DEBATES SOBRE TERCEIRIZAÇÃO E PÓS-FORDISMO: O CASO DA LEI Nº 11.442, DE 2007
Fabio de Medina da Silva Gomes
Professor de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Doutor em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense
Wanise Cabral Silva
Doutora em Direito. Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense.
Submissão em: 02/03/2023
Aprovado em: 03/03/2023 e 05/04/2023
Resumo: O artigo em tela pretende refletir sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 48 em face da Lei nº 11.442, de 2007, que atribuiu natureza comercial às relações entre empresa de transporte e transportador de carga autônomo, e usar como pano de fundo para toda a discussão teórica a terceirização, que pode ser compreendida com o estudo daquilo que alguns autores entendem como pós-fordismo ou toyotismo. Assim, por meio da análise normativa e da jurisprudência, chegou-se à conclusão de que a consequente terceirização da atividade-fim no transporte de carga autônomo e todas essas mudanças possibilitaram um aparente retrocesso nas conquistas de um Direito do Trabalho de viés e de interesse protetor.
Palavras-chaves: Toyotismo; terceirização; transporte de carga autônomo; princípio da proteção.
Abstract: The article on screen intends to reflect on the Declaratory Action of Constitutionality n. 48 in the face of Law No. 11,442 of 2007, which assigned a commercial nature to relations between a transport company and an autonomous cargo carrier. Using outsourcing as a background for the entire theoretical discussion, which can be understood with the study of what some authors understand as post-Fordism or Toyotism. Thus, through normative analysis and jurisprudence, it was concluded that and the consequent outsourcing of the core activity in the autonomous transport of cargo and all these changes made possible an apparent setback in the achievements of a Labor Law of bias and of protective interest.
Keywords: Toyotism; outsourcing; autonomous freight transport; principle of protection.
Introdução
O presente artigo pretende refletir sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 48 em face da Lei nº 11.442, de 2007, que atribuiu natureza comercial às relações entre empresa de transporte e transportador de carga autônomo. Em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a lei mencionada, por maioria de votos, cuja ementa é a que se segue:
DIREITO DO TRABALHO. AÇÃO DECLARATÓRIA DA CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. LEI 11.442/2007, QUE PREVIU A TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM. VÍNCULO MERAMENTE COMERCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. 1. A Lei 11.442/2007 (i) regulamentou a contratação de transportadores autônomos de carga por proprietários de carga e por empresas transportadoras de cargas; (ii) autorizou a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras; e (iii) afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese. 2. É legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. Como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente (CF/1988, art.170). A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação e emprego (CF/1988, art.7º). Precedente: ADPF 524, Rel.Min.Luís Roberto Barroso. 3. Não há inconstitucionalidade no prazo prescricional de 1 (um) ano, a contar da ciência do dano, para a propositura de ação de reparação de danos, prevista no art.18 da Lei 11.442/2007, à luz do art.7º, XXIX, CF, uma vez que não se trata de relação de trabalho, mas de relação comercial. 4. Procedência da ação declaratória da constitucionalidade e improcedência da ação direta de inconstitucionalidade. Tese: “1- A Lei 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim. 2- O prazo prescricional estabelecido no art.18 da Lei 11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o art.7º, XXIX, CF. 3- Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista.
1. Contextualização
A terceirização pode ser mais bem compreendida com o estudo daquilo que alguns autores entendem como pós-fordismo ou toyotismo. Esse modelo de produção que sucedeu o fordismo mudou profundamente o modelo de vida em boa parte do mundo, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. Harvey (1992) afirma a existência de uma relação ente as mudanças culturais e novas formas mais flexíveis de trabalho. O fordismo era marcado por uma grande influencia estatal, por consumo e produção em massa. A gerência, como aponta Braverman (1987), ocupava um papel importante no controle da produção industrial. Assevere-se, ainda, o aparecimento de uma classe média por conta desse sistema, como quer Mills (1979).
As novas tecnologias propiciaram uma reconstrução do espaço-tempo que, aliados à globalização, marcaram toda uma reorganização do sistema produtivo, sobretudo com os processos de terceirização. Assim, Luciano Martinez (2020) definiu terceirização como
uma técnica de organização do processo produtivo por meio da qual uma empresa, visando concentrar esforços na consecução do seu objeto social (em sua atividade fim), contrata outra empresa, entendida como periférica, para lhe dar suporte em serviços que lhe pareçam meramente instrumentais, tais como limpeza, segurança, transporte e alimentação, normalmente identificados como atividades-meio. (p. 300)
Em sentido muito próximo, Delgado (2019) vai explicar que a expressão “terceirização” deriva da palavra “terceiro”. Esse neologismo foi construído pela área empresarial, não guardando relação com a expressão “terceiro” no sentido jurídico. Contudo, para o Direito do Trabalho, a expressão tem um sentido mais pontual.
Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido. (p. 542)
O autor segue explicando que esse modelo trilateral, típico das terceirizações, não se conforma completamente ao modelo clássico do vínculo empregatício, por sua característica bilateral. A dissociação entre relações econômicas e jurídicas trouxe graves desajustes ao mercado de trabalho. A terceirização tem rebaixado o patamar da retribuição material do empregado terceirizado, e não apenas pela baixa remuneração, mas pela ausência de um conjunto de vantagens e proteções tradicionalmente oferecidas, como, por exemplo, regulamentos da empresa ou direitos derivados das práticas empresariais. Gera-se, assim, firme desorganização coletiva do segmento profissional, esvaziando a própria ideia de categoria profissional. Houve forte desvalorização do trabalho subordinado, diminuiu-se o seu valor no sentido material, simbólico e jurídico. O sindicalismo vê-se enfraquecido pela terceirização, pulverizando interesses e criando uma dificuldade de identificação dos próprios trabalhadores com seus semelhantes.
A terceirização, prossegue o autor, se opõe à estrutura original do Direito do Trabalho, tanto teórica como normativamente. Ela também tem corroído uma matriz humanística instituída na Constituição da República de 1988, em especial nos princípios constitucionais do trabalho, seus objetivos fundamentais e a própria concepção inclusiva e democrática de sociedade civil. Nesse sentido, uma série de pesquisas têm demonstrado como a terceirização se revelou danosa aos interesses dos trabalhadores.
Segue o autor, asseverando que terceirização tem se apresentado como um fenômeno muito novo no Brasil, datando do final do século XX. Tratou-se, explica o autor, de uma fórmula disseminada pela primeira onda neoliberal, depois da crise do fordismo-taylorismo e do estado do bem-estar social ocorrido nos países centrais na década de 1970. A Consolidação não tratou, portanto, das questões atinentes à terceirização, dado que não era um fato na década de 1940. O diploma faz menção apenas a duas formas de subcontratação de mão de obra. Afora dessas incipientes referências, há algo ligeiramente próximo à terceirização, não se percebendo qualquer apontamento no sentido de uma relação de trabalho trilateral. Isso se deve ao fato de que nem na década de 1940, nem na de 1950 a terceirização como fato social foi relevante nos impulsos de industrialização. Nesse período, era o vínculo bilateral o modelo básico das relações empregatícias.
Foi nas décadas seguintes – de 1960 e de 1970 – que a terceirização, não com esse nome, foi aos poucos sendo incluída na ordem jurídica brasileira, sobretudo no segmento do setor público. Na década de 1970, houve profundas mudanças justrabalhistas, como afirma Delgado (2019),
A partir da década de 1970 a legislação heterônoma incorporou um diploma normativo que tratava especificamente da terceirização, estendendo-a ao campo privado da economia: a Lei do Trabalho Temporário (Lei n. 6.019/1974) — diploma que dizia respeito apenas à terceirização provisória, com curto período de duração. Tempos depois, pela Lei n. 7.102/83, autorizava-se também a terceirização da atividade superespecializada de vigilância bancária, a ser efetuada em caráter permanente (ao contrário da terceirização autorizada pela Lei n. 6.019/74, que era somente provisória).
Tão importante quanto essa evolução legislativa para o estudo e compreensão do fenômeno seria o fato de que o segmento privado da economia, ao longo dos últimos 30 anos do século XX, passou a incorporar, crescentemente, práticas de terceirização da força de trabalho, independentemente da existência de texto legal autorizativo da exceção ao modelo empregatício clássico. É o que se percebia, por exemplo, com o trabalho de conservação e limpeza, submetido a práticas terceirizantes cada vez mais genéricas no desenrolar das últimas décadas. (p. 543)
Continua o autor, afirmando que a jurisprudência da Justiça do Trabalho, nas décadas de 1980 e 1990, já que a prática da terceirização era cada vez mais frequente. Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho publicou a Súmula nº 256, que dizia,
Súmula nº 256 do TST
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (cancelada) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.
Essa súmula, alguns anos depois, foi cancelada e revisada pela Súmula nº 331 do mesmo tribunal, atualmente com a seguinte redação:
Súmula nº 331 do TST
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
Sobre todas essas mudanças, assevera Delgado (2019) a dificuldade do Direito do Trabalho em submeter essas questões aos princípios essenciais do Direito do Trabalho:
Como é comum ao conhecimento acerca de fenômenos novos, certo paradoxo também surge quanto ao estudo do presente caso. É que se tem, hoje, clara percepção de que o processo de terceirização tem produzido transformações inquestionáveis no mercado de trabalho e na ordem jurídica trabalhista do País. Falta, contudo, ao mesmo tempo, a mesma clareza quanto à compreensão da exata dimensão e extensão dessas transformações. Faltam, principalmente, ao ramo justrabalhista e seus operadores os instrumentos analíticos necessários para suplantar a perplexidade e submeter o processo sociojurídico da terceirização às direções essenciais do Direito do Trabalho, de modo a não propiciar que ele se transforme na antítese dos princípios, institutos e regras que sempre foram a marca civilizatória e distintiva desse ramo jurídico no contexto da cultura ocidental. (DELGADO, 2019, p. 543)
2. A Lei nº 13467/2017 e a Lei nº 11.442/2007
Essas mudanças geraram um grande desafio à formula bilateral contida na Consolidação, nos seus artigos 2º e 3º, situação agudizada pela Lei nº 13467/2017,
Uma singularidade desse desafio crescente reside no fato de que o fenômeno terceirizante tem se desenvolvido e alargado sem merecer, ao longo dos anos, cuidadoso esforço de normatização pelo legislador pátrio. Isso significa que o fenômeno tem evoluído, em boa medida, à margem da normatividade heterônoma estatal, como um processo algo informal, situado fora dos traços gerais fixados pelo Direito do Trabalho do País. Trata-se de exemplo marcante de divórcio da ordem jurídica perante os novos fatos sociais, sem que desponte obra legiferante consistente para sanar tal defasagem jurídica. Apenas em 2017 é que surgiu diploma que enfrentou mais abertamente o fenômeno da terceirização (Lei n. 13.467/2017), no contexto da denominada reforma trabalhista; porém, lamentavelmente, dentro do espírito da reforma feita, o diploma jurídico escolheu o caminho da desregulação do fenômeno socioeconômico e jurídico, ao invés de se postar no sentido de sua efetiva regulação e controle. (DELGADO, 2019, p. 544)
No segmento privado, segue o autor, a terceirização não se viu com o mesmo respaldo legislativo do que no caso do setor público. À exceção da Lei de Trabalho Temporário de 1974 e da Lei nº 7.102/1983, esta última dispondo sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores. Apesar desse pequeno número de situações legais sobre a terceirização, o fenômeno se generalizou nesse segmento. A jurisprudência, então, realizou esforço hermenêutico no sentido de aplicação de acordo com a ordem jurídica estabelecida.
O autor destaca que, no setor privado, até bem pouco tempo, os únicos diplomas sobre a questão eram a Lei de Trabalho Temporário e a lei sobre o trabalho de vigilância bancária. Sobre isso, Delgado (2019) destaca que
Entretanto, como se sabe, o processo terceirizante expandiu-se largamente no âmbito privado da economia fora das hipóteses jurídicas previstas nessas duas leis, mediante fórmula de terceirização permanente sem regulação expressa em textos legais trabalhistas. É claro que se poderia falar em aplicação analógica dos dois diplomas normativos referentes à Administração Pública (art. 10, caput, Decreto-lei n. 200/67 e Lei n. 5.645/70), autorizando-se, genericamente, a terceirização de atividades meramente instrumentais da empresa tomadora, suas atividades-meio. Contudo, a expansão fez-se muito além desses limites já bastante amplos.
O modelo terceirizante da Lei n. 6.019/74 (a ser detidamente estudado no item V, à frente) produziu, indubitavelmente, uma inflexão no sistema trabalhista do País, já que contrapunha à clássica relação bilateral (própria à CLT) uma nova relação trilateral de prestação laborativa, dissociando o fato do trabalho do vínculo jurídico que lhe seria inerente. Contudo, ainda assim tal inflexão foi limitada, uma vez que a fórmula do trabalho temporário não autorizava a terceirização permanente, produzindo efeitos transitórios no tempo. (DELGADO, 2019, p. 546)
Mais adiante, o autor vai asseverar que, muito embora haja legislação possibilitando a terceirização, ela não se enquadra na ordem jurídica imposta pela Constituição de 1988. Nesse sentido, a reforma trabalhista – Lei nº 13.467, de 2017, alterando a Lei nº 6.019, de 1974 – tratou de afastar diversos dispositivos de restrições e controles. Essas mudanças legislativas motivaram a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 324 do Distrito Federal, bem como o Recurso Extraordinário (RE) nº 958.252 de Minas Gerais. O debate tratou especialmente da questão da terceirização da atividade finalística das empresas tomadoras de serviço. Nesse sentido, o autor menciona que
Em sessões sequenciais ocorridas em 29 e 30.08.2018, a Corte Máxima, por maioria de votos (vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio), decidiu ser “lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante” (STF — Informativo 913, Plenário, agosto/2018).(19) Nesse quadro, ao “fixar essa tese de repercussão geral (Tema 725), o Plenário, em conclusão de julgamento conjunto e por maioria, julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e deu provimento a recurso extraordinário (RE) para considerar a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio (Informativos 911 e 912)”.
Segundo escreve o Informativo 913 do STF, o voto de relatoria do Min. Luis Roberto Barroso, na ADPF n. 324/DF, estatui que a “terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios constitucionais da livre-iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade.” (grifos acrescidos). Ficou, então, advertido que, “no contexto atual, é inevitável que o Direito do Trabalho passe, nos países de economia aberta, por transformações. Além disso, a Constituição Federal (CF) não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias de produção flexíveis, tampouco veda a terceirização.” (STF — Informativo 913, Plenário, agosto/2018).
Também se agregou que: “Por si só, a terceirização não enseja a precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. Terceirizar não significa, necessariamente, reduzir custos. É o exercício abusivo de sua contratação que pode produzir tais violações”. (...) Para evitar o exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante observar certas formalidades.” (STF — Informativo 913, Plenário, agosto/2018). (DELGADO, 575)
Por fim, Delgado (2019) resume a questão dos julgados:
firmou-se a tese, pelo STF, por maioria, no sentido de ser ‘lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante’. A Corte Máxima, entretanto, não explicitou a modulação temporal de efeitos de sua grave decisão, que altera jurisprudência vigorante há cerca de quatro décadas no País. A comunidade jurídica aguarda que, em embargos de declaração, o Supremo Tribunal Federal esclareça esse importante aspecto de sua decisão prolatada em 30 de agosto de 2018. (DELGADO, 576)
Poderíamos ressaltar muitas questões trazidas pela doutrina sobre a prática da terceirização. Contudo, podemos desde já colocar em relevo a Lei nº 11.442, de 2007 – esta, além de autorizar a terceirização de atividade-fim pelas empresas transportadoras, afastou a configuração do vínculo de emprego. Trata-se aqui de uma problemática antiga sobre a diferenciação entre atividades-meio e finalísticas da empresa tomada de mão de obra. Com base na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, a doutrina tratou de diferenciar esses dois tipos de atividade. Como quer Martinez (2020), a atividade-fim seria uma tarefa relacionada de forma íntima ao chamado objeto social da empresa, enquanto que a atividade-meio é aquela que se presta meramente a instrumentalizar, facilitar alguns propósitos da empresa, sem neles interferir. É evidente que se trata de uma fronteira tênue. Essa divisão, atualmente, é desnecessária, visto que o Supremo Tribunal Federal entendeu a possibilidade de terceirizar ambas as atividades.
Considerações Finais
Como já era de se esperar, tendo em vista os precedentes do Supremo Tribunal Federal, depois das alterações na Lei nº 6.019, de 1974, e tendo em vista os precedentes que julgou pela constitucionalidade da Lei nº 11.442, de 2007, e da consequente terceirização da atividade-fim no transporte de carga autônomo. Todas essas mudanças asseveram um forte retrocesso nas conquistas de um Direito do Trabalho que realmente faça jus ao Princípio Protetor.
BIBLIOGRAFIA
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. A degradação do trabalho no século XX, Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2019.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
MILLS, Charles Wright. A nova classe média. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1979.