elucidadora afirmação, estabeleceu que o
princípio da legalidade, fundante do Estado de Direito, destina-se a
limitar a execução penal aos ditames legais, vez que a
execução é o aspecto dinâmico e concreto do dire=
ito.
Assim, desvinculou a ideia de execução enquanto relaç&=
atilde;o
de poder e estabeleceu que a própria finalidade da
execução penal deverá ser aquela explicitada na lei
(Castilho, 1988, p. 24).
O princípio da legalidade na execuçã=
;o
penal importa na reserva legal das regras sobre as modalidades de
execução das penas e medidas de segurança, de modo que=
o
poder discricionário seja restrito e se exerça dentro de limi=
tes
definidos. Importa também na reserva legal dos direitos e deveres, d=
as
faltas disciplinares e sanções correspondentes, a serem
estabelecidas de forma taxativa, à semelhança da previs&atild=
e;o
de crimes e penas no Direito Penal. As restrições de direitos
ficam sob reserva legal, evitando-se o uso de conceitos de sentido aberto
(Castilho, 1988, p. 25).
Ratificando a relevâ=
ncia
da legalidade, no âmbito da execução penal, Ela de Castilho mencionou que inúmeros pa&iacut=
e;ses
preocuparam-se com um tratamento constitucional da execução, =
em
função da relação conflituosa entre o Estado,
detentor do jus puniendi, e o i=
ndivíduo
detentor do jus libertatis.
Desta feita, prosseguiu a autora apontando a necessidade de
ampliação das normas constitucionais que tratem, por exemplo,=
da
reinserção social do apenado a despeito daquelas que já
existem procurando garantir a humanidade das penas (Castilho, 1988, p. 25-2=
6).
=
span>Shecaira e Corrêa Júnior cuidaram de enu=
nciar
que o sistema de penas, compatível com o Estado Democrático de
Direito, é o que estabelece penas determináveis dentro de
margens, havendo no preceito secundário das normas penais incriminad=
oras
a previsão de limites mínimos e máximos (Corrêa
Junior; Shecaira, 2002, p. 75).
O princípio da lega=
lidade
assegura a possibilidade de um prévio conhecimento dos crimes e das
penas, assim como também garante que o cidadão não seja
submetido à coerção penal. Cumpre
ressaltar que a coação é compatível com a
concepção kantiana do direito enquanto fundamento da liberdade
externa (Bobbio, 1995, p. 152), distinta daquela disposta em lei. De=
sta
feita, para que o Direito Penal possa atuar sob=
re a
esfera da individualidade, será necessário que existam
proibições casuísticas, previstas em lei. Caso a caso,=
o
legislador penal deve determinar quais condutas serão consideradas
proibidas. Maurach subdividiu o princípi=
o da
legalidade em quatro subprincípios (Toledo, 1994, p. 22):
O primeiro deles foi o consagrado nullum crimen, nulla poena
sine lege praevia=
i>,
segundo o qual será
necessária a existência formal de uma lei escrita anterior a
determinado fato para que este seja considerado um crime ou para agravar a
punibilidade. Assim, a alteração mais gravosa não
gerará aplicação retroativa (Souza; Japiassú,
2012, p. 78). O cidadão não poderá ser surpreendido pe=
la
criação de uma lei e pelo estabelecimento de uma pena. N&atil=
de;o
poderá haver regulamentação de matéria penal por
Medida Provisória (artigo 62, parágrafo 1º, inciso I,
alínea b, da CRFB/1988), pois tal matéria deve seguir o proce=
sso
legislativo constitucionalmente devido, senão haverá <=
/span>vício
de origem, que não convalesce mesmo ocorrendo posterior convers&atil=
de;o
em lei (Toledo, 1994, p. 24). crimen
A só existência de lei prévia n&atil=
de;o
basta, pois nela devem ser reunidos certos caracteres, quais sejam, a concr=
eta
definição de uma conduta, a delimitação de qual
conduta é compreendida e a delimitação de qual n&atild=
e;o
é compreendida. Dessa maneira, uma incriminação vaga e
indeterminada faz com que, em realidade, não haja lei definindo como
delituosa certa conduta, pois entrega, em última análise, a
identificação do fato punível ao arbítrio do in=
térprete
ou do aplicador. É também conhecido como princípio da
taxatividade (Souza; Japiassú, 2012, p. =
78).
&nb=
sp; =
Exclusivamente
a lei, em sentido estrito ou formal (Toledo, 1994, p. 23-24),
isto é, manifestação da vontade coletiva expressada
através de órgãos constitucionais, poderá defin=
ir
crimes e estabelecer penas, sendo assim, do rol do artigo 59 da
Constituição Federal de 1988, somente as três primeiras
espécies normativas são aptas a definição de cr=
imes
e a cominação de penas. Logo, para efeitos penais, o processo
legislativo compreende a elaboração de emendas à
Constituição; leis complementares e de leis ordinárias.
Não se admite a previsão de infrações penais, a
cominação de penas e medidas de segurança e a
criação de normas de outra natureza, penal, por meio de medid=
as
provisórias, de leis delegadas, de decretos legislativos e de
resoluções.
No que concerne às medidas
provisórias, a vedação constitucional é express=
a no
artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, alínea “b”=
;. Soma-se
a isso o fato da medida provisória, espécie do gênero l=
ei
delegada, tendo sua eficácia condicionada à
aprovação do Congresso Nacional, ter como entrave o disposto =
no
artigo 68, § 1º da CF/88, que veda a delegação em
matéria de direitos individuais (Toledo,
1994, p. 24).
Ora, a medida provisória, por
não ser lei, antes de sua aprovação pelo Congresso,
não pode instituir crime ou pena criminal. Se o faz, choca-se com o
princípio da reserva legal, apresentando vício de origem que
não convalesce pela sua eventual aprovação posterior,
já que pode provocar situações e males irrepará=
veis
(Toledo, 1994, p. 24).
Em
um Estado de Direito, o princípio da legalidade deve ser verificado =
nos
procedimentos pré-processuais, durante a=
fase
processual e na fase executória. Embora na prática fique
restrito, por inúmeras vezes, a elaboração dos preceit=
os
primários e secundários das normas penais incriminadoras.
Outrossim, a Constituição Federal de 1988 preceituou normas a=
tinentes
ao tratamento dos apenados e ao cumprimento das penas, tornando patente a
aplicação do referido princípio. Assim, as normas
elencadas no artigo 5º, incisos XLVIII, XLIX e L, determinando o respe=
ito
à integridade física e moral dos presos, o cumprimento da pen=
a em
estabelecimentos diversos, em função da natureza do delito, do
sexo do apenado e da sua faixa etária evidenciam que o postulado se
aplica à fase de execução da pena (Luisi,
2003, p. 18).
Nesse
sentido, discorrendo especificamente sobre os limites constitucionais e leg=
ais
da execução penal, Ela de Castilho
observou que a execução penal ao observar um conflito
infindável entre o Estado e o indivíduo exige
soluções políticas visando a garantir o respeito aos
direitos humanos (Castilho, 1988, p. 25-26).
A
permanência do princípio da legalidade como eixo estruturante =
do
Direito Penal revela sua vocação não apenas normativa,=
mas
essencialmente política. Em tempos pós-modernos, em que o Est=
ado
Democrático de Direito é desafiado por forças de
exceção, discursos de intolerância e pressões por
punições exemplares, reafirmar a legalidade significa manter =
viva
a função contra-hegemônica =
do
Direito Penal. A sua observância, nas fases legislativa, judicial e
executiva, representa não um formalismo vazio, mas a
concretização de um compromisso histórico com os direi=
tos
humanos, com a limitação do poder e com a previsibilidade das
sanções. A ruptura da legalidade penal, como demonstrado em
experiências autoritárias do século XX ou em
decisões contemporâneas marcadas pelo voluntarismo judicial, a=
bre
caminho à arbitrariedade e ao enfraquecimento do controle
democrático das instituições. Assim, a legalidade
não é um princípio do passado, mas uma exigência
permanente diante das novas tecnologias de vigilância, das polí=
;ticas
criminais emergentes e da globalização do punitivismo.
Mantê-la viva, lúcida e efetiva é reafirmar que o Direi=
to
Penal deve servir à liberdade, e não à opressão=
–
que deve proteger, e não castigar por conveniência
política. É esse o verdadeiro sentido da legalidade no
século XXI.
Nesse
sentido, o princípio da legalidade constitui um limite essencial do
poder punitivo, integrando os direitos fundamentais negativos e assegurando
previsibilidade e controle normativo. Ressalta, daí, que a legalidad=
e penal
é um pressuposto da legitimidade democrática da
jurisdição criminal, pois impede decisões penais basea=
das
em moralismos ou subjetivismos, vez que sem legalidade estrita não
há justiça penal possível.
Para
além das violações diretas, é urgente reconhecer
que o princípio da legalidade também sofre lesões
indiretas, muitas vezes mais sutis, porém igualmente graves, como oc=
orre
com a proliferação de tipos penais vagos, normas penais em
branco, crimes de perigo abstrato e responsabilizações por
condutas comissivas por omissão. Esses instrumentos, ainda que
formalmente legais, abalam a previsibilidade da norma penal, transferem
indevidamente o poder de criação normativa ao Judiciár=
io e
colocam em risco o ideal de segurança jurídica. O abuso desses
tipos penais fragiliza a legalidade restrita, favorecendo
interpretações discricionárias e abrindo espaço
para práticas penais seletivas e incompatíveis com os fundame=
ntos
do Estado de Direito. Nos crimes de perigo abstrato, por exemplo, rompe-se =
com
o nexo entre conduta e lesão, necessidade de lesividade, criminaliza=
ndo
puramente o risco presumido e antecipando o momento da punição
sem justa causa concreta. Já os crimes omissivos impróprios
frequentemente exigem um dever jurídico indeterminado, o que fere a
taxatividade e expõe o cidadão à incerteza
jurídica. Em um Estado que se pretende democrático, é
indispensável uma revisão crítica desses modelos penais
à luz do garantismo, não apenas como exigência
técnica, mas como compromisso político com a liberdade, a
igualdade e a limitação legítima do poder de punir.
Resgatar o princípio da legalidade em sua dimensão substancial
significa, portanto, rejeitar o arbítrio disfarçado de legali=
dade
e exigir leis claras, certas e proporcionais, que não sirvam ao
populismo punitivo e ao Direito Penal simbólico, mas à
proteção da cidadania.
=
span>Nesse
diapasão, pensar criticamente o sistema de justiça criminal
brasileiro exige reconhecer sua histórica seletividade, sua
funcionalidade político-social na gestão de corpos e
territórios vulnerabilizados e sua fragilidade democrática di=
ante
de pressões midiáticas e populistas. Logo, não h&aacut=
e;
como tratar o Direito Penal fora do contexto de poder em que ele se insere,
sendo necessário desvelar seus mecanismos simbólicos e sua
constante tendência à expansão. Nesse cenário, o
princípio da legalidade, consagrado no artigo 5º, XXXIX, da
Constituição Federal, é muito mais do que uma formalid=
ade
jurídica: é condição estrutural para a
contenção do arbítrio, para a racionalidade do sistema
penal e para a previsibilidade das consequências jurídicas dos
atos humanos. Sua violação abre espaço à
produção de normas vagas, imprecisas e indeterminadas, o que
resulta num Direito Penal de exceção travestido de normalidade
democrática.
Nessa perspectiva, a legal=
idade deve
ser compreendida em consonância com os postulados da
intervenção mínima e da fragmentariedade, funcionando =
como
trincheira contra o panpenalismo contempor&acir=
c;neo
e suas manifestações simbólicas.
Por fim, o uso exacerbado do Direito
Penal como resposta para todas as crises sociais apenas desloca o foco da
desigualdade estrutural, promovendo o encarceramento em massa e legitimando
práticas autoritárias. A legalidade não pode se reduzir
à mera existência de lei, mas deve englobar sua clareza, certe=
za e
acessibilidade, como forma de proteger o cidadão do poder punitivo
desmedido. É nesse ponto que a legalidade se revela elemento garanti=
dor
e contramajoritário, freando o populismo=
penal
e impondo limites constitucionais à sanha punit=
ivista
do Estado. Pensar um Direito Penal democrático, portanto, exige
restaurar a legalidade em sua plenitude: não apenas formal, mas
material, crítica e comprometida com a justiça, a dignidade da
pessoa humana e o Estado Constitucional e Democrático de Direito.
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[1]= Nesse sentido, Batista, 2011, p. 67.
Gisela França da=
Costa
O princípio da legalidade como limitador =
do
poder punitivo: relevância no Estado Democrático de Direito
&=
nbsp; &nbs=
p; &=
nbsp; &nbs=
p; &=
nbsp; &nbs=
p; &=
nbsp; &nbs=
p; &=
nbsp;
&=
nbsp; &nbs=
p; &=
nbsp; Direito
em Movimento, ISSN: 2238-7110, Rio de Janeiro, v. 23, e657, p. 1-9, 2025. &=
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|
DOI: 10.70622/2238-7110.2025.657 |