MIME-Version: 1.0 Content-Type: multipart/related; boundary="----=_NextPart_01DC5366.FA5ADA60" Este documento é uma Página da Web de Arquivo Único, também conhecido como Arquivo Web. Se você estiver lendo essa mensagem, o seu navegador ou editor não oferece suporte ao Arquivo Web. Baixe um navegador que ofereça suporte ao Arquivo Web. ------=_NextPart_01DC5366.FA5ADA60 Content-Location: file:///C:/F0BA8CCF/file7583.htm Content-Transfer-Encoding: quoted-printable Content-Type: text/html; charset="us-ascii"
Plain language in brazilian public administration: regulatory experiences and implementation challenges=
Guilherme Lima Cardozo=
span>=
* 
Resumo: Este artigo examina a relevân=
cia
da linguagem simples na comunicação governamental brasileira,
destacando seu papel na promoção da transparência,
inclusão social e eficiência administrativa. A partir de dados=
de alfabetização
de instituições como INAF e PISA, bem como análises de
estudos de caso, o texto discute as barreiras impostas pelo uso de linguagem
complexa e apresenta as diretrizes de simplificação textual.
Além disso, são abordadas iniciativas legais, como a
Política Municipal de Linguagem Simples de São Paulo, al&eacu=
te;m
das práticas de incentivo ao uso da Linguagem Simples no âmbit=
o do
Poder Judiciário, ilustrando boas práticas para
aplicação em escala nacional.
Palavras-chave: linguagem simples; governamental; judiciár= io; serviço público.
Abstract: <=
/span>This article explores the
significance of plain language in Brazilian government communication,
emphasizing its role in enhancing transparency, social inclusion, and
administrative efficiency. Drawing on literacy data from institutions such =
as
INAF and PIS, along with relevant case studies, it analyzes the barriers po=
sed
by complex language and offers guidelines for textual simplification.
Furthermore, it examines legal initiatives, including the Municipal Plain L=
anguage
Policy of São Paulo, and highlights efforts to advance the use of pl=
ain
language within the Judiciary, showcasing best practices for nationwide
implementation.
Keywords: plain language; government; judiciary; public service.
INTRODU&C= cedil;ÃO
=
A
utilização da linguagem simples na esfera pública emer=
ge
como uma condição essencial para garantir o acesso à
informação e o pleno exercício da cidadania. Embora se=
ja
tema de legislações recentes no Brasil, como o Decreto-Lei
59.067/19 e a Lei 17.316/20, o cenário nacional ainda enfrenta desaf=
ios
significativos. O advento da internet e a massificação das re=
des
sociais intensificaram a demanda por comunicação clara e
objetiva, tornando a linguagem simples uma ferramenta indispensável =
para
combater desigualdades e desinformação. A adoçã=
o de
uma comunicação mais acessível também est&aacut=
e;
diretamente relacionada à necessidade de incluir
populações marginalizadas nos processos decisórios e
informativos. Por isso, o presente estudo busca explorar a dimensão
prática da linguagem simples no Brasil, com foco em seus
benefícios, desafios e soluções implementáveis.=
A
teoria linguística de Roman Jakobson, que aborda as seis
funções da linguagem, fundamenta a necessidade de uma
comunicação focada no receptor da mensagem. Jakobson define a
função conativa como central em atos comunicativos voltados p=
ara
o público, estabelecendo um diálogo que priorize clareza e
ação. Estudos como os de Heloísa Fischer (2018)
reforçam a dimensão ética da linguagem simples, destac=
ando
sua contribuição para a acessibilidade e inclusão soci=
al.
A experiência de países como Estados Unidos e Inglaterra,
pioneiros no movimento de plain language, serve de referência para o
desenvolvimento de políticas semelhantes no Brasil. Esses paí=
ses
mostraram como uma comunicação acessível reduz custos
operacionais e aumenta a satisfação do cidadão com os
serviços públicos. No Brasil, iniciativas como o Programa
Municipal de Linguagem Simples de São Paulo representam avanç=
os
nesse campo, mas ainda são pontuais e precisam de maior
disseminação em esferas estaduais e federais. Esses
esforços devem considerar não apenas aspectos
linguísticos, mas também tecnológicos e culturais.
Este
estudo utiliza uma abordagem qualitativa e descritiva, fundamentada na
análise documental e em estudos de caso. Foram analisadas leis, como=
o
Decreto-Lei 59.067/19 e a Lei 17.316/20, e relatórios de
alfabetização do INAF Brasil 2018 e PISA 2018. Também
foram considerados exemplos práticos, como o uso de linguagem simple=
s na
Prefeitura de São Paulo, para identificar os impactos e desafios des=
sa
abordagem. Além disso, foi realizada uma revisão
bibliográfica sobre as funções da linguagem e os
princípios de comunicação acessível, com base em
autores como Fischer e Jakobson. Os dados foram organizados para permitir u=
ma
discussão comparativa entre a realidade brasileira e as melhores
práticas internacionais.
=
1.&n=
bsp;
PRIMEIROS DESAFIOS
Falar em linguagem simples no âmbito do servi&ccedi=
l;o
público não é novidade, mas ainda soa como uma
contradição para a maioria das pessoas. Embora existam at&eac=
ute;
leis que disponham acerca do uso da linguagem simples nas esferas
públicas, não é preciso ser um observador exímio
para constatar que a linguagem tomada como padrão pelos poderes
representantes do Estado se vale da prolixidade, às vezes carregada =
de
jargões, siglas, estrangeirismos e construções
sintáticas extremamente complexas e incomuns na escrita cotidiana.
O tema “linguagem simples” emerge como
condição fundamental para que Poder Público e sociedade
possam, enfim, fazer valer as premissas da isonomia, da publicidade e da
eficiência, visto que é impossível cumprir esses
princípios tão arraigados da Administração
Pública sem que um órgão emissor de um texto legal
não entenda que seu público-alvo é uma sociedade heter=
ogênea
em todos os matizes e nem todos gozam de uma capacidade de leitura e
interpretação proficiente.
Países como Estados Unidos e Inglaterra, já=
na
década de 1940, deram o primeiro passo para uma
simplificação da linguagem burocrática dos
órgãos estatais, contudo, no Brasil, esse movimento só
chegou decisivamente na época da pandemia derivada da covid-19,
primeiramente com o Decreto-Lei 59.067/19 e, posteriormente, com a Lei
17.316/20, ambos legislando sobre a instituição de uma lingua=
gem
simples das administrações direta e indireta no municí=
pio
de São Paulo.
O advento da internet e a massificação das =
redes
sociais em nosso país intensificaram a necessidade de se comunicar c=
om
mais clareza e objetividade em todos os setores sociais: como proporcionar =
uma
campanha de vacinação em massa se as pessoas não
entenderem o que fazer, como fazer, onde e por que fazer? De que maneira
facilitar a declaração de imposto de renda se não houv=
er
uma escolha de palavras compatíveis com o uso comum dos usuár=
ios
da língua? Como proporcionar informação de benef&iacut=
e;cios
aos utentes desses serviços se elementos básicos da
comunicação permanecerem escondidos pela cortina de fuma&cced=
il;a
das frases elaboradas, como se fossem compêndios literários do
século XV?
Na chamada Era da Informação, em que vivemo=
s o
auge da revolução tecnológica, é preciso elimin=
ar
os obstáculos linguísticos que impedem o exercício ple=
no
da cidadania por parte da maioria dos brasileiros. Vale ressaltar que, sob o
espectro das informações falaciosas (fake news), quanto menos obscura for a mensagem, quanto mais cl=
ara
for a comunicação, quanto mais pessoas forem abarcadas pelos
processos de linguagem em jogo, cada vez menos a sociedade ficará
vulnerável à disseminação de inverdades.
Neste próximo capítulo, veremos alguns
números concernentes à capacidade de decodificaç&atild=
e;o
de um texto complexo por parte dos integrantes da sociedade brasileira,
analisando dados divulgados por algumas instituições de pesqu=
isa
acerca do nível de alfabetização nacional.
2 DADOS SOBRE ALFABETIZAÇÃ=
;O
Vejamos alguns dados divulgados por pesquisas realizadas
pelos órgãos PISA Brasil, Instituto Paulo Montenegro (INAF
Brasil) e ONG Ação Educativa, todas no ano de 2018.
Imagem 1 – Dados da alfabetização no
Brasil

Fonte: Instituto Paulo Montegro - INAF Brasil (2018)
Imagem 2 – Dados de níveis de leitura no Ens=
ino
Médio

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (2018)
Imagem 3 – Resumo dos dados sobre níveis de
leitura no Brasil

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (2018)
Os números procedentes da pesquisa INAF Brasil 201=
8,
entre pessoas com 15 e 64 anos de idade, falam por si: apenas 12% são
plenamente capazes de ler e interpretar textos com relativa complexidade, t=
ais
quais os textos provenientes de órgãos públicos. Mais =
alarmantes
ainda são os números do PISA Brasil: menos de 1% dos alunos t=
êm
nível máximo de leitura, ou seja, são plenamente capaz=
es
de compreender textos longos, lidar com conceitos abstratos e diferenciar u=
ma
opinião de um fato dentro de um texto. O grau de dificuldade de leit=
ores
em língua portuguesa é referendado por ambas as pesquisas, o =
que
reforça ainda mais a importância de uma ação efe=
tiva
como a utilização de uma linguagem mais próxima do
entendimento dos cidadãos.
Dados retirados de estudos feitos pela ONG Aç&atil=
de;o
Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro (INAF) mostram que três em
cada dez brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais, =
ou
seja, 30% de nossa população ativa economicamente não =
tem
condições de entender textos simples. Apenas 37% desse
público tem nível de alfabetismo considerado proficiente ou i=
ntermediário,
de forma que tem instrumentos suficientes para reconhecer elementos textuais
complexos, figuras de linguagem, pontuação, bem como
períodos mais longos.
É com esses números em mãos que pode=
mos
trazer à baila uma pesquisa feita pela jornalista Heloísa Fis=
cher
(2018), a qual, visando à aplicação de uma linguagem m=
ais
simples em textos governamentais, trouxe 20 dicas para a
aplicação de uma comunicação muito mais
acessível para a população.
3 SETE DICAS PARA UMA LINGUAGEM SIMPLES=
O linguista russo Roman Jakobson, em sua obra Linguística e
Comunicação (1976), fala sobre seis funções
primordiais da linguagem humana no ato da comunicação. São elas: funç&atild=
e;o
emotiva, função conativa, função informativa,
função metalinguística, função
fática, função poética.
A primeira dica de que nos valeremos para uma linguagem
simples está no âmbito da ética: a empatia. Segundo a
pesquisadora Heloísa Fischer, autora do livro Clareza em textos de e-gov, uma questão de cidadania (20=
18),
e do projeto Comunica Simples: ler,
entender e agir, o princípio da linguagem empática &eacut=
e;
ser o responsável fundamental pelas bases de uma
comunicação simples, dialogando com a função
conativa (ou apelativa) de Jakobson, em que o foco da interlocuç&ati=
lde;o
é o receptor da mensagem, ou seja, a pessoa que recebe o texto emiti=
do.
A dimensão ética vai abarcar essa preocupação
basilar dos atos comunicativos nas esferas públicas: o olhar para o
outro.
3.1 Empatia
Segundo o dicionário on-line Michaelis, a palavra empatia tem como
definição “a habilidade de se imaginar no lugar de outra
pessoa; compreensão dos sentimentos, desejos, ideias e
ações de outrem [...]”(Empatia [...], [2025]). Dessa fo=
rma,
para uma comunicação se alçar como simples, é
preciso conhecer o público-alvo das mensagens veiculadas e, na maior=
ia
das vezes, a linguagem das esferas públicas, seja no âmbito
legislativo, executivo ou judiciário, tem como destinatário o
corpo social, composto em grande parte, como já vimos no capí=
tulo
2, por pessoas com extrema dificuldade de compreender textos básicos,
quanto mais os complexos.
A empatia, quando trazida à elaboraçã=
;o
dos textos, deve estar sempre voltada à compreensão desse
público leitor extremamente heterogêneo. No entanto, sair do
território do conhecimento acadêmico/burocrático, reple=
to
de jargões, siglas, termos anacrônicos e de pouco uso, realiza=
ndo,
assim, a transferência para o universo dos leitores não &eacut=
e;
tarefa fácil. Por isso é sempre importante frisar que estamos
escrevendo para pessoas, e não para reafirmar uma característ=
ica
estilística daquele gênero textual (ex.: vou produzir um
acórdão valendo-me do maior número de latinismo
possível, para mostrar mais conhecimento).
Um detalhe muito importante da empatia, segundo as pesqui=
sas
de Heloísa Fischer (2018), é que um número
considerável de pessoas acessam os serviços públicos e=
os
seus respectivos textos pelo celular. Sendo assim, é preciso que os
elaboradores da comunicação institucional estejam cada vez ma=
is
atentos ao uso das telas pequenas: 97% das pessoas acessam serviços =
pelo
celular e 56% acessam apenas pelo celular, ou seja, é uma parcela da
sociedade da qual não se pode prescindir na elaboração=
de
textos que sejam acessíveis não somente do ponto de vista
textual, mas também formal. Vale mais uma vez recordar os dados do I=
NAF,
os quais nos mostram que 29% das pessoas entre 15 e 64 anos são
analfabetos funcionais e 34% têm uma compreensão elementar de
textos, e apenas 12% conseguem ler textos longos e complexos. Além d=
os
dados do PISA, mostrando que somente 0,2% dessas pessoas têm ní=
;vel
máximo de leitura, ou seja, capacidade para acessar o juridiquê=
;s
ou o burocratês das instituições públicas, por
exemplo.
3.2 Hierarquia
A hierarquia trabalha pela simplificação e
facilitação da leitura, em relação à for=
ma
com que o conteúdo aparece para o leitor, de forma que a parte mais
importante da mensagem apareça primeiro, e assim sucessivamente. No
jornalismo, essa técnica é chamada de lead jornalístico dentro da pirâmide invertida, e =
as
informações se organizam de modo que o essencial esteja no
início do texto e de forma destacada (as manchetes devem sintetizar o
elemento primordial da mensagem), sendo complementadas, seguidamente, pelas
informações importantes, complementares e auxiliares. É
nessa organização que consiste o princípio da hierarqu=
ia
na linguagem simples, conforme vemos na gravura abaixo.
Imagem 4 – Dica para uma linguagem simples: a
“pirâmide invertida”


Fonte: Fisher (2018)
Com os níveis de atenção dos leitores
cada vez mais fragmentados – isso somado ao acesso majoritário=
de
textos pelos celulares – faz-se necessário que os textos sejam
construídos para facilitar a identificação das ideias =
mais
importantes por parte do público-alvo.
Vejamos um exemplo de construção textual em=
uma
plataforma de empresa pública, sobre assunto de vasto interesse soci=
al
(cadastro em programas de bolsas), em que a forma como o conteúdo
aparece não se apresenta da melhor maneira possível, segundo a
pirâmide invertida e a diretriz da hierarquia de
informações.
Imagem 5 – Exemplo de linguagem simples em textos
governamentais

Fonte:
https://www.caixa.gov.br/atendimento/aplicativos/bolsa-familia/Paginas/defa=
ult.aspx
Reorganizando o texto de maneira hierárquica,
percebemos que há extratos de informações essenciais
“perdidos” no último parágrafo, onde, se levarmos=
em
consideração a pirâmide invertida, deveriam estar no to=
po
do texto (já que a instituição que realiza o cadastro
é informação preponderante para sua
realização). Outra má formação é a
colocação no meio do segundo parágrafo de um elemento =
que
normalmente encerra os textos informativos (no caso, o site com
informações complementares). Dessa forma, uma reescritura nos
daria o seguinte resultado:
Imagem 6 – Reescritura de textos governamentais em
linguagem simples

Fonte:
https://www.caixa.gov.br/atendimento/aplicativos/bolsa-familia/Paginas/defa=
ult.aspx
A escolha de uma
palavra dentro de um texto precisa obedecer a um critério de
simplicidade, sem que isso signifique tornar a construção
sintático-semântica simplória. Utilizar palavras conhec=
idas
torna o texto mais acessível a um número maior de leitores e
atinge com mais garantia um objetivo primordial das comunicaçõ=
;es
públicas: a capacidade de responsividade.
Um texto responsivo
é aquele que gera naturalmente uma resposta positiva e esperada por
parte de seu receptor (leitor/interlocutor), e quanto mais simples a lingua=
gem
for, quanto mais palavras conhecidas pelo público em geral o texto
contiver, melhor será o retorno.
Em textos
governamentais, seja da esfera jurídica, legislativa ou proveniente =
do Poder
Executivo, há uma tendência à utilização =
de
palavras mais rebuscadas, incomuns e atinentes a um jargão denominado
“juridiquês”. Um exemplo para=
nossa
análise:
Imagem 7 – Exemplo de Jurisdiquês
<=
!--[if gte vml 1]>
Fonte: ESAJ (2023)
<= o:p>
S=
implificando
a linguagem, trocando as palavras menos comuns por mais conhecidas do
público em geral, teríamos:
è Um
recurso, para ser recebido pelos tribunais superiores, deve abordar
matéria explicitamente tocada pelo tribunal inferior ao julgar a cau=
sa.
Isso não ocorrendo, será pura e simplesmente rejeitado, sem e=
xame
do mérito da questão.
Vale dizer que usar
palavras conhecidas não significa abrir mão da formalidade,
tampouco descaracterizar o gênero textual jurídico, que comume=
nte
utiliza um léxico mais específico.
3.4 Palavra concreta
Outra dica para
elaboração de textos com linguagem simples é evitar o =
uso
de substantivos abstratos ou de palavras que invoquem abstraçõ=
;es.
Em seu lugar, é preferível sempre o uso de palavras concretas.
Não é uma questão de preferência ou
estilística, todavia dados do INAF e do PISA:
Imagem 8 – Dificuldades
textuais em números
<=
!--[if gte vml 1]>
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (2018)
Assim sendo, a
orientação é simples: já que as palavras abstra=
tas
não funcionam como elementos que favoreçam a
construção da textualidade, deve-se fugir desses substantivos=
e
das nominalizações.
Entende-se por
- O processamento =
de
tais atividades não goza de legalidade.
- Processar tais
atividades é ilegal (sem nominalizaç&oti=
lde;es).
É comum em
textos legais ou emitidos por instituições governamentais o u=
so
recorrente de nominalizações, por=
mais
que o apelo aos sentimentos, conceitos e estados sejam bem mais presentes em
textos de natureza literária.
Há, ainda, o risco de que essas
abstrações apareçam nas falas dos agentes públi=
cos,
quando do atendimento a uma parte em suas repartições
respectivas. Na frase “O processamento da prorrogação do
pedido de guarda leva um mês”, observem que temos quatro nominalizações. Não necessariame=
nte
precisamos eliminar todas, mas podemos melhorar e simplificar a
construção: “Prorrogar o pedido de guarda leva um
mês”.
Na construção do texto dent=
ro da
linguagem simples, partimos do macro para o micro, em que a empatia é=
; o
ponto de partida, seguida da organização hierárquica d=
as
informações dentro do texto, o qual deve contar preferencialm=
ente
com palavras conhecidas pelo público-alvo e que estas sejam concreta=
s.
No âmbito da frase construída, vamos ver como a extensão
delas influencia na compreensão geral.
3.5 Frase curta
Para melhor
compreensão textual, analisando o público-alvo das
comunicações institucionais, é importante abdicar do q=
ue
na gramática chamamos de período composto por
subordinação em larga escala. Em meios de
comunicação como revistas acadêmicas e jornais como O G=
lobo
e Folha de São Paulo, cujo público leitor detém maior
escolaridade, a construção das frases se dá com maior
recorrência à subordinação, em vez da
coordenação. Vejamos a diferença:
è Períodos
compostos por coordenação:
segundo Bechara (2009), ocorrem em frases mais curtas, conectando
orações com a mesma função sintática.
Regem-se pelas conjunções aditivas (e, nem, mas, também
etc.), adversativas (mas, porém, contudo, todavia etc.), alternativa
(ou...ou, quer...quer... etc.), conclusiva (logo, portanto etc.) e explicat=
iva
(porque, pois etc.).
Ex.:
As inscrições para obter o benefício vão at&eac=
ute;
o dia 30 de julho, mas se recomenda que sejam realizadas até o dia 1=
5 do
mesmo mês.
è Períodos co=
mpostos
por subordinação: conforme
Bechara (2009), ocorrem em frases mais complexas, conectando
orações mais longas e hierarquicamente diferentes. Regem-se p=
or
conjunções de naturezas causal, conformativa, condicional,
consecutiva, final, proporcional, temporal, concessiva, modal e comparativa=
s.
Ex.:
Antes que se esgote o prazo, é importante realizar o cadastro para
recepção do benefício, mesmo que exista possibilidade =
de
prorrogação da data-limite, caso seja necessário, a fi=
m de
atender a grande parte da população.
Algumas diretrizes
internacionais recomendam que frases curtas devem ter entre 20 a 25 palavra=
s, que
é o tamanho ideal para que haja maior grau de compreensão pelo
menor esforço dispensado.
3.6 Ordem Direta
Pelo que temos vis=
to
no decorrer deste material, a dificuldade de compreensão plena de te=
xtos
é algo que já ocorre nas esferas mais simples de
produção textual. Esse ruído é acentuado quando
esses mesmos textos estão em uma ordem inversa, ou seja, quando o
sujeito de um verbo está distante desse =
span>por
conta de uma locução ou oração adverbial
intercalada, ou quando o complemento inicia a oração e o suje=
ito
está tão longe que não é percebido pelo leitor.=
Um
exemplo clássico são as estrofes iniciais de nosso hino nacio=
nal:
è Ouviram
do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante
(...) à
ORDEM INDIRETA
è As
margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo
heroico (...) à
ORDEM DIRETA
Vejamos um exemplo=
de
como isso se aplica a um texto da Secretaria de Saúde do Rio de Jane=
iro,
em uma plataforma digital:
Imagem 9 – Inversão da ordem direta em text=
os
governamentais
<=
!--[if gte vml 1]>
Fonte: https://www.gov.br/saud=
e/pt-br/campanhas-da-saude/2023/covid-19/tratamento
Estamos diante de =
uma
construção frasal com oração intercalada e ordem
indireta. O recomendado, segundo as dicas da linguagem simples, seria o
seguinte:
è Os
pacientes são curados sozinhos na maioria dos casos, como acontece c=
om
as gripes.
3.7
Hora de fazer um diagnóstico
Considere o texto
abaixo, retirado de uma FAQ relativa à declaração de
Imposto de Renda.
Imagem 10 –
Diagnóstico de linguagem simples em textos governamentais
<=
!--[if gte vml 1]>
Após a
elaboração do texto, é preponderante fazer a
conferência de todos os passos para uma linguagem simples: há =
consideração
pelo potencial leitor desse texto? O texto está obedecendo a uma
sequência lógica? Há palavras pouco comuns? Substantivos
abstratos em demasia? Frases longas e na ordem indireta?
Após o
diagnóstico necessário, observamos que há um grau alto=
de
palavras pouco comuns na sentença em destaque, além de palavr=
as
abstratas e frases longas, tais como:
è “Laços
de parentesco”, “efetivo”, “condições
suficientes”, “permitir sua dedução”,
“suporta o encargo”, “beneficiado” e
“enquadrado” podem ser exemplos de palavras pouco comuns para
grande parte do público jurisdicionado.
è “Pagamento
das despesas com a instrução” é uma
construção que se vale de palavras abstratas que poderiam ser
trocadas por outra classe de palavras.
è A
primeira frase tem mais de 25 palavras, portanto, conforme diretrizes
internacionais, é considerada uma frase longa.
è Você
só pode deduzir o gasto com estudos se o parente for seu dependente
legal.
4
EXEMPLO PRÁTICO: LINGUAGEM SIMPLES NA PREFEITURA DE SÃO PAULO=
E
NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
O
incentivo ao uso da linguagem simples em ambientes governamentais é =
um movimento
que ganha, cada vez mais, alcance global desde a década de 1940, nos
Estados Unidos e na Inglaterra, com a chamada plain language. E essa iniciativa fez co=
m que
hoje pelo menos 15 países usem a linguagem simples em seus textos por
força de lei.
A experiênci=
a da
Prefeitura de São Paulo é um marco no Brasil. A Lei 17.316/20
institucionaliza a linguagem simples nos atos administrativos, reduzindo
barreiras de acesso e promovendo transparência. Essa iniciativa inclui
princípios como foco no cidadão, uso de linguagem inclusiva e
eliminação de jargões. Resultados preliminares mostram
aumento na satisfação dos usuários e reduç&atil=
de;o
no tempo de atendimento. Embora positiva, a implementação
enfrentou desafios, como resistências internas e a necessidade de cap=
acitação
de servidores. Para expandir o impacto, é crucial que outras prefeit=
uras
adotem medidas semelhantes e que haja incentivo à
uniformização de diretrizes nacionais.
4.1 Visual Law: estratégia de acessibili=
dade
=
O Direito em Imagem, chamado Visual
Law, surge como uma metodologia para tornar a comunicação
jurídica mais acessível a todos, através da
utilização de recursos visuais, tais como imagens,
infográficos e vídeos.
=
Nesse contexto, foi elaborado o
presente Vocabulário de Imagens do TJRJ – a ser usado como fon=
te
única de imagens para todos os projetos do TJRJ que venham a utiliza=
r a
técnica do Visual Law – com o objetivo de padronizar os
“pictogramas”, que são as representações g=
ráficas
de conceitos por meio de imagens simples e intuitivas.
=
Por fim, o visual dos documentos
jurídicos torna-se mais compreensível, especialmente
àquelas pessoas que têm pouco ou nenhum conhecimento na
área do Direito, atendendo, assim, às diretrizes internaciona=
is
de Linguagem Simples. Isso po=
rque
as pessoas poderão localizar, entender e utilizar as
informações de que necessitam, dispensando
intermediários.
=
Visual Law é uma abordagem q=
ue
utiliza elementos visuais, como gráficos, diagramas,
infográficos, vídeos e outras representações
visuais, para comunicar conceitos jurídicos de forma mais
acessível e compreensível. Essa técnica busca transfor=
mar
informações legais complexas em formatos visuais que sã=
;o
mais fáceis de assimilar e entender por pessoas que não t&eci=
rc;m
formação jurídica específica.
=
O Visual Law pode ser aplicado em
diversas áreas do direito, como contratos, processos judiciais,
regulamentações, políticas corporativas, entre outros.
Utiliza-se da combinação de texto e elementos visuais para
simplificar a explicação de termos legais, tornar mais claro o
funcionamento de processos legais e facilitar a interpretação=
de
documentos jurídicos.
=
Essa abordagem é especialmen=
te
útil em um contexto em que a comunicação clara e
acessível é essencial para garantir que todas as partes
envolvidas compreendam completamente os termos, implicações e
procedimentos legais relevantes.
=
O Visual Law pode ajudar na linguag=
em
jurídica de várias maneiras:
=
1. Acessibilidade e Compreens&atild=
e;o:
A linguagem jurídica tradicional pode ser complexa e difícil =
de
entender para pessoas sem formação específica na
área. Utilizando elementos visuais, como infográficos e
diagramas, a Visual Law torna os conceitos legais mais acessíveis e
compreensíveis para um público mais amplo.
= 2. Clareza na Comunicação: Muitos documentos jurídicos são de= nsos e cheios de termos técnicos. A Visual Law permite simplificar essa linguagem complexa, destacando os pontos principais e facilitando a identificação de informações relevantes. <= o:p>
=
3. Instrução e
Educação: No contexto educacional e de treinamento, a Visual =
Law
pode ser uma ferramenta poderosa para ensinar estudantes de direito e
profissionais jurídicos sobre processos, leis e jurisprudência=
de
uma maneira mais visual e memorável.
=
4. Melhoria na Tomada de
Decisão: Ao apresentar informações jurídicas de=
forma
visual, advogados, juízes e outras partes envolvidas em processos le=
gais
podem tomar decisões mais informadas e eficazes, pois conseguem
compreender rapidamente os pontos principais e as implicações
legais.
=
5. Apresentação de
Evidências: Em processos judiciais, gráficos, tabelas e outros
elementos visuais podem ser usados para apresentar evidências de uma
maneira mais clara e convincente, ajudando a apoiar argumentos juríd=
icos
de forma visualmente impactante.
=
6. Transparência e Conformida=
de:
No contexto empresarial, a Visual Law pode ser usada para comunicar
políticas internas, regulamentos e conformidade legal de maneira mais
transparente e compreensível para funcionários e partes
interessadas.
=
Em resumo, a Visual Law complementa=
a
linguagem jurídica tradicional ao tornar informações
legais mais acessíveis, claras e visualmente atraentes, promovendo u=
ma
melhor compreensão e aplicação das leis e regulamentos=
.
=
Retira=
mos
um exemplo de Visual Law de uma sentença da 1ª Vara Criminal de
Ponta Grossa/PR, em que contemplamos a sentença, sem seu formato mais
tradicional, seguida de um resumo da sentença, conforme se pode conf=
erir
abaixo:
=
=
Imagem 11 – Resumo de
Sentença

Fonte: CONJUR (20=
21)
Vê-se a utilização de uma linguagem simple=
s,
acompanhada de elementos visuais que facilitam bastante a compreensão
pelo usuário. Essa iniciativa torna pragmático muito do que
analisamos neste artigo.
A adoç&atil= de;o da linguagem simples no Brasil representa um passo importante para reduzir desigualdades e aumentar a eficiência na comunicação pública. No entanto, é essencial expandir essas iniciativas p= ara âmbitos estaduais e federais, além de capacitar servidores públicos para a aplicação eficaz das diretrizes. A inclusão de tecnologias e a revisão contínua das práticas comunicativas são fundamentais para garantir o suces= so a longo prazo. Recomenda-se também que futuras pesquisas explorem o impacto econômico da linguagem simples, bem como seu potencial para transformar outras áreas, como educação e saúde, ampliando os horizontes de sua aplicação. Em última análise, vale sempre lembrar as sete diretrizes da linguagem simples, desenvolvida por Heloísa Fischer (2018) e incorporada por este minicurso, a fim de refletirmos sempre quanto à nossa comunicação diante da sociedade, especialmente quando representamos um órgão do governo. A empatia deve ser o ponto= de partida; sem ela jamais chegaremos aos nossos leitores. E uma avaliação da construção textual, ao final de tu= do, é condição sine qua non para que o objetivo primordial seja resguardado: atingir o máximo de pessoas de forma plena. Afinal, a finalidade mor da comunicação é produzir resposta por = meio da compreensão dos códigos linguísticos. E nada mais g= arantidor desses fins do que instrumentalizar as comunicações oficiais = com a linguagem simples.
=
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=
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atilde;o
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTAD=
O DO
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es.
Rio de Janeiro: 2023.
* Doutor em Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), tendo realizado Doutorado-Sanduíche (Split PhD) na Universidade de Coimbra/Portugal. Mestre em Estudos da Linguagem pela PUC-Rio. Graduado em Letras – Português-Italiano pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UER= J) e licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Atualmente faz pós-doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).