A LIBERDADE E A LEI NA CONSTITUIÇÃO DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
Amaro Couto
Professor de Direito Constitucional na Universidade Lusíada de S. Tomé e Príncipe.
Submissão em: 03/11/2022
Aprovado em: 17/04/2023 e 27/04/2023
Resumo: País novo, independente há pouco mais de quatro décadas, dois aspetos são a considerar no percurso de São Tomé e Príncipe para a afirmação da liberdade: a instauração da autoridade e o estabelecimento da Constituição, ambos necessários para a imposição da lei e a regulamentação da liberdade. Faltou liberdade quando o país era colónia. Poder-se-ia pensar que com a descolonização se retomaria o curso que a natureza traçou para o percurso da liberdade. Apercebeu-se, contudo, de que o romantismo motivador das ações anticoloniais fundadas no sonho da liberdade não se enquadrava nas perspetivas de organização das sociedades humanas fundadas na hierarquização e atravessadas por uma clivagem separando a sociedade da autoridade e dando lugar à sobreposição da autoridade sobre a liberdade. Pelo encadeamento das relações entre a liberdade, a Constituição e a autoridade, a lógica requeria que fosse a Constituição a anteceder a autoridade, mas foi o inverso a acontecer, ficando definido pela autoridade o modelo constitucional instituído. Pela Constituição, a autoridade dotou-se da lei, instrumento fundamental para a regulação da liberdade. É da relação entre a liberdade e a lei de que se pretende dar conta neste artigo.
Palavras-chave: liberdade, lei, autoridade, Constituição.
Sommaire: Un nouveau pays, indépendant depuis un peu plus de quatre décennies, deux aspects doivent être considérés dans le parcours de Sao Tomé et Principe vers l’affirmation de la liberté: l’instauration de l’autorité et l’établissement de la Constitution. Les deux nécessaires pour l’imposition de la loi et de la réglementation de la liberté. La liberté était défaillante quand le pays était en état de colonie. On pourrait penser qu’avec la décolonisation serait repris le cours que la nature a tracé pour la liberté. On s’est rendu cependant compte que le romantisme qui motivait les actions anticoloniales fondées sur le rêve de liberté, ne s’inscrivait pas dans les perspectives d’organisation des sociétés humaines fondée sur la hiérarchie et traversé para un clivage séparant la société de l’autorité et donnant lieu à la superposition de l’autorité sur la liberté. Du fait de l’enchaînement des rapports entre liberté, Constitution et autorité, la logique voulait que la Constitution précède l’autorité, mais c’est l’inverse qui s’est produit, l’autorité définissant le modèle constitutionnel institué. Par la Constitution, l’autorité s’est dotée de la loi, instrument fondamental de régulation des libertés. C’est du rapport entre la liberté et la loi que cet article se propose d’aborder.
Mots-clés: liberté, droit, autorité, constitution
Introdução
É a menos de cinco décadas que a Constituição emergiu na realidade social e política de São Tomé e Príncipe. Foi um acontecimento que se seguiu ao fim da ditadura colonial ocorrido em 1975.
A Constituição é determinante para a organização e funcionamento do Estado, instituição investida de autoridade suprema no interior dos países com a soberania afirmada.
Proclamada a sua independência, São Tomé e Príncipe dotou-se também do Estado, sendo que assim se afiliou a ordem constitucional então consolidada a escala mundial. O estabelecimento do Estado operou-se sem na verdade se espelharem as justificações de tal escolha, o que deixa intacta a dúvida quanto a ter existido reflexão prévia à volta de um tal assunto ou se se terá apenas deixado levar pela força do mimetismo e agido por influência da sedução gerada pelo ambiente internacional prevalecente.
O arquipélago de São Tomé e Príncipe, situado sobre a linha do Equador, nas costas atlânticas do continente africano, foi num largo período da história colonial entreposto no quadro de comércios diversos que os colonialistas praticaram entre a África e o resto do mundo. Tratou-se de mais um aspeto demonstrativo da interpenetração objetiva dessas ilhas com as realidades do continente. Foi uma época de choques entre os colonialistas e os indígenas por onde a superioridade bélica daqueles acabou por estancar e desfazer o modelo africano de organização política, substituído a partir de então pela Administração Colonial, imposta nos territórios submetidos à colonização.
Com o fim da colonização, foi implantado o Estado nos territórios anteriormente colonizados.
Foi essa a via por que passou o processo de organização política em São Tomé Príncipe. O Estado surgiu como se da natureza tivesse emergido, não tendo os descolonizadores indagado sobre as condições para a sua existência.
Por uma Lei Fundamental, enquanto instrumento transitório até ao estabelecimento da primeira Constituição, aprovada no mesmo dia da descolonização, foram instituídos os órgãos do Estado e as normas para os seus funcionamentos e o funcionamento da Administração.
A passagem da Administração colonial para o Estado operou-se sem se indagar sobre a pertinência de tal escolha, sem se penetrar na averiguação da organização política existente no período anterior à colonização e sem se questionar sobre a necessidade de uma organização política objetivamente ajustada às caraterísticas de São Tomé e Príncipe.
As consequências da opção manifestam-se em fatos, que se revelam inevitáveis, em forma de dependência pela via de assistência dos Estados mais antigos, assistência umas vezes veiculada mediante condicionalidades e outras vezes resultado de procuras deliberadas, inerentes à natureza da solução adotada.
É nesse contexto que, no presente trabalho, se aborda a problemática da interdependência entre a liberdade e a lei na Constituição de São Tomé e Príncipe.
II. A liberdade e a lei
A liberdade é uma condição natural, emergida diretamente da natureza e em concomitância com a natureza. É uma condição que molda o estatuto dos seres vivos, vegetais, animais e humanos que nascem livres e podendo-se pensar predestinados a uma existência isenta de constrangimentos que não sejam os decorrentes da própria natureza para a inerência das inter-relações entre os seres vivos. Já a lei é uma convenção consentida entre humanos para a defesa da ordem instalada e a perenidade da instituição na origem da ordem. Entre a lei e a liberdade, é esta que, na escala de valores, se revela superior, decorrendo das relações entre as duas a impossível subalternização da liberdade. Mas, atendendo às necessidades da ordem e a defendida supremacia da instituição que estabelece a ordem, impuseram-se limitações à liberdade, intervindo a lei para circunscrever limites à liberdade. Assim, a liberdade viu-se desviada do seu percurso natural para também se tornar convencional e mais facilmente se submeter às finalidades da lei.
Consequência da influência humana sobre a natureza, emergiram liberdades convencionadas, como a propriedade privada, e outras que dela decorrem, como o trabalho, o domicílio individual, a identidade pessoal, a família ou a intimidade pessoal, tendo-se ainda convencionado limites às liberdades de que o humano se vê naturalmente investido, como as liberdades de deslocação, de viver – que pode estar limitada pela pena de morte – e de integridade física, quando, em nome da investigação policial, a força pública pratica ações degradantes sobre a pessoa humana.
Os condicionalismos à liberdade recorrentes no período colonial prosseguiram em formas renovadas na independência no quadro da cultura constitucional.
Emergida para a gestão dos conflitos e das diferenças, a cultura constitucional é o resultado da evolução que se arrasta desde os primórdios de uma parte da humanidade e que acabou por se instalar dominantemente na compreensão geral e, sem admitir alternativas, fixou a ideia de ser ela a verdade, ou seja, a realidade incontornável destinada a acolher todos os humanos e a todos proporcionar uma existência agradável. Trata-se, na verdade, de uma evolução portadora de problemas vários, impondo às pessoas uma vida em que a felicidade se torna mais quimera do que possível pela predominância de desigualdades, hierarquizações, competições, angústias, inseguranças ou frustrações.
Numa primeira fase, de 1975 a 1990, a estrutura do poder político se hierarquizou. Estabeleceu-se o partido único, ficando a vontade do partido a direcionar a ação do Estado1, que por essa razão não conseguiu, nesse período, assumir o estatuto de supremo poder dentro da sociedade que a evolução das sociedades independentes lhe vai conferindo. À luz das disposições constitucionais, a liberdade era equacionada em função do necessário para a realização dos objetivos do Estado.
É o que ressaltava da Constituição de 19752 sem real alteração nas revisões constitucionais que se operaram em 1980 e 1982. O quadro constitucional de então superiorizou os objetivos do Estado sobre a liberdade. Essa hierarquização ficou fortemente revertida na Constituição de 1990 e na revisão constitucional de 2003, por onde se fixou a limitação à liberdade somente quando estivesse em causa o dever de fraternidade de umas pessoas em relação às outras3.
Nesse quadro, foi admitida a teoria da hierarquia das normas que se mantém uma constante desde a independência do país.
No período colonial, confundia-se a lei com a autoridade sem na realidade se distinguir as diferentes normas pelas quais a Administração Colonial exercia os seus poderes. Pela hierarquia das normas, impôs-se tal distinção, vindo a lei situar-se entre a Constituição e os tratados internacionais4. Acentuou-se a pulverização de ato legislativo. À lei, ato do Poder Legislativo, impondo-se a todos os indivíduos e instituições, vem se equiparar às normas gerais do Poder Executivo nacional, como os Decretos-leis e os Decretos, e, dos poderes regionais, os Decretos Regionais e os Decretos Executivos Regionais, impondo-se pelas razões de diferenças de autoridades entre os órgãos, autores desses atos, a hierarquização formal entre eles.
Com a evolução do quadro constitucional, evoluiu o estatuto da propriedade privada, que, de tolerada, veio a ser garantida. Pois, tal como a liberdade em geral, a Constituição de 1975 subordinou a propriedade privada aos objetivos da política económica do Estado, permitindo a coexistência desse tipo propriedade com a propriedade pública na condição de ela não contrariar os objetivos económicos do Estado5. Essa situação foi revertida na Constituição de 1990 onde a todos é assegurado o direito à propriedade privada, sem qualquer condição6.
III. A lei, instrumento da autoridade para regular a liberdade
A imposição da autoridade na sociedade dá lugar à existência da lei, instrumento de regulação da liberdade e que se justifica para a salvaguarda da própria liberdade, pois a Constituição determina áreas da liberdade que a autoridade deve respeitar. É, no entanto, na forma para a formação e o exercício da autoridade que o problema acaba por se elevar.
Estabelecido o Estado e o modelo para nele se projetarem os representantes dos eleitores, ficaram criadas as condições para a emergência da lei.
A lei começou por ser a tradução da vontade e da ordem do colonizador para depois, na independência, ser a representação da vontade coletiva. Mas, para ser o resultado da vontade coletiva, necessário seria que nela se aglutinassem as expetativas da coletividade humana aí assentada, o que não aconteceu, ficando a expressão da vontade coletiva reduzida ao que oferecia o ambiente internacional envolvente, ou seja, a vontade dos eleitores que no final se condensa numa consistência numérica ainda mais pequena, concretizada na realidade da maioria dos votantes.
Mais, a lei não emerge diretamente da vontade coletiva, ou seja, a lei não é elaborada imediatamente à formação dessa vontade. A lei é sim obra indireta da vontade coletiva realizada por aqueles chamados a representar a vontade coletiva. Encontramos aqui a projeção do regime representativo emergido da narrativa contratual de Rousseau.
É verdade que, pelo mecanismo da representação, se pretenda que os representantes exerçam munidos de mandatos atribuídos pelos seus eleitores. Aí também há problemas, na medida em que os conteúdos dos mandatos não são resultado direto da vontade dos eleitores. Originam dos programas e propostas dos candidatos à representação e traduzem-se nos programas e propostas dos que se incluírem no círculo dos votos maioritariamente expressos.
É pela vontade dos representantes maioritariamente eleitos que a lei é elaborada. Porque a lei, reguladora da liberdade, não é elaborada diretamente pelos eleitores maioritários. Não há como evitar os riscos de manipulação se os representantes se puserem a privilegiar as suas próprias vontades e ideias em detrimento das vontades e ideias dos eleitores que os elegeram. É num tal ambiente que a lei estabelece os direitos e os deveres dos indivíduos tendo em vista a conservação da paz social que acaba por ser a que se circunscreve no modelo defendido pelos representantes.
A lei interage com a liberdade, ora limitando a manifestação da liberdade, ora assegurando a sua salvaguarda. A liberdade justifica a existência da lei, e a lei se destina a proteger a liberdade. Mas a confiança para a preparação e a aprovação da lei, expressão da vontade coletiva, é depositada nas pessoas dos representantes, o que pode condicionar a liberdade, sobretudo quando os representantes estimam prioritário defender objetivos que não sejam os da liberdade. Tal pode se ver facilitado pelas condições de funcionamento do Parlamento quando confinado no papel de aprovar a lei, o que aconteceu na fase de partido único em que não havia oposição, e o que acontece no multipartidarismo atual em que a maioria parlamentar se habituou a não acolher as opiniões da oposição, acabando por esterilizar o debate democrático que nele se realiza.
Da análise efetuada pelos representantes no quadro do caso pandémico do covid-19 resultou o confinamento geral e obrigatório para toda a população, tendo o Presidente da República decretado o estado de emergência nacional, depois de para tal autorizado por uma Resolução da Assembleia Nacional como constitucionalmente estabelecido. Tal grau de restrição da liberdade só foi possível depois de instituído o estado de emergência, condição constitucional para a validade dessa medida. Contudo, a medida se concretizou sem a consulta popular prévia estando esse modelo de atuação privilegiado pelo constituinte que excluiu a participação ou a interferência popular no processo legislativo.
Entre a lei e a liberdade, interpõe-se um desequilíbrio em detrimento da liberdade. É o que transparece logo em certos aspetos do processo legislativo. Quando se verifica a unidade de objetivos entre os representantes, é sinal de impossibilidade de oposições entre eles, o que pode deixar a liberdade sem proteção no âmbito da preparação e da aprovação da lei, sobretudo se os representantes superiorizam outras finalidades que não sejam as da liberdade. Transpondo-se o processo legislativo, a aplicação da lei pode dar lugar a manifestações de liberdade pelos indivíduos que se podem pôr em violadores da lei. Nesse caso, a lei acaba por se sobrepor pela punição que ela própria já estabelece contra as demonstrações adversas às que nela se estabelecem.
Pela remissão constitucionalmente permissiva à Declaração Universal dos Direitos do Homem7, impõe-se na ordem jurídica interna que nas relações entre os indivíduos prevaleça o espírito de fraternidade, decorrendo daí a solidariedade e a necessária observância do respeito pelos direitos de todos de tal modo que na sociedade ninguém tenha por ofendido o seu próprio direito. Tal construção exige a instauração da ordem constitucional existente, assegurada pela autoridade da lei para impor e garantir que as interferências de uns na liberdade de outros sejam prevenidas e punidas no caso de acontecerem.
Na prática, revela-se realidade diversa, observando-se, por vezes, diminuída a autoridade da lei pela interposição que se verifica dos interesses nas relações entre os indivíduos, dando lugar a que cada um procure a satisfação para si próprio, mesmo que prejudicando os interesses dos outros, num jogo em que os fortes ganhando e os fracos perdendo, faz com que permaneçam e até se agravem os problemas da sociedade e consequentemente das pessoas. Tal realidade restringe consideravelmente a autoridade da lei e o espaço da liberdade. Mesmo que se envereda pela correção dos excessos, prevalecerá, por um tempo, as limitações que de fato essas relações impõem sobre a liberdade e a lei.
No modelo constitucionalizado de organização económica e social, as dinâmicas da liberdade e da lei convergem num ponto consagrando a harmonia entre os dois para que prevaleça a boa organização e a disciplina dentro da sociedade.
É pela necessidade que se impõe a autoridade da lei e a restrição da liberdade. A medida da necessidade implica a determinação de circunstâncias em que a autoridade da lei pode se impor sobre a liberdade, o que deixa pouca margem ao livre-arbítrio do legislador no processo de elaboração da norma ou do intérprete na aplicação da norma. Pois, as restrições ou suspensões da liberdade vêm autorizadas na Constituição, mas esta precisa das condições para que sejam possíveis, possibilitando-as em situações de estados de sítio e de emergência e em outras circunstâncias. Por exemplo, a lei pode restringir: a livre escolha do trabalho a exercer-se se estiver em causa o interesse coletivo ou a capacidade do próprio interessado; os direitos dos estrangeiros e apátridas em matérias de direitos políticos, de exercício na função pública e outros direitos reservados a nacionais; a inviolabilidade do domicílio quando em presença de ordem da autoridade judicial competente; a liberdade de imprensa, de manifestar, de formar partidos políticos e de votar havendo a imposição legal para a restrição. Também a liberdade de associação vê-se condicionada pelas necessidades da independência nacional e pelas imposições estabelecidas na Constituição e na lei.
A medida da necessidade para a imposição da lei e a restrição da liberdade podem ainda resultar de concertações realizadas diretamente na sociedade envolvendo organizações políticas, sociais, económicas, financeiras e religiosas com a participação dos poderes públicos. Quatro exercícios do tipo, designados diálogos ou fóruns de concertação são de se referir. O primeiro, ocorrido em finais de 1989, foi o único, graças ao contexto em que se realizou, cujos resultados foram recuperados pelos poderes do Estado e aplicados. Na altura, estava consensualizado no interior do partido único a mudança da organização política da sociedade e do Estado, o que requeria a elaboração de uma nova Constituição. A concertação daquele ano viu-se com a autoridade de um constituinte originário para questionar o passado e conceber o novo. As reflexões lá produzidas confluíram para o fim do partido único e a instauração do multipartidarismo. Foi concebida uma nova organização do Estado mediante a abolição do estatuto da Assembleia Nacional como órgão supremo dentro do Estado e a implantação de relacionamentos horizontais entre os órgãos do Estado. Com fundamento nessas conclusões foi elaborada uma nova Constituição, a de 1990, fundamentalmente inspirada no que decorre da cultura constitucional ocidental, fazendo da Constituição norma superiora na ordem jurídica interna e reguladora das relações entre as normas do ordenamento jurídico nacional. Essa situação explica o insucesso dos outros três diálogos ou fóruns de concertação cujos resultados não puderam ser aplicados por colidirem com o estabelecido na Constituição.
O duplo degrau instituído para o estabelecimento da lei, ilustrado num primeiro momento pela determinação dos representantes mediante o voto dos eleitores e a seguir pela elaboração da lei assegurada no quadro de um processo conduzido pelos representantes, impossibilita que o povo e os eleitores exerçam de forma regular a ação direta na composição da lei, situação que, por sua vez, os impede de contribuir na apreciação dos níveis de salvaguarda a aplicar-se para restringir ou manter intacta a liberdade.
Pela cultura política expendida, veicula-se que a lei é portadora de soluções que satisfazem os interesses e as expetativas da coletividade. Esse objetivo mostra-se possível, havendo a integração dos interesses dos representantes nos interesses coletivos, mas difícil de se alcançar quando se instalam clivagens entre esses dois tipos de interesses. Nessa segunda hipótese, a lei pode não se mostrar ajustada aos equilíbrios requeridos para a satisfação dos interesses de todos.
A elaboração dos atos legislativos é função que a Constituição confere a instituições públicas cujos funcionamentos são assegurados pelos representantes. Só por si, esse modelo permite que, mesmo perante uma lei inadequada, haja dificuldade de a demover ou modificar se os representantes tiverem por via dela a satisfação dos seus interesses. Uma situação em particular permite a ilustração dessa constatação.
Pelo regime do tipo parlamentar estabelecido, a estabilidade do Governo requer a existência de uma maioria parlamentar que o sustente. Nos últimos 30 anos, a contar de 1990, foram realizadas 8 eleições legislativas, das quais 3 resultaram em maiorias absolutas, assegurando a sustentabilidade do Governo nas relações com o Parlamento. Ora, os mandatos de 2 dessas maiorias absolutas foram interrompidos pela dissolução, produto consolidado no jogo das relações do Executivo com o Legislativo no parlamentarismo. O fator na origem dessas instabilidades está no escrutínio proporcional e no parlamentarismo normados, mas que os representantes teimam em conservar.
Referências:
República Democrática de S. Tomé e Príncipe, Lei Fundamental de 12 de Julho de 1975, Coletânea de legislação da República Democrática de S. Tomé e Príncipe (1975 a 1989), I Volume (1975 a 1977), pp. 9 a 15.
República Democrática de S. Tomé e Príncipe, Constituição de 1975, aprovada em 5 de novembro de 1975, Coletânea de legislação da República Democrática de S. Tomé e Príncipe (1975 a 1989), I Volume (1975 a 1977), pp. 70 a 78.
República Democrática de S. Tomé e Príncipe, revisão constitucional de 1980, Coletânea de legislação da República Democrática de S. Tomé e Príncipe (1975 a 1989), III Volume (1980 a 1981), pp. 1100 a 115.
República Democrática de S. Tomé e Príncipe, revisão constitucional de 1982, Coletânea de legislação da República Democrática de S. Tomé e Príncipe (1975 a 1989), IV Volume (1982 a 1984), pp. 1736 a 1752.
República Democrática de S. Tomé e Príncipe, Constituição de 1990, Constituição, Lei Eleitoral e Legislação complementar, M.A.I. / stape, edições 70, pp.13 a 40.
República Democrática de S. Tomé e Príncipe, revisão constitucional de 2003, Diário da República nº2, de 29 de janeiro de 2003, pp. 13 a 48.
1 Nº 1 do artigo 3º da Lei Fundamental, de 12 de julho de 1975, confiou ao Bureau Político do movimento descolonizador (o Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe – MLSTP) os poderes soberanos do Estado. O nº 1 do artigo 3º da primeira Constituição, aprovada em 5 de novembro de 1975, fez do MLSTP a força política dirigente da nação. O nº 1 do artigo 4º das revisões constitucionais de 1980 e de 1982 atribuíram ao MLSTP o estatuto de força política dirigente da sociedade e do Estado.
2 Artigo 14º da Constituição de 1975.
3 Pelos artigos 20º da Constituição de 1990 e 21º da revisão constitucional de 2003, os cidadãos não podem exercer os seus direitos com violação dos direitos dos outros cidadãos.
4 Nº 1 do artigo 70º e nº 3 do artigo 13º da revisão constitucional de 2003.
5 Nº 4 do artigo 4º.
6 Nº 1 do artigo 46º da Constituição de 1990 e nº 1 do artigo 47º da revisão constitucional de 2003.
7 Artigos 13º das revisões constitucionais de 1980 e de 1982. Nº 2 do artigo 12º da Constituição de 1990 e da revisão constitucional de 2003