DOI: 10.70622/2238-7110.2025.667
INJUSTIÇA EPISTÊMICA NAS NARRATIVAS DE VIOLÊNCIA
OBSTÉTRICA
Epistemic injustice in narratives of obstetric violence
Resumo: Este artigo analisa a injustiça epistêmica no contexto da violência obstétrica, com base na teoria de Miranda Fricker. O objetivo é demonstrar como as experiências de mulheres que vivenciam abusos durante o parto são sistematicamente silenciadas e invalidadas por profissionais de saúde e pelo sistema de justiça, em razão de estereótipos de gênero que comprometem a credibilidade de suas narrativas. Metodologicamente, adota-se abordagem qualitativa e teórico-conceitual, com análise documental e bibliográfica, a partir de marcos normativos nacionais e internacionais, como o caso
S.F.M. vs. Espanha analisado pelo comitê CEDAW. Os resultados indicam que a violência obstétrica não apenas viola direitos humanos fundamentais, mas também perpetua um sistema de exclusão epistêmica ao negar às mulheres o status de sujeitos de conhecimento. A injustiça epistêmica é reforçada por práticas institucionais que negam escuta qualificada, ignoram evidências científicas e reiteram o domínio de um saber médico hegemônico e autoritário. Conclui-se que o enfrentamento da violência obstétrica exige a valorização da autoridade epistêmica das mulheres e a transformação
* Pós-doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Doutora em Ciências Jurídico- Políticas pela Universidade de Lisboa (2023). Possui graduação em Administração pela União das Escolas Superiores do Pará (1989), graduação em Direito pela Universidade Federal do Pará (1991) e mestrado em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa (2008). Atualmente é secretária da Escola Nacional de Magistratura, membro de comissão de heteroidentificação, da Comissão de Memória e da Participação Feminina - Tribunal de Justiça do Amapá, docente colaboradora da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, professora da Escola da Magistratura do Amapá, juíza de direito e de Cooperação - Tribunal de Justiça do Estado do Amapá. Vice-presidente do IBDFAM/AP.
** Mestranda em Direito na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões
pela Escola Paulista
de Direitos EPD (2011) e em Direito
Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUC-RS (2020).
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de
Presidente Prudente (2002). Defensora pública na Defensoria Pública do Estado
de MS (desde 2005). Foi coordenadora do Núcleo Institucional de Promoção e
Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul de
2019 a 2023.
*** Mestranda em Direito na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Pesquisadora do grupo de pesquisa (CNPQ) Direitos Humanos, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Global. Pesquisadora do grupo de pesquisa (CNPQ) Direito Internacional, Direitos Humanos e Relações Transfronteiriças. Colaboradora da Liga de Direito Ecológico (LADE) da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Submissão em: 24/07/2025 | Aprovação em: 30/07/2025 e 12/08/2025
Editora: Cristina Tereza Gaulia ![]()
cultural das instituições de saúde e justiça, a partir de uma perspectiva interseccional e de direitos humanos, que reconheça o parto como um espaço legítimo de dignidade, autonomia e decisão.
Palavras-chave: direitos sexuais e reprodutivos; injustiça epistêmica; parto humanizado; violência de gênero; violência obstétrica.
Abstract: This article analyzes epistemic injustice in the context of obstetric violence, based on Miranda Fricker’s theoretical framework. The aim is to demonstrate how the experiences of women subjected to abuse during childbirth are systematically silenced and invalidated by healthcare professionals and the justice system, due to gender stereotypes that undermine the credibility of their narratives. Methodologically, the study adopts a qualitative and theoretical-conceptual approach, with documentary and bibliographic analysis grounded in national and international normative frameworks, such as the case S.F.M. v. Spain, reviewed by the CEDAW Committee. The findings indicate that obstetric violence not only violates fundamental human rights, but also perpetuates a system of epistemic exclusion by denying women the status of knowers. Epistemic injustice is reinforced by institutional practices that deny qualified listening, ignore scientific evidence, and uphold the dominance of a hegemonic and authoritarian medical epistemology. The study concludes that confronting obstetric violence requires the recognition of women’s epistemic authority and the cultural transformation of health and justice institutions, through an intersectional and human rights- based perspective that acknowledges childbirth as a legitimate space of dignity, autonomy, and informed decision-making.
keywords: sexual and reproductive rights; epistemic injustice; humanized childbirth; gender-based violence; obstetric violence.
A busca pela definição de justiça é um obstáculo perpetuado através da evolução social, sendo a exploração da injustiça um tema ainda mais complexo. Nesse contexto, a teoria do poder revela um cenário conflituoso em que os dominantes buscam manter suas posições de controle, enquanto os dominados aspiram à aquisição de poder. É nesse interstício que emergem as injustiças.
Introduzida inicialmente por Miranda Fricker em sua obra Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing (2007), a noção de injustiça epistêmica ilumina as falhas estruturais que desvalorizam as contribuições de indivíduos ou grupos marginalizados, especialmente os pertencentes a minorias sociais.
A injustiça epistêmica pode ser dividida, de acordo com Fricker, em duas categorias principais: a injustiça testemunhal, que diz respeito à desconsideração do testemunho de indivíduos em virtude de preconceitos relacionados a gênero, raça ou classe social, levando à marginalização de suas vozes, e a injustiça hermenêutica, que se manifesta quando um grupo não dispõe de recursos interpretativos adequados para compreender e expressar suas próprias experiências, em virtude de lacunas estruturais no imaginário social.
No contexto da violência obstétrica, ambas as formas de injustiça epistêmica se entrelaçam. As mulheres frequentemente têm suas narrativas de dor, desconforto ou resistência desacreditadas
por profissionais de saúde e operadores do sistema de justiça, o que fere sua dignidade e caracteriza a injustiça testemunhal. Ao mesmo tempo, muitas sequer conseguem nomear ou reconhecer como violência as práticas desrespeitosas a que foram submetidas, por falta de categorias sociais amplamente reconhecidas – o que evidencia a injustiça hermenêutica.
O presente artigo pretende examinar a violência obstétrica como fenômeno atravessado por dinâmicas epistêmicas de silenciamento, deslegitimação e apagamento. O objetivo é não apenas elucidar as nuances dessas injustiças, mas também discutir suas implicações para promover uma prática obstétrica mais justa e igualitária, na qual todas as vozes sejam reconhecidas e valorizadas.
A abordagem proposta parte da compreensão de que a violência obstétrica, enquanto forma de violência de gênero, está inserida em um contexto mais amplo de exclusão epistêmica, em que os saberes das mulheres – especialmente das mulheres negras, periféricas ou em situação de vulnerabilidade – são sistematicamente subalternizados no interior das instituições. Trata-se, portanto, de compreender como os preconceitos estruturais operam no campo da saúde reprodutiva, negando às mulheres o direito de interpretar, nomear e reivindicar suas experiências.
Ao longo do texto, explora-se a teoria de Fricker como marco conceitual para identificar os mecanismos pelos quais a palavra da mulher é desconsiderada, tanto no momento da vivência da violência quanto na sua tentativa de denúncia, reparação ou ressignificação. Também se examinam exemplos concretos, como o caso S.F.M. vs. Espanha, analisado pelo Comitê da CEDAW, em que a injustiça epistêmica se manifestou de maneira explícita tanto no atendimento obstétrico quanto na atuação do sistema de justiça.
A análise proposta considera, também, a importância de se construir práticas institucionais que valorizem a escuta qualificada, o consentimento informado, a autonomia reprodutiva e a medicina baseada em evidências científicas como eixos centrais para o enfrentamento da violência obstétrica. Para isso, é necessário romper com o paradigma médico hegemônico que exclui a mulher do centro das decisões e reposicioná-la como sujeito de direitos.
Assim, ao evidenciar os vínculos entre epistemologia, gênero e saúde, este artigo busca contribuir para a consolidação de uma agenda de justiça reprodutiva que reconheça a diversidade de vozes e saberes das mulheres, e que promova o respeito à sua dignidade e integridade física, psíquica e simbólica.
No decorrer do desenvolvimento social e do Estado democrático de Direito, diversos autores buscaram a conceitualização do termo justiça. Para Sandel, é possível analisar a questão a partir do
pensamento político antigo e moderno. Este último, utilizando de Kant e Rawls, afirma que a justiça não deve se basear em um conceito de virtude, enquanto para Aristóteles (pensamento político antigo), os conceitos convergem entre si (Sandel, 2012, p. 14).
Entretanto, talvez ainda mais difícil que conceituar a justiça, é definir a injustiça. De olhos postos, a teoria do poder traz um processo conflituoso, no qual o dominado quer adquirir algum poder enquanto o dominante quer manter o poder total e, desta relação, surgem as chamadas injustiças.
No que se refere a temas relacionados à credibilidade e à justiça na produção e disseminação do conhecimento, principalmente quando observamos grupos sociais minoritários, utiliza-se a noção de epistêmica. Quando associado à falta de justiça, encontra-se o cerne da injustiça epistêmica.
O termo foi proposto inicialmente por Miranda Fricker, filósofa britânica, em sua obra Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing (2007). Para ela, a injustiça epistêmica é uma exclusão danosa da participação de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas, na produção, disseminação e manutenção de conhecimento. Segundo a filósofa, origina-se em uma falha em atribuir autoridade epistêmica a uma pessoa por conta de um preconceito de identidade, fazendo com que esta seja vista como menos capaz de contribuir para uma troca epistêmica. Por isso, uma de suas proposições, está relacionada à distribuição de poder político e social em nossa sociedade, sendo importante para a compreensão das estruturações das práticas de conhecimento.
Fricker (2023, p. 17) ensina que:
Há uma série de fenômenos que podem ser apresentados sob a categoria geral da injustiça epistêmica. Dada a forma como normalmente pensamos sobre a justiça na filosofia, a ideia de injustiça epistêmica pode, de saída, suscitar ideias imediatas sobre a injustiça distributiva em relação a bens epistêmicos, como informação ou educação. Em tais casos, imaginamos agentes sociais que têm interesse em vários bens, alguns deles epistêmicos, e questionamos se todos estão recebendo sua devida parte. Quando a injustiça epistêmica assume essa forma, não há nada muito distintivamente epistêmico nisso, pois parece em grande parte incidental que o bem em questão possa ser caracterizado como um bem epistêmico.
Trata-se de um tipo de injustiça que ocorre quando uma pessoa é desvalorizada ou marginalizada em sua capacidade de ser reconhecida como uma fonte de conhecimento ou de testemunho válido, estando relacionada à desvalorização ou à exclusão sistemática das contribuições e conhecimentos de certos grupos sociais, principalmente aqueles que são minorias ou estão inseridos em uma relação hierárquica, além de provocar silenciamento dos indivíduos e a desconsideração de suas vozes, marginalizando-os. Ademais, promove a perpetuação das desigualdades sociais, interferindo em uma realidade mais justa e igualitária na qual o conhecimento deveria ser compartilhado.
A ideia central de Fricker se apoia na noção de que a credibilidade epistêmica não é distribuída de forma neutra na sociedade, mas moldada por relações de poder e preconceito. Assim,
determinados indivíduos são sistematicamente impedidos de ocupar lugares legítimos na circulação do saber, sobretudo em espaços institucionais como o sistema de justiça, a academia e a medicina, como um mecanismo de exclusão que reproduz desigualdades históricas.
Miranda Fricker (2023), ao definir a injustiça epistêmica, argumenta que esta ocorre em situações em que uma pessoa ou grupo é prejudicado de contribuir ou ser um indivíduo de notório saber. Ela também ensina que existem pelo menos dois tipos centrais desse tipo de injustiça, a “injustiça testemunhal” e a “injustiça hermenêutica”.
A injustiça testemunhal acontece quando o testemunho de uma pessoa é desvalorizado devido a preconceitos sociais – por causa de seu gênero, raça, classe social ou outra característica. Isso ocorre quando o ouvinte permite que seus preconceitos tenham influência sobre o julgamento e sobre a credibilidade do testemunho, levando a uma distorção no reconhecimento da autoridade epistêmica do falante. Um exemplo seria o de uma mulher negra que não tem seu depoimento validado ao relatar um caso de assédio no trabalho, porque os preconceitos raciais ou de gênero dos ouvintes interferem na avaliação de sua credibilidade.
Nesta perspectiva, a injustiça epistêmica testemunhal pode ocorrer em muitos ambientes, inclusive na área da saúde contra mulheres gestantes que têm seus relatos de dor desvalorizados, perpetuando os casos de violência obstétrica, uma forma de violência de gênero enraizada nas relações de poder, desigualdade e subjugação das mulheres que acontece tanto nos espaços públicos quanto privados.
A injustiça hermenêutica, por sua vez, acontece quando alguém não tem os recursos conceituais ou linguísticos para expressar adequadamente sua experiência, muitas vezes devido a uma lacuna estrutural na sociedade que impede a articulação de certos tipos de vivências. Mulheres que sofreram violência obstétrica, por exemplo, podem não saber como nomear ou interpretar o abuso sofrido por falta de reconhecimento social ou institucional dessa forma de violência. Essa dimensão hermenêutica evidencia que não se trata apenas de uma falha comunicacional, mas de um descompasso histórico entre a experiência vivida e a linguagem disponível para comunicá-la.
Assim, essas injustiças revelam como o poder e os vieses sociais moldam o processo de aquisição e validação do conhecimento, afetando quem é ouvido e quem é ignorado. A teoria de Fricker é uma contribuição importante para a filosofia social e epistemologia, com implicações para a justiça social e o reconhecimento da diversidade de vozes em diálogos sociais e políticos.
No Brasil, bem como em outros países da América Latina, o termo “violência obstétrica” é utilizado para descrever as formas de violência ocorridas na assistência à gravidez, parto, pós-parto e abortamento (Diniz et. al, 2015, p. 3). Trata-se de um reflexo das estruturas patriarcais que pode manifestar-se de diversas maneiras, incluindo violência física, verbal, sexual, além de intervenções e procedimentos desnecessários, dolorosos e que ignoram a medicina baseada em evidências científicas, retirando da mulher o protagonismo e a liberdade sobre seus processos de gravidez e parto. Este fenômeno não pode ser dissociado de um contexto histórico e social marcado pela medicalização do corpo feminino e pela institucionalização do parto como evento hospitalar sob o domínio da autoridade médica. Ao longo do século XX, a centralidade das práticas biomédicas na condução dos partos transformou a experiência do nascimento em um evento técnico, com pouca ou nenhuma consideração às dimensões subjetivas, culturais e afetivas da gestante. A mulher passou a ser tratada apenas como paciente passiva, mero objeto de intervenção de especialistas, muitas vezes
sem direito à informação ou consentimento.
Nesta perspectiva, a Venezuela foi o primeiro país a reconhecer expressamente no plano legislativo a existência desse tipo de violência em ambiente hospitalar e, em 2007, editou a Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência, tipificando no artigo 15, item 13, a violência obstétrica como sendo a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por profissional de saúde, que se expressa por meio de relações desumanizadoras, de abuso de medicalização e de patologização dos processos naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres.
Essa definição pioneira acabou sendo um marco jurídico importante para a luta dos movimentos de mulheres latino-americanas e inspirou debates. Apesar disso, ainda são raras as legislações nacionais que reconhecem formalmente a violência obstétrica como uma categoria jurídica autônoma, sendo mais comum o seu enquadramento difuso e de maneira equivocada como em condutas de negligência e imperícia, confundindo-se com erro médico.
Entre as práticas que caracterizam a violência obstétrica, incluem-se xingamentos, comentários constrangedores, humilhações, a realização de episiotomia1 (corte cirúrgico feito no
1 “A episiotomia vem sendo usada como rotina desde meados do século XX na crença de que facilita o nascimento e preserva a integridade genital da mulher. No entanto, desde meados da década de 1980, já existe suficiente evidência científica para recomendar a abolição da episiotomia de rotina. Seu uso é hoje recomendado, no máximo, entre 15 e 30% dos casos, ou menos, quando houver evidência de sofrimento fetal ou materno, ou para conseguir progresso quando o períneo é responsável pelo progresso inadequado. Não há justificativa para a episiotomia de rotina: ela não traz benefícios
períneo) sem anestesia, sem necessidade ou sem consentimento informado, a aplicação da manobra de Kristeller (compressão da barriga para empurrar o bebê), a imobilização da mulher durante o parto (amarrar pernas e/ou braços), toques vaginais repetidos por diferentes profissionais ou sem consentimento, administração rotineira de ocitocina, lavagem intestinal, restrição da ingestão de líquidos, impedimento do aleitamento materno na primeira hora após o parto, cirurgias cesarianas desnecessárias, proibição da presença de um (a) acompanhante no parto, não permitir que a mulher escolha a posição durante o parto, recusa em administrar analgésicos, não obtenção do consentimento esclarecido antes de qualquer procedimento e a peregrinação obstétrica em busca do atendimento no momento de dar à luz (OMS, 2014).
A Organização Mundial de Saúde, em diversos relatórios e diretrizes, tem reafirmado que o respeito à autonomia da mulher, ao consentimento informado e à dignidade durante o parto são componentes centrais da boa prática obstétrica, e o desrespeito a esses princípios revela não apenas falhas técnicas, mas também violações de direitos humanos.
Frisa-se que além de ser marcada pela desigualdade de gênero, a violência obstétrica também resulta da dinâmica de hierarquia presente nas relações entre a equipe médica e a paciente. Nota-se, portanto, o uso arbitrário do conhecimento médico, majoritariamente praticado por homens brancos, no controle dos corpos e da sexualidade das mulheres, de quem se retira a liberdade e o poder de escolha sobre a gestação e vias de parto, violando seus direitos sexuais e reprodutivos, que consistem em um direito humano básico.
Não se pode olvidar que “em meados do século passado, o parto deixou o ambiente familiar, onde transcorria com a participação de parteiras e familiares, e passou para o ambiente hospitalar, onde o médico é chamado a desempenhar o papel de protagonista da cena do parto” (Paes, 2024, p. 28). E, a partir desse momento, essa relação foi tornando-se cada vez mais assimétrica e revelando a total desconsideração da mulher como agente de sua própria saúde, deixando de ser sujeito de direitos e vendo seu corpo se transformar em objeto de intervenção profissional.
Essa mudança simbólica e institucional consolidou a hegemonia do discurso biomédico sobre os saberes tradicionais femininos a respeito do parto, que deixou de ser um evento íntimo e coletivo, conduzido por mulheres, e passou a ser um evento controlado, fragmentado e regulado pelo olhar técnico da medicina. Nessa transição, fica evidente o apagamento de outras formas de conhecimento e a deslegitimação da experiência vivida pelas mulheres.
O discurso médico se apoderou de uma autoridade imensurável, abusando de sua credibilidade, ainda que não fundada em evidências científicas, intimidando e inibindo a mulher de
para a mãe nem para o bebê, aumenta a necessidade de sutura do períneo e os riscos de complicações no sétimo dia pós- parto, trazendo dor e desconforto desnecessários”. (Diniz; Chacham, 2006, p. 85).
contestar ou participar das decisões sobre procedimentos que são realizados em seu próprio corpo, ocasionando intervenções não consentidas, desnecessárias e até perigosas para a saúde.
É como se durante a gestação, parto, pós-parto ou abortamento, as mulheres, já discriminadas e consideradas como grupo minoritário em razão dos marcadores de gênero, tornassem-se ainda mais incapazes de colaborar para uma troca epistêmica e ficassem excluídas de qualquer participação na tomada de decisão a respeito dos seus direitos sexuais e reprodutivos, no máximo podendo relatar sintomas. Nessa situação de violência obstétrica, não há dúvidas, verifica-se a injustiça epistêmica testemunhal.
Ressalta-se que o termo violência obstétrica começa a se disseminar somente a partir dos anos 2000, dentro dos movimentos sociais que passaram a lutar pelo nascimento humanizado (Diniz et. al, 2015, p. 4), existindo ainda hoje dificuldade em se identificar como violentas as práticas inadequadas realizadas durante o parto, sendo que muitas dessas condutas, transcendendo as gerações, são ainda consideradas como normais e necessárias pelas mulheres. Aliás, essa resistência conceitual à categorização de certas condutas dos profissionais de saúde como violência revela justamente uma lacuna hermenêutica: a ausência de categorias reconhecidas para descrever o que foi vivido. Por isso, muitas mulheres só compreendem que foram vítimas de violência obstétrica muito tempo depois do parto, ao entrar em contato com outras narrativas ou com informações que lhes oferecem novas possibilidades de nomear o ocorrido.
Por outro lado, na grande maioria dos casos, a chamada disfunção preconceituosa na prova testemunhal pode ser de dois tipos: ou o preconceito faz com que a falante receba mais credibilidade do que ela teria em outras circunstâncias – um excesso de credibilidade – ou que receba menos credibilidade do que teria em outras circunstâncias – um déficit de credibilidade.
Fricker (2023, p. 37) assim se posiciona:
Considere o impacto discursivo imediato do sotaque de uma falante, por exemplo. Não só o sotaque carrega uma carga social que afeta como o ouvinte percebe uma falante (pode indicar determinada característica educacional/ de classe/regional), mas muitas vezes também carrega uma carga epistêmica. [...]. A ideia, entretanto, é que o preconceito tende a inflar ou esvaziar de forma velada a credibilidade concedida à falante, e às vezes isso será suficiente para cruzar o limiar de crença ou aceitação, de modo que o preconceito do ouvinte o faça perder um item de conhecimento.
Tal afirmação reforça a importância de repensar os critérios de escuta e reconhecimento da palavra da mulher em ambientes institucionalizados. No caso da saúde, isso significa rever práticas que, sob o pretexto da técnica ou da segurança, sem qualquer respaldo na ciência, silenciam a subjetividade da gestante, anulam sua capacidade de decidir e perpetuam um sistema de conhecimento que exclui o outro.
A injustiça epistêmica e a violência obstétrica são temas que se relacionam e aparecem de forma clara no contexto da narrativa das vítimas que se referem a atos abusivos, desrespeitosos ou negligentes enfrentados durante a assistência ao parto ou em outros cuidados reprodutivos. Isso pode incluir comentários desrespeitosos ou humilhantes, intervenções médicas desnecessárias ou sem consentimento, desconsideração da dor relatada pela paciente e negligência no fornecimento de cuidados adequados.
No cenário dos direitos internacionais, um marco é o caso S.F.M vs Espanha, o primeiro em que a violência obstétrica foi oficialmente reconhecida como violação dos Direitos Humanos pelo Comitê para Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW) da ONU2, trazendo à tona a discussão sobre a autonomia e consentimento da mulher durante o parto, além de expor práticas obstétricas abusivas que ocorrem em muitos sistemas de saúde ao redor do mundo.
No caso, ocorrido em 2009, S.F.M. – sigla utilizada para identificar a mulher espanhola vítima – deu à luz em um hospital público na Espanha. Durante o parto, ela foi submetida a uma série de intervenções médicas desnecessárias contrariando as evidências científicas, sem seu consentimento ou mesmo contra sua vontade. Depois de esgotar todos os recursos legais disponíveis na Espanha sem conseguir reconhecimento ou reparação, a mulher levou sua queixa ao Comitê CEDAW, alegando que a violência obstétrica sofrida violou seus direitos sexuais e reprodutivos e sua dignidade. Ela ainda defendeu que as intervenções feitas sem seu consentimento e sem necessidade refletiam práticas sistemáticas que negligenciaram sua autonomia.
O Comitê, por sua vez, afirmou que as autoridades administrativas e judiciais da Espanha se utilizaram de noções estereotipadas e discriminatórias ao disporem que caberia ao médico decidir realizar ou não a episiotomia, que seria perfeitamente compreensível que o pai não tivesse acompanhado o parto e que as lesões psicológicas sofridas pela mulher seriam uma questão de mera percepção.
Neste entendimento das autoridades espanholas, salta aos olhos que de um lado se tem o grupo politicamente minoritário, representado pela mulher que denuncia a violência obstétrica, e, de outro, o grupo politicamente majoritário, representado pelos médicos, que argumentam que a queixa daquela mulher é despida de realidade e sentido, sendo que para estes últimos deu-se toda a credibilidade, causando prejuízos àquela que teve seus direitos violados (Gabriel; Santos, 2020, p. 8).
2 Indica-se a leitura do referencial a seguir para um maior aprofundamento sobre o caso: UN. Committee on the Elimination of Discrimination against Women. Decision adopted by the Committee under article 4 (2) (c) of the Optional Protocol, concerning communication no. 138/2018: Committee on the Elimination of Discrimination against Women. [New York]: UN, 28 Feb. 2018. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/3870902?v=pdf. Acesso em: 24 set. 2024.
Esse julgamento exemplifica com precisão o mecanismo da injustiça epistêmica testemunhal: a vítima teve sua narrativa desprestigiada tanto no hospital quanto no judiciário, em nome de um saber técnico institucionalizado que se apresentou como neutro e objetivo, mas que, na realidade, estava atravessado por preconceitos de gênero, hierarquias de poder e desconsideração da subjetividade da mulher.
Destarte, ainda, uma das questões mais polêmicas e reveladoras de injustiça epistêmica foi a forma como o sistema judicial espanhol tratou a questão da episiotomia. A vítima S.F.M alegou que o procedimento foi realizado sem seu consentimento e resultou em complicações físicas e sofrimento psicológico, afetando sua vida sexual e qualidade de vida. Contudo, ao invés de reconhecer o dano sofrido pela mulher como uma violação de sua integridade física e de seus direitos, o tribunal espanhol, imbuído de uma empatia duvidosa e marcada pelo sexismo, argumentou que o procedimento teria causado um dano mais significativo ao marido, que ficou privado de relações sexuais durante 2 (dois) anos.
Essa alegação judicial evidencia não só a inversão de valores morais e jurídicos, mas também o total apagamento da experiência vivida da mulher como parâmetro legítimo de sofrimento e violação. Ao deslocar o foco da violência obstétrica sofrida para o suposto prejuízo do cônjuge, marido, o tribunal reforçou a lógica patriarcal que inferioriza a autonomia da mulher sobre seu corpo e marginaliza sua capacidade de ser ouvida como sujeito de direitos.
Note-se que, de acordo com as recomendações das Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal (Brasil, 2017, p. 28), documento do Ministério da Saúde elaborado a partir de uma revisão sistemática de mais de quatrocentos artigos científicos nacionais e internacionais, na assistência durante o segundo período do parto vaginal espontâneo não se deve realizar episiotomia de rotina e, caso esse procedimento seja realizado, a sua indicação deve ser justificada. Desta forma, a conduta médica contestada por S.F.M não apenas violou o direito ao consentimento informado, mas também desconsiderou a medicina baseada em evidências. Ainda assim, o sistema de justiça espanhol não reconheceu essa desconformidade técnica, optando por defender a decisão médica com base em estereótipos e valores desiguais.
Toda a narrativa da mulher, portanto, foi desqualificada e vista como menos digna de credibilidade tanto no ambiente hospitalar quanto no processo judicial, provocando a ela uma experiência absolutamente traumática e geradora de sofrimento físico e psicológico. Assim, houve uma dupla violação de seus direitos, ocorrendo a violência obstétrica e a injustiça epistêmica testemunhal. A falta de reconhecimento de sua dor e de sua palavra reforça a lógica da injustiça epistêmica, transformando o parto – momento de extrema vulnerabilidade e potência – em espaço de desumanização e opressão.
Como resultado, o Comitê reconheceu que o Estado espanhol violou diversos artigos da Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e recomendou a reparação material da vítima, que fossem tomadas medidas para assegurar o direito das mulheres a uma maternidade sem risco e o acesso a uma atenção obstétrica qualificada, bem como a realização de estudos sobre violência obstétrica e a capacitação profissional, dentre outras.
Outro exemplo de injustiça epistêmica do tipo testemunhal foi a assistência aos partos no Brasil durante o ano de 2020, logo após iniciada a pandemia do novo coronavírus (covid-19). Naquela ocasião, a situação de emergência sanitária serviu de justificativa bastante oportuna para que algumas equipes de saúde não assegurassem o direito das gestantes ao acompanhante durante o parto. A alegação para a relativização do direito consagrado no nosso país desde o ano de 2005 era a necessidade de evitar aglomerações em locais fechados, bem como a falta de máscaras e equipamentos de proteção individual.
Não se ignorava o momento difícil ocasionado pela pandemia, portanto, para que existissem ordem e coordenação nos trabalhos da saúde, passou a vigorar a Lei Federal nº 13.979 de 2020, que dispunha sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Seu artigo 7º determinava que seria do Ministério da Saúde a atribuição para editar os atos necessários à regulamentação e operacionalização do disposto naquela legislação. E esse órgão, registre-se, nunca baniu o direito ao acompanhante da gestante no parto.
Ao contrário, emitiu naquele momento de crise a nota técnica nº 06/2020 COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS3 sobre a atenção à saúde do recém-nascido no contexto da infecção pelo novo coronavírus, na qual, dentre as orientações para a sala de parto, sugeriu a manutenção da presença do acompanhante no caso de pessoa assintomática e de não contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV- 2.
Sobre o mesmo assunto, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022) manifestou-se no sentido de que todas as mulheres grávidas, incluindo aquelas com infecção confirmada ou suspeita por COVID-19, têm direito a cuidados de alta qualidade antes, durante e após o parto, reforçando que uma experiência de parto segura e positiva inclui ter um acompanhante da sua escolha presente.
No entanto, contrariando as recomendações dos órgãos competentes durante a pandemia, algumas maternidades violaram o direito das mulheres de ter um acompanhante durante o parto, insistindo na justificativa de que essa atitude evitaria a disseminação do vírus. Neste ínterim, não se conferiu autoridade epistêmica às mulheres que clamavam pelo acompanhante, não por mera vontade,
3 A Nota técnica nº 06/2020 COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS traz orientações para assegurar o direito da mulher gestante. As notas seguintes do Ministério da Saúde também alertavam apenas para a necessidade de realizar-se triagem nos (as) acompanhantes.
mas porque as evidências científicas preconizam que a sua presença gera efeitos benéficos para a saúde materna e neonatal, como também previne a violência obstétrica. O discurso da excepcionalidade sanitária serviu, neste caso, para reforçar uma hierarquia de saberes, na qual apenas o conhecimento médico-institucional era considerado válido, ignorando não apenas as recomendações oficiais, mas também a voz das mulheres gestantes.
Como apontam Sônia Correa e Rosalind Petchesky (1996), os direitos sexuais e reprodutivos são definidos pelo poder de tomar decisões autônomas com base em informações seguras sobre a própria fecundidade, sobre o processo de gravidez e as vias de parto, sobre saúde ginecológica e atividade sexual. As autoras defendem que é preciso pensar os direitos reprodutivos no campo dos direitos sociais, lembrando que o conceito tem se expandido para englobar as necessidades sociais que impedem real escolha sexual e reprodutiva para boa parte das mulheres no mundo, notadamente as mais pobres.
Essa observação é fundamental, pois evidencia que o problema da injustiça epistêmica, ao incidir sobre os direitos reprodutivos, não afeta todas as mulheres da mesma forma, atingindo com mais gravidade aquelas em situação de vulnerabilidade econômica, racial ou territorial. No Brasil, mulheres negras, periféricas e indígenas enfrentam taxas mais altas de mortalidade materna, maiores dificuldades de acesso aos serviços e estão mais expostas à violência institucional nos espaços de saúde.
As equipes de saúde, muitas vezes, na relação com as pacientes, abusam da hierarquia imposta, da estrutura de privilégio e do sexismo e, naquela ocasião de pandemia, aniquilaram qualquer outra forma de abordar o tema, inclusive aquela recomendada pelos órgãos competentes.
Em alguns casos, o direito ao acompanhante foi restabelecido por meio de ações individuais e coletivas ajuizadas em todo país, mas, em outros, o Poder Judiciário conferiu autoridade epistêmica apenas ao discurso médico. O cenário reforçou a centralidade da injustiça epistêmica testemunhal como categoria teórica e política para compreender as múltiplas formas pelas quais a palavra da mulher é silenciada ou deslegitimada em contextos institucionais. Mais do que uma questão de falta de escuta, trata-se de um padrão estrutural de exclusão que impede as mulheres de participarem plenamente da construção do saber sobre si mesmas e de exercerem sua autonomia corporal e reprodutiva.
Este artigo examinou a interseção entre injustiça epistêmica e violência obstétrica, evidenciando como o poder e os preconceitos sociais moldam a validação do conhecimento no contexto da saúde. Em um cenário no qual as mulheres são frequentemente tratadas como objetos em
vez de sujeitos de direitos, a análise da injustiça epistêmica se torna essencial para entender as desigualdades presentes na assistência ao parto.
Quando uma mulher que está sofrendo ou sofreu violência obstétrica tenta relatar sua experiência, muitas vezes enfrenta injustiça epistêmica. Seu testemunho por vezes é tratado como de menor credibilidade por ser mulher e por preconceitos que envolvem a percepção de que as mulheres exageram a dor ou são incapazes de entender os procedimentos médicos. Esse descrédito pode ser tanto explícito, na forma de rejeição direta do relato da vítima, quanto implícito, por meio da desconsideração de sua dor e angústia.
Além disso, as vítimas de violência obstétrica podem enfrentar injustiça hermenêutica, pois muitas vezes faltam termos ou categorias sociais amplamente reconhecidos para descrever o que sofreram. A violência obstétrica, até recentemente, era pouco discutida e reconhecida em muitas culturas e sistemas jurídicos, o que dificulta que as vítimas compreendam completamente e articulem o que lhes aconteceu.
As implicações são nítidas: comprometimento da autonomia reprodutiva e do consentimento informado; afastamento da medicina baseada em evidências; barreiras de acesso à justiça, reparação e garantias de não repetição; e reforço da hegemonia de um saber médico autorreferido, frequentemente atravessado por estereótipos de gênero e por hierarquias institucionais. Em contextos de maior vulnerabilidade econômica, racial e territorial, tais dinâmicas se agravam, exigindo abordagem interseccional.
O caso S.F.M. vs. Espanha, analisado pelo Comitê da CEDAW (ONU, 2018), ilustra de forma emblemática como a negação da credibilidade da palavra da mulher e a invisibilização de sua dor geram não apenas danos individuais, mas também a perpetuação de padrões estruturais de exclusão. A desconsideração do relato da vítima, tanto pela instituição médica quanto pelo sistema judicial, revela a urgência de se adotar uma abordagem interseccional que compreenda os impactos da desigualdade de gênero na distribuição do poder epistêmico.
Nesse sentido, a teoria de Miranda Fricker oferece importantes ferramentas para compreender como o preconceito interfere nos processos de escuta, validação e produção de conhecimento, especialmente em contextos marcados por hierarquias de saber e de autoridade, como os da medicina e do direito.
A superação dessas barreiras exige tanto uma maior conscientização sobre a violência obstétrica quanto um esforço para eliminar os preconceitos que sustentam a descredibilização do testemunho feminino.
Assim, torna-se urgente que os sistemas de saúde e justiça incorporem uma escuta qualificada e sensível às experiências das mulheres, reconhecendo nelas não apenas sujeitos de dor,
mas também sujeitos de saber. O reconhecimento da autoridade epistêmica das mulheres, especialmente em situações de violência institucional, é condição indispensável para a promoção da equidade de gênero e da justiça reprodutiva.
Além disso, políticas públicas que incorporem as dimensões epistêmicas da violência obstétrica são fundamentais para promover transformações estruturais. Isso inclui a formação ética e humanizada de profissionais de saúde, a difusão de informações acessíveis sobre direitos sexuais e reprodutivos, e o fortalecimento de mecanismos jurídicos que garantam reparação e não repetição.
Por fim, é necessário destacar que combater a violência obstétrica exige mais do que aprimoramentos técnicos: exige uma mudança cultural e institucional que enfrente os alicerces históricos do silenciamento das mulheres. Somente ao reconhecer plenamente sua condição de agentes epistêmicas e titulares de direitos é que será possível construir práticas obstétricas justas, dignas e verdadeiramente humanas.
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (Brasil). Nota técnica
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