ARQUITETURA DO PACTO FEDERATIVO EM MATÉRIA DE COMPETÊNCIAS
AMBIENTAIS: REFLEXÕES ACERCA DA ADIN Nº 4757-DF
Architecture of the federative pact on environmental competences: reflections
on ADin no. 4757-DF
Flávio Villela Ahmed
Resumo: Este artigo investiga a evolução do tratamento conferido pelo Poder Judiciário em suas
decisões reativamente à eficácia da implementação do federalismo cooperativo amparado pela
Constituição de 1988, bem como em que medida essa evolução representa a maior concretude do
direito ao meio ambiente saudável e equilibrado, que é de todos e essencial para uma saudável
qualidade de vida. A análise abrange a transição do federalismo centrípeto para o modelo
cooperativo e sua evolução, bem como a expressão e reconhecimento que a federação conquistou
por suas ações legislativas e administrativas e o correspondente significado para melhor atuação do
poder público na proteção ambiental. O estudo dedica-se então à análise da Adin 4.757-DF, que
investigou a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140/2011. Essa lei regulamentou a
competência administrativa ambiental para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios no que diz respeito às ações administrativas decorrentes do exercício da
competência comum relativa à proteção do meio ambiente. O estudo investiga as contribuições
teóricas e hermenêuticas que esse acórdão traz para a interpretação do federalismo cooperativo em
questões ambientais através da estruturação da arquitetura do modelo constitucional contemplando
coesão, funções não sobrepostas, eficiência e ao mesmo tempo cooperação e diálogo
interinstitucional.
Palavras-chave: meio ambiente; competências; federalismo cooperativo.
Absract: This paper investigates the evolution of Judiciary's treatment in its decisions. The
decisions refer to the effectiveness of cooperative federalism's implementation supported by the
1988 Constitution as well as to what extent this evolution represents the greatest concreteness of the
right to a healthy and balanced environment, which belongs to everyone and is essential to a healthy
quality of life. The analysis covers the transition from centripetal federalism to the cooperative
model and its evolution, as well as the expression and recognition that the federation gained for
their legislative and administrative actions and the corresponding significance for better
performance by the Public Power in environmental protection. The study is then dedicated to the
analysis of Adin 4757-DF, which investigated the constitutionality of Complementary Law No.
140/2011. This law regulated environmental administrative competence for cooperation between
the Union, the States, the Federal District and the Municipalities that concerns administrative
actions arising from the exercise of common competence relating to the protection of the
environment. The study investigates the theoretical and hermeneutical contributions that this
judgment brings to the interpretation of cooperative federalism in environmental matters through
the structure of the constitutional model’s architecture contemplating cohesion, non-overlapping
functions, efficiency and at the same time inter institutional cooperation and dialogue.
Keywords: environment; competencies; cooperative federalism.
Doutor e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor do Programa de
Pós-Graduação em Direito da Universidade Candido Mendes (UCAM).
Submissão: 19/09/2023
Aprovação: 06/10/2023
06/10/2023
INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende investigar em que medida é possível se identificar alteração
significativa na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ao longo da última década em matéria
de competências ambientais. O mister passa pela análise de como o tema vinha sendo enfrentado
pelo Poder Judiciário e aferir mudanças no âmbito das decisões judiciais que repercutem na forma
como a Corte maior enxerga o próprio federalismo cooperativo.
Nesse diapasão, procurar-se-á perquirir como as recentes decisões prolatadas pela E. Corte
têm reverberado a repartição de competências fixada na Constituição, de que forma essa
reverberação tem possibilitado interpretações que tornem o federalismo mais eficaz e sinérgico e se
essa atuação tem conferido maior concretude aos direitos fundamentais, notadamente aqueles
relacionados à sadia qualidade de vida dos habitantes das cidades brasileiras.
Pretende-se, portanto, revisitar alguns dos recentes entendimentos da Suprema Corte na
matéria relacionados à saúde ambiental. E à luz desses, proceder a análise do Acórdão na ADin nº
4757, de relatoria da Ministra Rosa Weber, em que se examinou tema central no âmbito das
competências ambientais, a saber, a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140/2011, que,
nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição
Federal, fixou as normas “para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à
proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em
qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora” (Brasil, 2011).
A análise do referido acórdão, que será permeada pelos conceitos jurídicos por ele
destacados, buscará perquirir em que medida o Supremo identifica um modelo diferenciado em
termos de repartição de competências a partir da edição da lei complementar e se este permite e
propicia um sistema em constante evolução, um novo desenho de aperfeiçoamento de federalismo
cooperativo previsto na CF, e em que termos esse novo desenho pode carrear melhorias para o
Estado Democrático de Direito com uma mais eficaz performance da máquina pública em favor dos
cidadãos.
O encargo exigirá breves palavras sobre o federalismo cooperativo tal qual concebido
constitucionalmente, de como o sistema de competências era interpretado, de como e a partir de que
momentos e fatos se deram e se desencadearam significativas e visíveis mudanças nas
interpretações até então realizadas e porque, para a análise central, em que medida essas mudanças
não cessam a ocorrer e se é possível identificar nas mesmas um contributo à eficácia dos direitos
fundamentais tal como preconizado na Carta de 1988.
A análise inicial passa, sem dúvida, pela revisitação da pesquisa desenvolvida pelo
NUPEAMIA (Núcleo de Pesquisa em ambiente e da moradia - Observatório Bryant Garth da
EMERJ) sobre “A tutela da saúde ambiental e o papel do Poder Judiciário na fixação das
competências com base no federalismo” (EMERJ, 2022), que possuiu como “objeto a tutela da
saúde ambiental e o papel do Poder Judiciário na definição das competências com base no
federalismo cooperativo, principalmente a partir da crise sanitária da pandemia da covid-
19”(EMERJ, 2022, p.8). Mas não só isso, emerge da necessidade de uma compreensão da
concretude do federalismo cooperativo, inaugurado pela Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 (CRFB/88), “no que diz respeito à efetividade da atuação dos estados-membros,
Distrito Federal e municípios, no exercício da competência legislativa e administrativa que lhes são
próprias, com o fito de eliminar vácuos legislativos para atender a interesses que lhe são
peculiares”(EMERJ, 2022, p.8).
Portanto, ao trabalho, no qual se fazem necessárias algumas palavras iniciais em que se
pretende traçar um percurso sobre o federalismo cooperativo em matéria ambiental e como ele deita
raízes na CRFB/88.
1 FEDERALISMO COOPERATIVO EM MATÉRIA AMBIENTAL
O Brasil consiste em uma República Federativa (art. 1º e 18 da CF), a qual compreende
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, entes autônomos, com órgãos governamentais
próprios e competências próprias.
A CRFB/88 busca realizar o equilíbrio federativo, portanto, através de um sistema de
repartição de competências, no qual diversas esferas governamentais atuam sobre a mesma
população e mesmo território.
Esses entes federados são dotados de poder e, nesse sentido, preceitua José Afonso da
Silva, verbis:
a teoria do federalismo costuma dizer que a repartição de poderes autônomos constitui o
núcleo do conceito do Estado Federal. ‘Poderes’, aí, significa a porção de matéria que a
Constituição distribui entre as entidades autônomas e que passa a compor seu campo de
atuação governamental, sua área de competência. ‘Competência’, assim, são as diversas
modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas
funções, suas tarefas, prestar serviços (Silva, 2009, p.71).
No plano normativo, o art. 18 da CF é claro ao dispor que “a organização político-
administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta constituição” (Brasil, 1988) de modo
que, como lembra Paulo Affonso Leme Machado, “a autonomia não significa desunião entre os
entes federados” e “também não deve produzir conflito ou dispersão de esforços”, “mas a
autonomia deve ensejar que o Município tenha ou possa ter sistemas de atuação administrativa não
semelhantes ou desiguais aos vigentes nos Estados” (Machado, 2008, p.99).
Autonomia, portanto, não equivale à soberania, mas traduz um nível certo de
independência, reservado a todos os entes da federação, sendo certo que, no que tange ao Estado,
sua atuação vem matizada pelo interesse regional e, no que se refere ao Município, a nota distintiva
de sua atuação é o interesse local. E o regime federado envolve o exercício livre das autonomias
entre os entes, podendo-se verificar que, identificados conflitos, o Poder Judiciário os dirimirá à luz
do pacto constitucional que originou a federação, orientado por um sistema racional e
fundamentado (Antunes, 2015, p.23).
Desta forma, tem-se no texto constitucional os critérios de repartição de competências para
que o federalismo cooperativo, base da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de
Direito, opere de forma adequada: o Município atuando quando o interesse for local, o Estado
quando regional e a União quando geral. É o que dispõe a norma inserta no art. 24, da CF, sobre
competência concorrente legislativa, a norma contida no art. 23, sobre a competência comum
administrativa ou material dos entes em questão.
A CRFB/88 adotou, portanto, um modelo em que se vislumbra que a atuação dos entes
federativos deve se efetivar de forma regrada. Essa concepção envolve como premissa um sistema
articulado de descentralização política, de modo que a atuação conjunta sobre a mesma população e
território se distribua de forma clara e repercuta de forma sinérgica. Esse sistema não traduz uma
formalidade, mas é base da estrutura do Estado Democrático de Direito para que os direitos possam
ser exercidos e regulados.
Tal sistema de repartição de competências foi configurado, como se disse e ora se reitera,
conforme o critério da predominância do interesse, em que a União atua tendo em vista o interesse
nacional; os estados, o interesse regional; e os municípios, o interesse local, sistema de repartição de
competências em matéria ambiental desenhado nos arts. 23 e 24, da CRFB/88.
O art. 23, inciso VI, ao disciplinar a competência material ou administrativa, dispõe que é
competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios proteger o meio
ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. No que diz respeito à competência
legislativa, o art. 24, inciso VI, da CRFB/88 dispõe que compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,
defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.
O art. 24, §1º, da CRFB/88 dispõe ainda que, no âmbito da legislação concorrente, a
competência da União se limita a estabelecer normas gerais. E, no que diz respeito à competência
dos municípios, dispõe o art. 30, incisos I e II, da CRFB/88 que aos mesmos compete legislar sobre
assuntos de interesse local, bem como suplementar a legislação federal e estadual, no que couber.
Verifica-se, portanto, que as competências legislativas e administrativas foram trazidas
pela CRFB/88, que inaugurou um sistema de cooperação entre os entes da Federação, que consiste
na distribuição de competências, de modo a propiciar uma colaboração no exercício de tais
atribuições constitucionais.
No entanto, é notória a ocorrência de conflitos entre os entes da federação, razão pela qual
o constituinte reformador previu no art. 23, parágrafo único, da Constituição Federal, com a redação
dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006, a edição de leis complementares que teriam como
objeto a fixação de critérios de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios para o exercício das competências comuns. Em socorro a tal previsão constitucional,
sobreveio a Lei Complementar nº 140, de 2011, fundamental no sentido de estabelecer a atuação
cooperada conforme preconizado pela Constituição, disciplinando a matéria já que fixou as normas
“para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações
administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens
naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas
e à preservação das florestas, da fauna e da flora” (Brasil, 2011).
Essa Lei, por sua vez, foi objeto da ADin nº 4757-DF, de relatoria da Ministra Rosa
Weber, em que se examinou a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140, de 2011, em
decisão que chancelou as regras na mesma contida em sua quase integralidade, discorrendo-se sobre
o federalismo ecológico e trilhando uma senda em que se busca eficiência da máquina púbica na
concretização de direitos fundamentais.
Além disso, integra o sistema de cooperação as competências legislativas concorrentes
entre a União e os demais entes federados no que tange às normas gerais, sendo cada ente federado
responsável pela suplementação das normas gerais dentro de seu âmbito territorial específico. De
fato, a Constituição Federal é clara ao estipular, num rol taxativo, as hipóteses em que caberá
somente à União legislar, conforme dispõe em seu artigo 22. O que realmente importa para o
presente estudo é: não sendo competência privativa da União, como é aplicada na prática a
autonomia federativa dos entes, havendo ou não edição de normas gerais, no âmbito da competência
concorrente, quando se trata da disciplina de meio ambiente?
É necessário um breve retrospecto para que cheguemos ao atual estado da arte da aplicação
das normas constitucionais relativas à matéria, já que, não obstante a configuração acima relatada
que, aparentemente, traduz quadro de cristalina clareza, o cenário que se seguiu uma década após a
Constituição foi de timidez em relação ao federalismo cooperativo, com uma interpretação
preponderante que privilegiava a União com uma hierarquia jamais cogitada do ponto de vista
normativo, mas herdada de um sistema jurídico anterior à edição da carta.
2 NECESSÁRIA E BREVE NOTA DE RETROSPECTO
Como foi prenunciado, logo após a edição da Carta de 1988, um cenário pouco alvissareiro
prevaleceu, em que eram ceifados os poderes atribuídos pela Constituição aos Estados e aos
Municípios não apenas para legislar, mas para administrar, sendo certo que muito da capacidade
destes, como entes autônomos, era subtraída e, com isso, vulnerabilizada, de certo modo, a proteção
do meio ambiente. Afetava-se, nesse passo, a própria concretude dos direitos fundamentais
A edição do texto constitucional contemplou, como se resumiu anteriormente, um sistema
de autonomia federativa, mas muito de prevalência da União sobre os demais entes pode ser
identificada, mesmo após a edição da Carta de 1988.
Alguns exemplos desse posicionamento podem ser colhidos em decisões dos Tribunais
superiores; em ação sobre rotulagem de produtos transgênicos, lei estadual paranaense foi declarada
inconstitucional, com base na
ocorrência de substituição - e não suplementação - das regras que cuidam das exigências,
procedimentos e penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos
por norma estadual que dispôs sobre o tema de maneira igualmente abrangente.
Extrapolação, pelo legislador estadual, da autorização constitucional voltada para o
preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal (Brasil, 2006).1
1Voto da ministra Rosa Weber, quanto ao mesmo tema, em sentido diametralmente oposto, conforme se lê, verbis:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Legitimidade ativa. Confederação sindical. Art. 103, IX, da CF. Lei nº
14.274/2010 do Estado de São Paulo. Rotulagem de produtos transgênicos. Alegação de inconstitucionalidade formal.
Invasão da competência privativa da União para legislar sobre comércio interestadual. Regulamentação jurídica
supostamente paralela e contrária à legislação federal da matéria. Afronta aos arts. 22, VIII, e 24, V e XII, §§ 1º e 3°, da
CF. Inocorrência. Ação improcedente. 1. Legitimidade ad causam da autora, entidade integrante da estrutura sindical
brasileira em grau máximo (confederação), representativa, em âmbito nacional, dos interesses corporativos das
categorias econômicas da indústria (arts. 103, IX, da Constituição da República e 2º, IX, da Lei 9.868/1999). 2. Ao
regulamentar critérios para a obrigatoriedade do dever de rotulagem dos produtos derivados ou de origem transgênica, a
Lei n° 14.274/2010 do Estado de São Paulo veicula normas incidentes sobre produção e consumo, com conteúdos
pertinentes, ainda, à proteção e defesa da saúde, matérias a respeito das quais, a teor do art. 24, V e XII, da CF, compete
à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente. 3. O ato normativo impugnado em absoluto
excede dos limites da competência suplementar dos Estados, no tocante a essa matéria, por dois motivos principais. O
primeiro, porque não afeta diretamente relações comerciais e consumeristas que transcendam os limites territoriais do
ente federado. O segundo, porque não há nada na lei impugnada que represente relaxamento das condições mínimas
(normas gerais) de segurança exigidas na legislação federal para o dever de informação (art. 5º, XIV, da Constituição
Federal). 4. O estabelecimento de requisitos adicionais para a rotulagem de alimentos geneticamente modificados,
quando não contrário ao conjunto normativo federal sobre a matéria, se insere na competência concorrente dos entes
federados. 5. Pedido de aplicação dos precedentes formados no julgamento da ADI 280/MT, ADI 3.035-3/PR, ADI
3054-0/PR e ADI 3.645 indeferido, por motivo de distinção entre os casos em cotejo analítico. Aplicação do art. 489,
§1º, V e VI, do Código de Processo Civil de 2015. 6. Não usurpa a competência privativa da União para legislar sobre
comércio interestadual a legislação estadual que se limita a prever obrigações estritamente relacionadas à proteção e
defesa do consumidor, sem interferir em aspectos propriamente comerciais. 7. Ação direta de inconstitucionalidade
julgada improcedente (Brasil,2020).
O v. acórdão acima citado invoca precedente na ADI 3035, de que foi relator o Ministro
Gilmar Mendes, na qual foi declarada inconstitucional a Lei paranaense de nº 14.162, de 27 de
outubro de 2003, que estabelecia vedação ao cultivo, à manipulação, à importação, à
industrialização e à comercialização de organismos geneticamente modificados. O acórdão em
questão vislumbrou ter ocorrido “ofensa à competência privativa da União e das normas
constitucionais relativas às matérias de competência legislativa concorrente”.
No STJ, sem muitos esforços de pesquisa, podia ser encontrado posicionamento
semelhante, no qual se lia que “a Legislação Municipal, contudo, deve se constringir a atender às
características próprias do território em que as questões ambientais, por suas particularidades, não
contem com o disciplinamento consignado na Lei federal ou estadual” (Brasil, 1994).
Da leitura dos arestos citados, verifica-se que, durante muito tempo, os Tribunais de forma
geral, na esteira de muitas das decisões que provinham dos Tribunais Superiores, deixaram um
espaço bastante reduzido para o exercício da competência legislativa concorrente dos Estados e
Municípios, que acabavam ficando compelidos a repetir a legislação federal na esfera de suas
competências. A situação era agravada em razão de matérias que se relacionam com o Direito
Ambiental figurarem no rol de competências privativas da União, como energia, mineração, Direito
do Trabalho, de forma que, em muitos casos, na dúvida se se estava legislando sobre meio ambiente
ou energia, por exemplo, o critério da competência privativa da outra matéria atraía a competência
da União. Muitas das vezes o que se regula é meio ambiente, matéria de competência concorrente,
contudo, sob a alegação de que se trata de tema afeto à competência privativa, desbastava-se a
atuação dos demais entes da federação.
As decisões acima e outras tantas em direção similar contrariam a voz doutrinária
consensual de que Estados e Municípios podem legislar de forma concorrente, desde que seja para
estabelecer normas mais restritivas.2
Mas é certo que esse quadro começou a mudar e importante reportar aqui à pesquisa
realizada no âmbito do NUPEAMIA, citada no início do presente trabalho, em que esse caminho foi
identificado.
2 Conforme assinala Celso Antonio Pacheco Fiorillo, verbis: “Dessa forma, podemos afirmar que a União caberá a
fixação de pisos mínimos de proteção ao meio ambiente, enquanto aos Estados e Municípios, atendendo aos seus
interesses regionais e locais, a de um ‘teto’ de proteção. Com isso, oportuno frisar que os Estados e Municípios jamais
poderão legislar, de modo a oferecer menos proteção ao meio ambiente que a União, porquanto, como já ressaltado, a
esta cumprir, tão-só, fixar regras gerais” (Fiorillo, 2015, p.227).
3 PASSOS RUMO À CONCRETUDE DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ÂMBITO DO
FEDERALISMO COOPERATIVO DEMOCRÁTICO
Com efeito, durante muito tempo os Tribunais emprestaram força centrípeta à competência
da União, herança de um federalismo centralizador, remanescente do período pré-constituição
democrática, como se as ações e normas da União se sobrepusessem às dos Estados, e as destes,aos
municípios.3
Essa visão preponderava em inúmeras decisões judiciais, em momento anterior à epidemia
da COVID, e muito era desbastado de Estados e Municípios no que toca ao seu poder para
governar.
Todavia, o próprio STF foi alterando sensivelmente tal orientação, reconhecendo o
importante papel dos entes federativos quando, em total respeito à Constituição, fazendo uso da
autonomia federativa prevista no seu art. 18, editavam normas que se adequavam aos princípios e
valores constitucionais. Tal foi o caso, por exemplo, da proibição do amianto pelos Estados.4
Pois bem, o que já era uma tendência, que decorria da correta interpretação do próprio
texto constitucional, aplicado até então de forma esparsa, em razão da Pandemia da Covid, eclodiu,
o que fez com que se descortinasse um quadro de profusão de regras por parte dos entes da
federação, alinhados à ideia de necessidade de impor o isolamento social e à proteção da saúde
humana tal qual preconizado pela Organização Mundial de Saúde. De um lado, o Governo Federal
estimulando a atividade econômica e minimizando os efeitos gravosos da doença; do outro, Estados
e Municípios (estes últimos nem sempre) agindo de forma restritiva, preconizando o isolamento
social.
Os Tribunais foram instados a se pronunciar e o STF, na esteira de alguns entendimentos
anteriores de que a gestão da saúde é matéria de competência comum e concorrente, decidiu no
3A propósito do tema, leia-se artigo do ex-Vice Presidente da República, Hamilton Mourão, publicado no Estadão na
ocasião em que,discorrendo sobre a preponderância da União no equilíbrio Federativo no caso da Covid, invocou John
Jay (O Federalista), destacando que a “administração, os conselhos políticos e as decisões judiciais do governo nacional
serão mais sensatos, sistemáticos e judiciosos do que os Estados isoladamente, simplesmente por que esse sistema
permite somar esforços e concentrar os talentos de forma a solucionar os problemas de forma mais eficaz”(Mourão,
2020). No artigo, Mourão lembra que o Brasil é uma República Federativa, e não uma confederação, razão que lhe
assiste, mas não há prevalência da União, que deve atentar para o regime de competências fixado constitucionalmente.
4 Nesse sentido, a Ministra Rosa Weber: “Direta e necessariamente extraídos da cláusula constitucional do direito à
saúde tomada como princípio, somente podem ser afirmados, sem necessidade de intermediação política, os conteúdos
desde já decididos pelo Poder Constituinte: aquilo que o Poder Constituinte, representante primário do povo soberano,
textualmente decidiu retirar da esfera de avaliação e arbítrio do Poder Legislativo, representante secundário do povo
soberano. Adotar essa postura frente às cláusulas constitucionais fundamentais não significa outra coisa senão levar a
sério os direitos, como bem lembra o renomado professor da Escola de Direito da Universidade de Nova Iorque, Jeremy
Waldron” (Brasil, 2017).
sentido de que não cabe ao Poder Executivo Federal afastar as decisões dos Estados e Municípios,
quando estes impõem, no âmbito de suas competências legítimas, regras de restrição.5
Mas não apenas o reconhecimento da competência comum dos entes da federação ganhou
voz, como também o tema da prevenção. Foi o que ocorreu em processo no qual o Ministro Luis
Roberto Barroso suspendeu contratação por parte do Governo Federal da campanha publicitária “O
Brasil não pode parar”, que sugeria que a população devia retornar às suas atividades plenas. A
decisão em questão privilegiou os princípios constitucionais do direito à vida, à saúde e da
informação da população, bem como da prevenção e da precaução ambientais, vedando a
contratação e veiculação da campanha (Brasil, 2020a).
Uma nota importante reside em salientar que saúde e meio ambiente são temas diretamente
relacionados, uma vez que o art. 225 preconiza que “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. A
Política Nacional do Meio Ambiente preconiza que o meio ambiente consiste no “conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e
rege a vida em todas as suas formas” (Brasil, 1981, art.3º, inciso I), e a poluição é o ato em
desacordo com a lei que conspurca esse bem e, assim, é entendida como “a degradação da qualidade
ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente”(Brasil, 1981, art. 3º, inciso III),
dentre outros fatores, “prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população” (Brasil, 1981,
art. 3º, inciso III, alínea a)Nesse passo, não se pode distanciar o tema da saúde pública como
diretamente relacionado ao direito dos brasileiros e o que se convencionou denominar “piso vital
mínimo”, já que “a saúde ambiental deve ser analisada dentro do que denominou historicamente
saúde pública, como um tema (e seus problemas...) resultantes dos efeitos que o ambiente (natural,
cultural e artificial) exerce sobre o bem-estar físico e mental/psíquico da pessoa humana, como
parte integrante de uma comunidade” (Fiorillo, 2018, p.141).
5“Não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e
municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus
respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a imposição de distanciamento/isolamento social,
quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas,
entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como
demonstram a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde)”(Brasil, 2020c).
A jurisprudência ambiental claramente relacionada à proteção da saúde6 e ao combate à
poluição se já caminhava nesse sentido e, a partir daí, restaram acentuados os entendimentos no
sentido de privilegiar atuação legislativa e administrativa dos Estados e dos Municípios quando
editavam normas protetivas a esse respeito, observada a competência da União para legislar e/ou
administrar.
4 ADIN Nº 4757-DF E SEUS INFLUXOS NA ARQUITETURA DO FEDERALISMO
COOPERATIVO
A ADin nº 4757, de relatoria da Ministra Rosa Weber, em que se examinou tema central
no âmbito das competências ambientais, a saber, a constitucionalidade da Lei Complementar nº
140/2011, a par de enfrentar a constitucionalidade de alguns de seus dispositivos reputados
inconstitucionais pelas associações autoras, representou um direcionamento extremamente
relevante na interpretação do sistema de repartição de competências em matéria ambiental, aliando
os vetores normativos do constitucionalismo ecológico e do federalismo cooperativo.
Sem descurar da estrutura estática do sistema de repartição de competências, carreou ao
debate, a partir da validação da Lei Complementar nº 140/2011 na ordem normativa constitucional,
critérios hermenêuticos de extrema valia, cuja apreciação será realizada como forma de melhor
implementar a concretude de direitos fundamentais a partir do sistema de repartição de
competências e da melhor performance do Estado na gestão do bem jurídico ambiental.
Para além de decidir os temas objeto do questionamento dos dispositivos apontados como
inconstitucionais, o acórdão em questão interpretou a sistemática do federalismo cooperativo em
matéria ambiental, tratando de articular a Constituição com a legislação estabelecendo parâmetros
de tal interação e de como melhor performar o efetivo funcionamento do Estado Democrático de
Direito na concretude dos direitos fundamentais. Ao assim fazer, externa o entendimento de como
deve funcionar o federalismo cooperativo e como a articulação dos diversos entes e órgãos de
governo de maneira sinérgica é capaz de alavancar a concretude de direitos fundamentais.
6 A propósito, leia-se: A proteção do meio ambiente e a proteção da saúde integram, ainda, a competência material
comum dos entes federativos (CF, art. 23, II e VI). A saúde mereceu especial disciplina pelo Constituinte nos arts.
196 e ss., tendo sido consagrada como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF, art. 197). A proteção ao meio ambiente, por sua
vez, foi positivada no art. 225 do texto constitucional, que estabeleceu que todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A proteção à saúde e
ao meio ambiente são temas que concernem à atuação de todos os entes da federação, portanto. Segundo a
jurisprudência desta Corte, em linha de princípio, admite-se que os Estados e Municípios editem normas mais
protetivas, com fundamento em suas peculiaridades regionais e na preponderância de seu interesse, conforme o
caso (grifos nossos) (Brasil, 2021)
Uma breve análise deste acórdão na perspectiva acima anunciada é o que se fará doravante.
De plano, a relatora identifica que o art. 225 representa fundamento normativo do Estado
de Direito e governança ambiental, e que deste se infere “uma estrutura jurídica complexa
decomposta em duas direções normativas” (Brasil, 2022).
A primeira direção normativa então vem relacionada ao direito material propriamente dito,
a saber, ao reconhecimento do “direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
em uma perspectiva intergeracional”(Brasil, 2022).
No que se refere à segunda direção normativa, esta vem apontada como relacionada “aos
deveres de proteção e responsabilidades atribuídos aos poderes constituídos, aos atores públicos e à
sociedade civil em conjunto” (Brasil, 2022).
Nesse passo, identifica na ordem constitucional a missão precípua de proteger o meio
ambiente e que impõe um limite substantivo ao que classifica como agir legislativo e
administrativo, pelo que, de forma muito clara, subordina, do ponto de vista hermenêutico, tanto a
Política Nacional do Meio Ambiente, como também o sistema por ela criado e conselhos
respectivos ao que denomina constitucionalismo ecológico.
Na interpretação em questão, no âmbito da análise da Lei objeto da irresignação de
inconstitucionalidade e que pretendeu organizar a competência administrativa em matéria
ambiental— nos moldes preconizados pelo art. 23, da CF — todo o arcabouço normativo ordinário
que se irradia da PNMA como norma geral e das diversas políticas setoriais e cujos reflexos irão se
capilarizar em ações dos diversos entes nos diversos planos da federação devem obrigatoriamente
“traduzir os vetores normativos do constitucionalismo ecológico e do federalismo
cooperativo”(Brasil, 2022).
Nesse sentido, a ementa do acórdão, de forma tão didática, dispõe sobre o conteúdo e
alcance da Lei nº 140/2011, o que dispensa até, no presente momento, maiores explicações,
tamanha a clareza dos pontos aludidos e que são objeto de análise neste breve estudo, verbis:
5. A Lei Complementar nº 140/2011, em face da intricada teia normativa ambiental, aí
incluídos os correlatos deveres fundamentais de tutela, logrou equacionar o sistema
descentralizado de competências administrativas em matéria ambiental com os vetores da
uniformidade decisória e da racionalidade, valendo-se para tanto da cooperação como
superestrutura do diálogo interfederativo. Cumpre assinalar que referida legislação não trata
sobre os deveres de tutela ambiental de forma genérica e ampla, como disciplina o art. 225,
§1º, IV, tampouco regulamenta o agir legislativo, marcado pela repartição concorrente de
competências, inclusive no tocante à normatização do licenciamento em si.
6. O modelo federativo ecológico em matéria de competência comum material delineado
pela Lei Complementar nº 140/2011 revela quadro normativo altamente especializado e
complexo, na medida em que se relaciona com teia institucional multipolar, como o
Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), e com outras legislações ambientais,
como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e a Lei de Infrações
penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (Lei
nº 9.605/1998). O diálogo das fontes revela-se nesse quadro como principal método
interpretativo (Brasil, 2022, p.3).
A redação da ementa explicita ponto central objeto da análise aqui proposta no que se
refere à atuação concertada dos entes da federação a serviço da adequada, eficaz, completa e
sinérgica gestão e implementação dos deveres de proteção ambiental de que não pode o Poder
Público, de forma alguma, se demitir, valendo aqui, em prosseguimento, a transcrição da passagem
da ementa correspondente ao que antes se expôs, verbis:
7. Na repartição da competência comum ( 23, III, VI e VII CF), não cabe ao legislador
formular disciplina normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes
federados, mas sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a
efetividade nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais.
Ademais, os arranjos institucionais derivados do federalismo cooperativo facilita a
realização dos valores caros ao projeto constitucional brasileiro, como a democracia
participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a desconcentração vertical de poderes,
como fórmula responsiva aos controles social e institucional. Precedentes.
[....]
9. A Lei Complementar nº 140/2011 tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de
assegurar a permanente cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da
articulação entre as dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas
aos entes federados. Desse modo, respeitada a moldura constitucional quanto às bases do
pacto federativo em competência comum administrativa e quanto aos deveres de proteção
adequada e suficiente do meio ambiente, salvo as prescrições dos arts. 14, § 4º, e 17, § 3º,
que não passam no teste de validade constitucional (Brasil, 2022, p.4).
Vale ressaltar que, no âmbito do modelo vislumbrado, a decisão em comento empresta
especial relevância ao princípio da subsidiariedade, algo que já vinha se desenhando na evolução da
jurisprudência da Excelsa Corte ao validar a atuação dos municípios na proteção ambiental.
Nesse sentido, o voto da ministra Rosa Weber expressamente consigna um dever de agir
próprio do modelo do federalismo cooperativo que encontra sua medição adequada pelo referido
princípio. Essa subsidiariedade é determinante no agir do ente menor e sucumbe apenas quando
comprovada a sua incapacidade institucional, valendo como critério norteador a coesão dos entes
federados de molde à obtenção de resultados satisfatórios.
Com efeito, de um lado o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida não apenas das presentes, mas das futuras gerações;
ao lado dele, e a ele imbricado, um sistema de atuação do Poder Público, através dos diversos entes
da federação com seus órgãos de atuação, atuando junto com a sociedade civil para, de forma coesa
e eficaz, conformar arranjos cooperativos que não deixem esse tão preciso direito órfão, ou que, em
tumultuada ação, represente dispêndios de energias e custos que embaralhem sua efetiva proteção.
A coesão em questão vem, nessa senda, preconizada pelo julgado como requisito de eficácia
exigido “tanto na dimensão da alocação das competências quanto na dimensão do controle e
fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública” (Brasil,
2022, p.35).
Tecidas essas palavras sobre o que se pode de forma grosseira se definir como o núcleo
duro e essencial desse julgado, pela síntese teórica no que diz respeito ao que o legislador
constitucional concebeu como federalismo ecológico estruturante e que, a partir da análise do
emblemático caso, encontra resumo no julgado, cumpre doravante trazer alguns temas e conceitos
jurídicos ventilados em suas 136 páginas que, a partir de sua articulação, funcionam como luzes
para uma melhor performance do federalismo cooperativo ecológico.
O julgado destaca o que é o federalismo cooperativo a partir da moldura constitucional,
conforme de forma breve sintetizamos em tópico anterior deste trabalho, mas que vale reiterar de
modo a melhor encadear os próximos passos a serem objeto das considerações no presente trabalho.
Com efeito, a Constituição confere ao Poder Público um dever de proteção ao bem
ambiental, que é de todos, e que por essa razão a coletividade tem sua esfera de participação
exigindo, por conseguinte, a atuação de todos os entes federados “nas ações administrativas e de
governança desse bem de uso comum e de interesse de toda a sociedade”(Brasil, 2022, p.36). As
razões normativas que embasam a referida atuação vêm delineadas pela dimensão objetiva do
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pela participação como princípio de gestão
do bem ambiental que a todos pertence e, por último, mas não menos importante, com o arranjo
institucional do federalismo cooperativo que se revela “como resposta organizacional de
distribuição de poderes e deveres comprometida com os valores da democracia e do
desenvolvimento sustentável e social”(Brasil, 2022, p.37). Assim, o voto é claro no sentido de
afirmar que o federalismo cooperativo radicado constitucionalmente se revela “como técnica de
proteção efetiva dos direitos fundamentais ambientais” (Brasil, 2022, p.37), de modo que deve ser
observado pelos legisladores e administradores.
O federalismo cooperativo em matéria ambiental sufragado no acórdão vem pautado pela
instrumentalidade “requerida pela dinâmica das relações entre as instituições republicanas, legitima
a uniformização institucional e a cooperação dos entes federados” (Brasil, 2022, p.31).
Perfilando-se à vocação democrática, pontua a passagem “do federalismo hegemônico e
centrípeto, que marcou a história republicana brasileira, para um federalismo de equilíbrio e de
cooperação, comprometido com a proteção dos direitos fundamentais”(Brasil, 2022, p.31), em que
se busca “um aperfeiçoamento das instituições republicanas no sentido de atenuar a tendência
excessivamente centralizadora, historicamente predominante na organização do Estado
brasileiro”(Brasil, 2022, p.31) e desse modo a valorização da “ autonomia dos entes federados e o
seu potencial de capilaridade para a consecução da descentralização administrativa e
desconcentração política, sem, entretanto, abandonar os compromissos com o projeto
constitucional, que requer também uniformidade para o desenvolvimento e o bem-estar em escala
nacional”(Brasil, 2022, p.31).
Nesse sentido, assinala:
Entendo, nesse contexto, que a chave hermenêutica para a adequada apreensão do sentido
da cláusula definidora das competências comuns, em particular, na Constituição da
República é o princípio federativo, considerado em sua estrutura complexa, seu caráter
instrumental, sua teleologia e a responsividade institucional dos entes federados.
Longe de constituir indagação episódica, a questão relativa ao delineamento das esferas de
atribuições concernentes a cada ente federativo – União, Estados, Distrito Federal e
Municípios – sempre esteve no centro das preocupações relacionadas à estruturação dos
modelos federativos. A complexidade do mundo contemporâneo, nessa ótica, tornaria
inevitável a acolhida, em determinado momento, do federalismo cooperativo, em vez do
federalismo competitivo presente nas suas raízes clássicas. E a aferição do ponto de
equilíbrio e cooperação entre os entes federativos teria como referência a efetividade de
determinado desenho institucional para a realização das funções – normativas, executivas
ou judiciais – a que o poder público está obrigado a desempenhar.
[...]
Entendo, pois, que o princípio federativo consagrado no art. 1º, caput, da Constituição da
República, tal como observado, constrange a interpretação do seu art. 23, servindo de
verdadeiro vetor interpretativo.
[...]
No modelo do federalismo cooperativo, não deve haver superposição de atribuições, não
obstante a autonomia dos entes federados para o exercício de suas competências, porque
vinculados pelo princípio da subsidiariedade. Com esse modelo, para além da proteção
administrativa efetiva e necessária aos direitos e aos objetivos fundamentais da República,
pretendeu-se imprimir racionalidade e eficiência nas ações administrativas, mediante o
emprego dos instrumentos de cooperação.
27. A justificativa da adoção do modelo do federalismo cooperativo também reside no fato
deste arranjo institucional facilitar a realização dos valores caros ao projeto constitucional
brasileiro, como a democracia participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a
desconcentração vertical de poderes, como fórmula responsiva aos controles social e
institucional. A autonomia regional, com a consequente descentralização administrativa das
ações estatais, com efeito, ao aproximar os fatos, as políticas públicas e a sociedade,
potencializa e incentiva a participação democrática de determinada comunidade e seus
cidadãos, seja nas atividades fiscalizadoras, seja nos resultados prometidos pela ação
política. Isso porque o imediatismo, ou proximidade, física dos cidadãos com os fatos e a
política propicia a formação de juízos de conhecimentos e, por conseguinte, a participação
informada nos processos públicos decisórios, assim como nas atividades de controle e
fiscalização perante os órgãos locais e regionais. Essa leitura do federalismo cooperativo,
inclusive, converge para o nível de exigência feita à sociedade para o adimplemento dos
deveres procedimentais e de participação ambientais, conforme justificativa do voto
proferido na ADPF 623, que compartilho neste(Brasil, 2022, p.31).
Delineados esses aspectos gerais que norteiam a ADI, cumpre doravante destacar alguns
temas que emergem do texto.
Em primeiro lugar, o julgado salienta um aspecto dinâmico nessa arquitetura da federação,
que exige uma constante interação dos entes federativos em que a subsidiariedade a tudo permeia.
Vejamos em que o referido princípio da subsidiariedade consiste e como sua função se
apresenta relacionada no julgado em comento.
O princípio da subsidiariedade se apresenta exposto na decisão em tela como uma
dimensão de técnica de conformação das fórmulas de conversação e interdependência entre os entes
federativos no funcionamento dinâmico da federação.
Salienta a Ministra Rosa Weber que
o princípio da subsidiariedade, implícito ao federalismo cooperativo, não obstante sua
origem cristã e medieval, denota a lógica de que a tomada de decisão deve sempre preferir a
unidade social ou política menor em detrimento da maior e mais abrangente. Devendo esta
última atuar, com o espírito cooperativo e supletivo, quando aquela não tiver capacidades
institucionais de agir (Brasil, 2022, p.33).
Nesse passo anota que o nível de agir nos domínios das competências partilhadas deve ser
medido pelo princípio da subsidiariedade, que irá justificar a intervenção do agir político-
administrativo nos domínios das competências partilhadas.
No âmbito da tutela do meio ambiente, e do dever constitucional de todos na preservação
ambiental em que se tem como regra um sistema compartilhado de competências de não exclusão
dos entes federativos do exercício da competência comum, mas uma solidariedade nos deveres de
proteção que exige soma de esforços “para a consecução da tutela dos direitos fundamentais e dos
objetivos da República” (Brasil, 2022, p. 36).
Deste modo, discorre a ministra:
Todavia, essa soma e solidariedade devem ser desempenhadas por meio do agir racional,
marcado pela subsidiariedade, como técnica organizadora da feição dinâmica do
federalismo, conforme autoriza o parágrafo único da regra constitucional. Nesse contexto,
na conformação da competência comum, não cabe ao legislador formular disciplina
normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes federados, mas
sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a efetividade
nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais (Brasil,
2022, p. 36-37 – grifos nossos).
A racionalidade, então, permeia o sistema federalista que comporta uma face estática, mas
também uma dinâmica em que a repartição nem chancelará a plena autonomia dos entes federados,
tampouco a conversão das competências em privativas, atrelando-se “ao chamado da
responsabilidade solidária e do princípio da eficiência na Administração Pública”, de modo a “levar
em consideração as duas faces do federalismo, a estática e a dinâmica”(Brasil, 2022, p.64).
Nesse passo, ensina Paulo de Bessa Antunes:
A chave da decisão, para o nosso estudo, se encontra no fato de que não há sentido de que a
competência comum seja exercida de forma cumulativa e sobreposta pelos diversos entes
federativos. A aplicação do princípio da subsidiariedade para o presente caso nos levaria a
identificar a autoridade municipal, em tese, a autoridade mais qualificada para exercer
aludida fiscalização, desde que efetivamente amparada e municiada pelas demais instâncias
federativas” (2015, p.149-150).
Destacado no voto que “a compreensão da faceta dinâmica e racional, permeada pela
subsidiariedade, deve ser compatibilizada com o desvelamento inexoráveis dos problemas de
implementação do desenho federativo, no que se refere à efetividade das ações dos núcleos políticos
menores, a fim de permitir o acionamento da atuação supletiva dos núcleos maiores”, eis que a
performance da subsidiariedade supõe como premissa a coesão entre as ações dos entes federados a
qual vem exigida tanto no plano da alocação das competências “quanto na dimensão do controle e
fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública” (Brasil,
2022, p.64).
Ao se debruçar sobre a Lei Complementar nº 140, logrou a relatora identificar uma lógica
subjacente da convivência entre as dimensões estáticas e dinâmicas do sistema de repartição de
competências, mediante as técnicas contidas na lei relacionadas ao conceito de supletividade e a
subsidiariedade, assim dispondo que “como resposta à premissa do federalismo cooperativo
ecológico, o legislador buscou conciliar a dimensão estática das competências administrativas com
a de caráter dinâmico, a partir do emprego das ações supletiva (art. 15) e subsidiária (art.
17)”(Brasil, 2022, p.63). E prossegue afirmando que essa lógica adotada na legislação decorre
justamente dos imperativos federalistas, traduzidos nos fundamentos da descentralização, da
democracia e da efetividade institucional.
E ainda: “como forma de responder ao compromisso constitucional com o federalismo
cooperativo ecológico, como prescrito no art. 23, III, IV e IV, e parágrafo único, a Lei
Complementar nº 140/2011, ao articular o dinamismo do federalismo com a subsidiariedade e a
supletividade, estabeleceu correlação entre autonomia e integração federativa. Para tanto, cria as
hipóteses de interpenetração para o exercício funcional das atividades fiscalizatórias e
sancionatórias, conforme os arts. 15, 16 e 17” (Brasil, 2022, p.64).
Outro vetor importante associado ao comportamento interpretativo acerca do princípio da
subsidiariedade no marco da competência legislativa concorrente consiste na lógica da
preponderância do interesse.
Salienta a relatora que, ao lado do princípio da subsidiariedade, deve vir resguardado o
princípio da predominância do interesse, que confere racionalidade ao sistema, evitando a atuação
ineficaz e sobreposta na proteção ambiental.
Nesse sentido, leia-se:
O significado atribuído à cooperação, e suas formas institucionais, no quadro da
competência concorrente legislativa, tem similaridades relevantes ao empregado para a
compreensão da competência comum, identificadas na lógica da predominância do
interesse e da proteção efetiva do direito fundamental ao meio ambiente. A lógica da
predominância do interesse e da proteção mais efetiva tem íntima conexão com os critérios
exigidos da subsidiariedade, quais sejam: i) agir administrativo do ente político menor e
mais próximo às realidades locais e regionais e ii) ação do ente maior, Estado ou União,
quando constatada incapacidade institucional do ente menor e demonstrado valor agregado
em termos de efetividade da sua atuação. No modelo federativo brasileiro, a autonomia
atribuída aos Estados não lhes dá, em absoluto, plena liberdade para o exercício da
competência legislativa, sendo-lhes de obrigatória observância as matérias previstas pela
Constituição Federal. Embora a competência legislativa concorrente mitigue os traços
centralizadores, delineia-se um federalismo de cooperação, com aplicação do princípio da
predominância do interesse e dos deveres mínimos de proteção aos direitos fundamentais”
(Brasil, 2022, p.49).
Busca amparo para evocar “os limites da atuação normativa do ente federado” na ADI
3.470 (caso amianto), já referido.7
O tema do interesse preponderante se apresenta, dessa forma, como uma chave para
identificar o melhor arranjo na dinâmica da repartição de competências e na efetividade dos direitos
fundamentais, que busca solucionar de forma racional os conflitos federativos ao imprimir maior
efetividade ao sistema. Ele não é uma novidade na reiterada jurisprudência da Excelsa Corte, e os
contornos apresentados no voto podem ser identificados, por exemplo, na ementa abaixo em voto da
lavra do Ministro Gilmar Mendes, em que se lê, verbis:
O legislador constituinte de 1988, atento a essa evolução, bem como sabedor da tradição
centralizadora brasileira, tanto, obviamente nas diversas ditaduras que sofremos, quanto nos
momentos de normalidade democrática, instituiu novas regras descentralizadoras na
distribuição formal de competências legislativas, com base no princípio da
predominância do interesse, e ampliou as hipóteses de competências concorrentes,
além de fortalecer o Município como polo gerador de normas de interesse local. O
princípio geral que norteia a repartição de competência entre os entes componentes do
Estado Federal brasileiro, portanto, é o princípio da predominância do interesse, tanto
para as matérias cuja definição foi preestabelecida pelo texto constitucional, quanto em
termos de interpretação em hipóteses que envolvem várias e diversas matérias, como na
presente ação direta de inconstitucionalidade (Brasil, 2017, grifo nosso).
Com efeito, subsidiariedade, empoderamento dos órgãos da federação da partir do critério
da preponderância do interesse, respeito à estrutura estática ao ordenamento constitucional — e que
deve conviver com a dinâmica cooperativa — apontam para um melhor arranjo racional e
cooperado, dissipando os conflitos em prol da efetividade de direitos fundamentais.
Por fim, sobressai do julgado um tema da maior importância que diz respeito à própria
atuação do Poder Judiciário no controle da validade das políticas públicas. Bem destacado que “não
cabe ao Supremo Tribunal Federal elaborar políticas públicas ambientais ou escolher alternativas
normativas aos desenhos institucionais aprovados pelo Poder Legislativo ou Poder Executivo”
(Brasil, 2022, p.98). Em que pese o Poder Judiciário ter com frequência realizado audiências
7 Leia-se, a ADI 3470: “O devido equacionamento da distribuição constitucional de competências legislativas entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios há de ser feito sempre à luz do princípio federativo, que,
vocacionado à instrumentalidade requerida pela dinâmica das relações entre as instituições republicanas, ora tende a
afirmar a autonomia, ora legitima a uniformização institucional e a cooperação dos entes federados sob uma União
soberana. O estabelecimento, na Constituição de 1988, de competências normativas concorrentes tem sido
apontado pela doutrina como fórmula típica da passagem do federalismo hegemônico e centrípeto, que marcou a
história republicana brasileira, para um federalismo de equilíbrio. Buscou-se, com isso, um aperfeiçoamento das
instituições republicanas no sentido de atenuar a tendência excessivamente centralizadora historicamente
predominante na organização do Estado brasileiro, valorizando-se, assim, a autonomia dos entes federados ‘sem,
contudo, causar prejuízo à previsão de diretivas nacionais homogêneas, necessárias para a integração do país’.
Entendo, nesse contexto, que a chave hermenêutica para a adequada apreensão do sentido da cláusula definidora das
competências legislativas concorrentes, na Constituição da República, é o princípio federativo, considerado em sua
estrutura complexa, seu caráter instrumental e sua teleologia” (Brasil, 2017b).
públicas para decidir temas que se revestem de essencial natureza técnica (aborto de anencéfalos,
código florestal, entre outros), evidentemente não dispõe de conhecimento técnico, o que, como se
disse, não elimina sua função de verificação se assim instado, de validade e eficácia de políticas
públicas8, sem que isso represente violação à separação de poderes.
No afã de vislumbrar tal função, atento à complexa malha intentada pela Lei
Complementar nº 140/2011, o julgado recomenda o Estudo de Impacto Regulatório, nas
modalidades ex post e retrospectiva, previsto na Lei nº 13.874/2019. De fato, a Lei Complementar
nº 140/2011 e o sistema por ela criado revela um quadro complexo, o qual, associado aos demais
diplomas, seja a Política Nacional do Meio Ambiente, demais políticas nacionais e setoriais, tornam
a empreitada desafiadora. E destaca a ministra:
O diálogo das fontes revela-se nesse quadro como principal método interpretativo. A
legislação tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de assegurar a permanente
cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da articulação entre as
dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas aos entes federados
(Brasil, 2022, p.99).
O Estudo de Impacto regulatório sugerido funciona como um mecanismo de eficácia do
modelo adotado pelo legislador e como mecanismo de aperfeiçoamento do federalismo cooperativo
e dos arranjos vislumbrados na Lei para dar concretude aos direitos fundamentais.
Em suma, essas são algumas notas, baseadas em conceitos e na hermenêutica vislumbrada
no acórdão comentado, que apontam para direcionamentos que poderão contribuir de forma
significativa no aperfeiçoamento do federalismo cooperativo em matéria ambiental.
CONCLUSÃO
Em conclusão, foi verificado que, não obstante o federalismo cooperativo tenha ganhado
normatividade no âmbito da CRFB/88, com as competências comuns delimitadas em matéria de
competência material e as concorrentes de competência legislativa como regra, prevaleceu, durante
muito tempo, no que se refere à elaboração de normas e atuação da própria Administração Pública,
um modelo centrípeto, em que os entes da federação, Estados e Municípios, eram desbastados de
seu poder de legislar e administrar na avaliação que era realizada pelo Poder Judiciário acerca da
validade das normas editadas em face do sistema de competência sufragado constitucionalmente.
8 Leia-se a passagem do voto nesse sentido: “Compete a este órgão jurisdicional o controle da validade das políticas
públicas aprovadas pelos demais poderes, a partir das diversas técnicas decisórias, com consequências restritivas na
liberdade decisória de conformação legislativa ou executiva, cujo campo de atuação é contornado pelos imperativos
constitucionais de tutela” (Brasil, 2022, p. 98).
Esse quadro foi evoluindo substancialmente a partir de alguns entendimentos do Supremo
e ganharam expressão enorme com a Pandemia da COVID-19, em que a atuação dos entes se fez
necessária para proteção da saúde, sendo certo que os Tribunais, de forma expressiva, sufragaram a
edição de leis e normas administrativas destinadas ao isolamento social, respeitada, obviamente, a
competência privativa da União à edição de normas gerais notadamente para definir serviços
essenciais, seu funcionamento e seu respectivo enquadramento em todo o território nacional.
Nessa eclosão, o empoderamento dos Estados e Municípios para proteção ambiental pelos
Tribunais no âmbito de sua autonomia federativa se fez presente, representando um inegável
fortalecimento do federalismo cooperativo e, com a atuação sinérgica dos entes, foi potencializada a
concretude de direitos fundamentais, em especial os relacionados à saúde e ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, o que foi referendado pelo Poder Judiciário.
No que tange à competência administrativa ambiental, certo é que a CRFB/88, em seu art.
23, parágrafo único, previa que a competência comum exercida pelos entes da federação teria sua
forma de cooperação regulada por lei complementar, o que só veio a ocorrer em 2011, sendo certo
que até então muitos conflitos de competência tinham lugar e frequentemente o Poder Judiciário era
instado a decidir sobre tais conflitos. Contudo, era certo afirmar que, longe de representar
cooperação, o conflito propiciava gastos desnecessários, falta de sinergia, sobreposição de atuações
e desprestígio à cooperação destinada à proteção do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
A edição da Lei Complementar prevista constitucionalmente trouxe técnicas diferenciadas
na gestão ambiental, tendo sido vários de seus dispositivos objeto de questionamento perante o
Supremo Tribunal Federal, através da ADin nº 4757, de relatoria da Ministra Rosa Weber, em que,
salvo poucos exceções, o conteúdo da lei foi prestigiado pela Corte à unanimidade, mantendo-se a
inteireza do Diploma em comento.
O trabalho apresentado se debruçou sobre esse julgado e na hermenêutica por ele utilizada,
que colocou luzes sobre o modelo de federalismo cooperativo, identificando que, a partir da
evolução da jurisprudência do próprio Supremo, e com base nas técnicas legislativas contidas no
diploma impugnado, foram identificados princípios e critérios interpretativos que se procurou
destacar ao longo do artigo como de extrema utilidade para o aperfeiçoamento do federalismo
cooperativo, a saber: o princípio da subsidiariedade no marco da competência legislativa
concorrente, a lógica da preponderância do interesse, a faceta dinâmica do federalismo, os quais,
conjugados, apontam para uma arquitetura federativa de molde a prestigiar o melhor funcionamento
da federação em prol da concretude de direitos fundamentais.
Foi identificado que o modelo proposto — observada a estrutura estática do federalismo e
a lógica da preponderância dos interesses —, através das direções sufragadas pelo Supremo,
poderão representar uma enorme contribuição em matéria de cooperação dos entes federados na
concretude de direitos fundamentais, já que o que se preconiza é a colaboração interfederativa, o
que se mostra fundamental em um cenário em que os desafios de preservação ambiental são
imensos e em que uma estrutura estática e rígida seria incapaz de dar conta da variedade de desafios
apresentados, seja na esfera regulatória ou fiscalizatória.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Paulo Bessa. Federalismo e Competências Ambientais no Brasil. 2. ed. São Paulo:
Editora Atlas, 2015.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da
República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituiçao.htm. Acesso em: 16 out.2023.
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Brasília,
DF: Presidência da República, 1981. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 16 out.2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 29299-RS. Constitucional. Meio
ambiente. Legislação municipal supletiva. Possibilidade. Atribuindo, a Constituição Federal, a
competência comum à União, aos Estados e aos Municípios para proteger o meio ambiente e
combater a poluição em qualquer de suas formas, cabe, aos Municípios, legislar supletivamente
sobre a proteção ambiental, na esfera do interesse estritamente local [...]. Relator: Min. Demócrito
Reinaldo. Diário da Justiça: seção 1, Brasília, DF, p.27861, 17 out. 1994.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3645-PR. Lei
14.861/05, do estado do Paraná. Informação quanto à presença de organismos geneticamente
modificados em alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano e animal. Lei
Federal 11.105/05 e Decretos 4.680/03 e 5.591/05. Competência legislativa concorrente para dispor
sobre produção, consumo e proteção e defesa da saúde [...]. Relatora: Min. Ellen Gracie, 31 de maio
de 2006. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur92724/false. Acesso em:
16 out.2023.
BRASIL. Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos
incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a
cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas
decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais
notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à
preservação das florestas, da fauna e da flora[...]. Brasília, DF: Presidência da República, 2011.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm. Acesso em: 16
out.2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.030-SC. Ação
Direta de Inconstitucionalidade. Repartição de competências. Lei Estadual 11.078/1999, de Santa
Catarina, que estabelece normas sobre controle de resíduos de embarcações, oleodutos e instalações
costeiras. Alegação de ofensa aos artigos 22, I, da Constituição Federal. Não ocorrência. Legislação
estadual que trata de direito ambiental marítimo, e não de direito marítimo ambiental [...]. Relator:
Min. Gilmar Mendes, 09 de agosto de 2017. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur392844/false. Acesso em: 16 out.2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4066 -DF, Tribunal
Pleno. Art. 2º, caput e parágrafo único, da Lei nº 9.055/1995. Extração, industrialização, utilização,
comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham. Amianto
crisotila. Lesividade à saúde humana. Alegada inexistência de níveis seguros de exposição.
Legitimidade ativa ad causam[...]. Relatora: Min. Rosa Weber, 24 de agosto de 2017a.
Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur381361/false. Acesso em: 16
out.2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3470-RJ. Lei nº
3.579/2001 do Estado do Rio de Janeiro. Substituição progressiva da produção e da comercialização
de produtos contendo asbesto/amianto. Legitimidade ativa ad causam. Pertinência temática. Art.
103, IX, da Constituição da República. Alegação de inconstitucionalidade formal por usurpação da
competência da união. Inocorrência [...]. Relatora: Min. Rosa Weber, 29 de novembro de 2017b.
Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur397205/false. Acesso em: 16
out.2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Preceito Fundamental 668 e 669-DF. Relator:
Min. Luis Roberto Barroso, 31 de março de 2020a. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1082189/false. Acesso em: 16 out.2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Preceito Fundamental 672- DF.
Constitucional. Pandemia do coronavírus (covid-19). Respeito ao federalismo. Lei Federal
13.979/2020. Medidas sanitárias de contenção à disseminação do vírus. Isolamento social. Proteção
à saúde, segurança sanitária e epidemiológica. [...]. Relator: Min. Alexandre de Moraes, 8 de abril
de 2020b. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur435113/false. Acesso
em: 16 out.2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4619/SP.
Legitimidade ativa. Confederação sindical. Art. 103, IX, da CF. Lei nº 14.274/2010 do Estado de
São Paulo. Rotulagem de produtos transgênicos. Alegação de inconstitucionalidade formal. Invasão
da competência privativa da União para legislar sobre comércio interestadual. [...]. Relatora: Min.
Rosa Weber, 13 de outubro de 2020c. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur439094/false. Acesso em: 16 out.2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Preceito Fundamental 567-SP. Direito
Constitucional. Federalismo e respeito às regras de distribuição de competência. Lei 16.897/2018
do município de São Paulo. Predominância do interesse local (art. 30, I, da CF). Competência
legislativa municipal [...]. Improcedência. Relator: Min. Alexandre de Moraes, 01 de março de
2021. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur443224/false. Acesso em: 16
out.2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4757-DF.
Constitucional. Ambiental. Federalismo cooperativo. Competência comum em matéria ambiental.
Parágrafo único do art. 23 cf. Lei Complementar nº 140/2011. Federalismo ecológico. Desenho
institucional da repartição de competências fundado na cooperação. Reconhecimento do princípio
da subsidiariedade. Direito fundamental ao meio ambiente [...]. Relatora: Min. Rosa Weber, 13 de
dezembro de 2022. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur476197/false.
Acesso em: 16 out.2023.
ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Relatório de Pesquisa
NUPEAMIA. Rio de Janeiro: EMERJ, 2022. Disponível em:
https://site.emerj.jus.br/pagina/8/131/183. Acesso em: 16 out. 2023.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 16. ed. São Paulo:
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FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Tutela jurídica da saúde em
face do Direito Ambiental brasileiro: saúde ambiental e meio ambiente do trabalho. Rio de
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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros,
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MOURÃO, Antonio Hamilton Martins. Limites e responsabilidades. Jornal Estadão, São Paulo,
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SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.