O (DES) RESPEITO AO DIREITO AO VOTO DOS PRESOS PROVISÓRIOS NAS ELEIÇÕES DE 2022
Antonio Baptista Gonçalves
Pós-Doutor em Ciência da Religião - PUC/SP; Pós-Doutor em Ciência Jurídica pela Universidad de La Matanza - Argentina; Doutor e Mestre em Filosofia do Direito - PUC/SP; MBA em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas.
Submissão em: 01/11/2022
Aprovado em: 14/11/2022 e 05/04/2023
Resumo: O artigo tem por escopo analisar a prerrogativa dos presos provisórios de exercer o direito constitucional ao voto. O Tribunal Superior Eleitoral tem decidido favoravelmente a esse tema quando da elaboração e edição das Resoluções eleitorais, e não foi diferente em 2022, porém algumas condições e regras não tão claras à população brasileira dificultam sobremaneira que esse direito seja exercido na prática.
Somado a isso existe a resistência da população em reconhecer que o preso seja sujeito de direito, ainda que na modalidade provisória, pois muitos já o consideram como ex-cidadão, mesmo sem que tenha ocorrido seu julgamento ou que a pena tenha transitado em julgado, o que no Brasil se determina como elemento de presunção de inocência. Assim, veremos as dificuldades e consequências para a implementação real do voto dos presos provisórios no Brasil.
Abstract: The article aims to analyze the prerrogative of pre-trial detainees to exercise the constitutional right to vote. The Superior Electoral Court has decided favorably on this issue when drafting and editing the Electoral Resolutions, and it was no different in 2022, however, some conditions and rules not so clear to the Brazilian population make it extremely difficult for this right to be exercised in practice.
Added to this, there is the resistance of the population to recognize that the prisoner is a subject of law, even if in the provisional modality, since many already consider him as a former citizen, even without his trial having taken place or the sentence having become final, which in Brazil is determined as an element of presumption of innocence. Thus, we will see the difficulties and consequences for the real implementation of the vote of provisional prisoners in Brazil.
Palavras-chave: Direito ao voto; Presos provisórios; Direito à cidadania.
Key words: Right to vote; Temporary prisoners; Right to citizenship.
1. Introdução
A questão da concessão da prerrogativa de votar para os presos sempre resulta em polêmica e reações negativas por parte da população. No imaginário popular, aqueles que se encontram recolhidos devem ser considerados como ex-cidadãos, portanto excluídos de direitos e deveres perante a sociedade brasileira, o que não é verdade.
A Constituição Federal de 1988, popularmente denominada de “Constituição Cidadã”, determina em seu preâmbulo ser dever da Assembleia Constituinte: “...instituir um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Pelo que se nota, não há distinção alguma entre os componentes da população brasileira. Logo, presos, detentos provisórios ou cidadãos livres têm o mesmo conjunto de direitos e deveres, logicamente respeitados os limites de cada situação. E veremos as particularidades que envolvem a condição prisional dos presos provisórios e qual o reflexo dessa restrição em seus direitos políticos.
No Brasil, existem duas espécies de prisão: prisão cautelar ou provisória, também chamada de prisão processual (que tem função de assegurar o trâmite do processo penal), na qual se enquadram a prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva; e prisão pena, que tem função de punição, em razão da condenação do acusado pela prática de crime. Expliquemos.
A prisão em flagrante é uma forma de prisão que pode ser aplicada a quem é pego no momento do ato criminoso ou logo após fazê-lo. Em conformidade com o artigo 302 do Código de Processo Penal, é dispensada a precedência de ordem judicial e pode ser efetivada por qualquer pessoa, desde que apresente o preso imediatamente para a autoridade policial, para que esta proceda a lavratura do auto de prisão.
Após o auto de infração, o delegado decide se o preso vai ser recolhido à prisão, ser solto mediante pagamento de fiança ou ser solto sem fiança.
Caso o delegado decida pelo recolhimento do preso, o auto de prisão em flagrante deve ser encaminhado ao juiz competente em até 24 horas, para verificação da legalidade da prisão e realização de audiência de custódia1, como preconiza o artigo 310 do Código de Processo Penal.
A prisão temporária somente pode ser aplicada na fase de investigação e não pode ser decretada durante a ação penal. Sua finalidade precípua é garantir a realização de atos ou diligências inerentes ao inquérito para o deslinde e apuração de fatos.
Em geral, tem prazo determinado de cinco dias de duração e pode ser prorrogada por igual período desde que justificado. Outras leis têm prazos diferentes, como a de crimes hediondos, por exemplo, que determina prazo de trinta dias prorrogáveis por mais 30.
A prisão preventiva é uma medida cautelar e não deve ser confundida com pena antecipada. Tem por finalidade impedir que o acusado pratique novos delitos ou prejudique o andamento do processo, como, por exemplo, destruindo provas, intimidando ou ameaçando testemunhas ou se evadindo. Pode ser decretada em qualquer fase processual ou na investigação, desde que em consonância com os preceitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Cabe ressaltar que a regra geral é que o acusado responda o processo em liberdade, mas a prisão cautelar é possível, como exceção, nos casos em que os requisitos legais para sua decretação estejam presentes.
A lei de execução penal prevê que o preso provisório deve ficar separado dos que estão cumprindo pena que já transitou em julgado.
A Lei de Execução Penal, Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, sobre os presos provisórios, estabelece os critérios no artigo 84:
Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.
§1º. Os presos provisórios ficarão separados de acordo com os seguintes critérios:
§2º. O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em dependência separada.
§3º. Os presos condenados ficarão separados de acordo com os seguintes critérios:
§4º. O preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio.
Assim, o que diferencia o preso provisório do preso é que o primeiro ou aguarda o seu julgamento ou ainda não teve a sua sentença condenatória transitada em julgado, o que lhe confere direitos e deveres diversos do preso que já teve sua sentença penal definitiva, e o principal deles, ao qual iremos nos ater, é o direito político, isto é, enquanto for considerado como preso provisório, é possível a participação deste na sociedade no que tange a eleição e escolha de seus representantes por meio do voto e no pleno exercício de sua cidadania, inclusive em ser candidato e poder ser votado, com respeito ao artigo 15, III, da Constituição Federal, que prevê como elemento fundamental para a perda dos direitos políticos a não mais possibilidade de recursos da condenação criminal:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
O artigo em comento será mais bem aprofundado adiante, porém, de início, temos de extrair alguns conceitos basilares de nosso marco teórico: o preso provisório não é mais um cidadão? O que vem a ser cidadania e qual é a sua relação com o preso provisório? O preso provisório não tem direito a uma sociedade justa calcada na harmonia das relações sociais? Da mesma forma, não seria um dever informar aos presos provisórios a alteração de seus direitos políticos? Como o preso provisório deve votar? O preso provisório deve ser levado até um local específico de votação? Existem formas alternativas que podem facilitar e otimizar o processo eleitoral? Essas e outras são as questões que passaremos a responder e, acima de tudo, a refletir de forma propositiva.
2. Direito ao voto dos presos provisórios no Brasil: respeito à cidadania e à igualdade
No dia 2 de outubro de 2022, foram realizadas eleições para presidente da República, 27 governadores – 15 no primeiro turno (12 reeleitos) –, 27 senadores, 513 deputados federais e deputados estaduais (para estados com até 12 deputados federais, o número de deputados estaduais deve ser o triplo da representação na Câmara dos Deputados) e a cada pleito eleitoral exsurge uma controvérsia: o direito de votar dos detentos provisórios.
A Resolução nº 23.669, de 14 de dezembro de 2021, que dispôs sobre os atos gerais do processo eleitoral para as eleições de 2022, foi clara ao prever no artigo 39 que os juízes eleitorais dos TREs deveriam disponibilizar seções em estabelecimentos penais e em unidades de internação tratadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O critério fora previsto no parágrafo único do mesmo dispositivo, segundo o qual consideram-se presos provisórios as pessoas recolhidas em estabelecimentos penais sem condenação criminal transitada em julgado, da mesma feita os adolescentes maiores de dezesseis anos e menores de vinte e um anos submetidos a medida socioeducativa de internação ou a internação provisória, como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
A Resolução está em consonância com o artigo 15, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Portanto não haveria controvérsia, e os ditos presos provisórios teriam o direito de votar, se quisessem, em todas as unidades da Federação e também no Distrito Federal. Todavia, na prática, a disponibilidade foi restrita e o direito dos presos provisórios foi inequivocamente violado. Sobre o tema Néviton Guedes:
Segundo o dispositivo, é causa de suspensão de direitos políticos a condenação criminal transitada em julgado, acrescentando que a restrição só perdurará enquanto durarem seus efeitos. Portanto, segundo expressa disposição constitucional, a restrição em comento depende do trânsito em julgado da sentença condenatória e terá a duração restrita aos seus efeitos, sendo, pois, por isso mesmo, mero caso de suspensão (GUEDES, 2013, p. 687).
Com o regramento estabelecido e válido, restaria apenas sua implementação pelo Estado, contudo, como veremos, as dificuldades transcendem as previsões legislativas e a assunção de direitos têm sido desrespeitada na medida e proporção dos interesses de cada um dos 27 estados da federação.
Destarte que iniciaremos o tema do direito ao voto pela construção e apresentação dos direitos fundamentais preconizados e edificados pela Constituição Federal. E, ao nosso ver, indispensável será a cognição e correlação da cidadania com a igualdade dentro dos elementos valorativos inerentes ao Estado Democrático de Direito. Sobre esses últimos, faz-se essencial a complementação do Preâmbulo da Carta Magna: “(...) um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.
De tal sorte que podemos destacar ser função do Estado desenvolver os mecanismos necessários para assegurar a harmonia social e as mesmas condições de existência para todos os membros da sociedade. E também é sua atribuição corrigir eventuais desvios quando os primados fundamentais não forem respeitados. Portanto esse conjunto de deveres do Estado compreende a defesa dos direitos tidos como fundamentais. Sobre o tema, Rogério Vidal Gandra da Silva Martins:
O Estado presta serviços atendendo à necessidade coletiva direta quando essa necessidade é imprescindível para a coletividade, ou seja, o serviço prestado atinge diretamente a sociedade. Isso ocorre quando o Estado atua na ordem econômica e social. São necessidades permanentes da coletividade e não apenas quando houver distúrbios, como no caso das necessidades coletivas indiretas. Exemplos: transportes, correio, petróleo, educação, previdência social etc. (MARTINS, 1999, p. 346).
É dever do Estado Democrático de Direito efetivar os direitos individuais do cidadão, isto é, a assunção do pleno exercício da igualdade e da liberdade2 para a efetivação dos direitos fundamentais. Sobre o tema, Pontes de Miranda:
Direitos fundamentais ou são direitos fundamentais supraestatais, ou direitos fundamentais não supraestatais. Esses se acham tão intimamente ligados ao ideal que presidiu à feitura da Constituição, que se concebem, nela, como direitos básicos (MIRANDA, 2002, p. 85).
Os Direitos Fundamentais estão consagrados na Constituição Federal Brasileira no artigo 5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Sobre o tema, importante destacar que o preso provisório é um cidadão em igualdade de direitos e obrigações, que se encontra em regime prisional enquanto não é julgado pela infração que lhe foi imputada. Assim, vamos refletir sobre o conceito de cidadania e, posteriormente, sobre o de igualdade.
Quando o imaginário popular reduz o preso provisório à vala comum de estar no mesmo nicho dos detentos com condenação penal transitada em julgado, na prática, há a certeza de que eles não mais fazem parte da sociedade brasileira e seus direitos devem ser relativizados.
Em verdade, o preso provisório não deixou de ser parte integrante e indissociável da sociedade brasileira, porque não há nenhuma condenação criminal definitiva contra si, por conseguinte, perante a justiça, deve ser considerado como pessoa inocente até que lhe seja provada a culpa. A consequência natural é que sua cidadania está inalterada, mas, o que vem a ser um cidadão para o Estado Democrático de Direito e por que a mantença de seus direitos é tão relevante?
O Estado Democrático de Direito3 pressupõe que a sua Constituição determine seus regramentos fundamentais e, em consonância com as previsões constitucionais, o poder político emana e é exercido pelo povo. Assim, ser um cidadão dotado de direitos e deveres lhe confere a liberalidade de participar do regime democrático de seu país e do direito indissociável de votar e ser votado, com o escopo de eleger os representantes do povo no Congresso Nacional.
Para votar e ser votado, é essencial que sua cidadania esteja inata e não haja contra si nada que o impeça ou desabone sua idoneidade. Logo, o imaginário popular seria suficiente para impedir algum detento provisório de votar ou ser votado? A resposta é negativa. A questão premente envolve a mantença ou não de sua cidadania e como a mesma é vista pelo demais membros da comunidade e se há tratamento diferenciado por estes quando do ingresso no sistema prisional pelo preso provisório.
Ser cidadão implica exercer sua liberdade em igualdade aos seus pares, isto é, não cabe a qualquer outro proferir julgamento acerca de uma escolha individual, e a consequência é poder, querer ou não querer renunciar a seu direito político4.
Para Pérez-Luño, cidadania consistirá: “En el vínculo de pertenencia a un Estado de derecho por parte de quienes son sus nacionales, situación que se desglosa en un conjunto de derechos y deberes; ciudadano será la persona física titular de esta situación jurídica” (PÉREZ-LUÑO, 2002).
No mesmo sentido, Derek Heater: “La ciudadanía es primariamente una relación política entre un individuo y una comunidad política, en virtud de la cual el individuo es miembro de pleno derecho de esta comunidad y le debe lealtad permanente” (HEATER, 2007, p. 12).
Por fim, Soledad Garcia e Steven Lukes determinam que a cidadania é composta por três elementos:
1) A garantia de certos direitos, assim como a obrigação de cumprir certos deveres para com uma sociedade específica; 2) Pertencer a uma comunidade política determinada (normalmente um Estado); e 3) A oportunidade de contribuir na vida pública desta comunidade através da participação (GARCIA y LUKES, 1999, p. 1).
Concluímos que a privação injustificada da cidadania ao se considerar um preso provisório como ex-cidadão implica diretamente na sua humanidade como esta é percebida perante a sociedade. Hannah Arendt considerava que um homem sem cidadania representava a ausência de sua condição humana, pois perde a qualidade essencial de ser tratado em igualdade de condições por seu pares.
Para contribuir com o tema, agora, passaremos a questão complementar à cidadania, que, ao nosso ver, é a necessidade de o preso provisório dever ser considerado como igual em direitos e obrigações.
O conceito de igualdade5 assumiu papel preponderante no mundo moderno em decorrência de sua associação direta com a democracia. A igualdade entre os cidadãos é a base fundamental do Estado Democrático de Direito. A tratativa do conceito de igualdade perpassa pela análise jurídica do tema, uma vez que é de conhecimento notório que os seres humanos são deveras desiguais entre si, seja por características físicas, psicológicas ou preferências políticas, educacionais, sexuais etc.
Então ao Direito cabe normatizar que a totalidade dos habitantes de uma comunidade têm os mesmos direitos e deveres uns com os outros e entre eles e o Estado. É a isonomia das relações sociais. Sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello: O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais (MELLO, 2011, p. 12).
A Constituição, como vimos, estabelece que todos são iguais perante a lei, por conseguinte, devem ser tratados da mesma forma, independentemente de sua predileção política, religiosa, sua condição econômica e social etc. Sobre o tema, José Afonso da Silva:
A afirmação do art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão cunhou o princípio de que os homens nascem e permanecem iguais em direito. Mas aí firmara a igualdade jurídico-formal no plano político, de caráter puramente negativo, visando a abolir os privilégios, isenções pessoais e regalias de classe. Esse tipo de igualdade gerou as desigualdades econômicas, porque fundada “numa visão individualista do homem, membro de uma sociedade liberal relativamente homogênea”.
Nossas constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da igualdade, como igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com a mera isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos. A compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete há que aferi-lo com outras normas constitucionais, conforme apontamos supra e, especialmente, com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social. Considerá-lo-emos como isonomia formal para diferenciá-lo da isonomia material, traduzido no art. 7º, XXX e XXXI.
A Constituição procura aproximar os dois tipos de isonomia, na medida em que não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei; menciona também igualdade entre homens e mulheres e acrescenta vedações a distinção de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação (SILVA, 2002, p. 213 e 214).
De tal sorte que a Constituição Federal determina que todos são iguais perante a lei e não há qualquer distinção entre pessoas, cidadãos e presos provisórios, haja vista que enquanto não transitar em julgado qualquer condenação, o tratamento deve ser isonômico aos cidadãos brasileiros em igualdade de direitos e condições. Sobre o tema, Pontes de Miranda:
“Ninguém pode aceitar ser diminuído abaixo dos outros homens” é princípio igualitário. Na ordem política, “Nenhuma lei pode ser feita (pelo rei, ou pelos oligarcas, ou pelo povo ou por seus eleitos) que ponha um, ou alguns, ou todos os homens, menos um, abaixo de muitos, algum, ou um”, é princípio igualitário (MIRANDA, 2002, p. 83).
Por fim, Sérgio Abreu:
Articula-se o princípio da igualdade com o princípio da dignidade da pessoa humana, por seu significado emblemático e catalizador da interminável série de direitos individuais e coletivos pelas constituições abertas e democráticas da atualidade, acabou por exercer um papel de núcleo filosófico do constitucionalismo pós-moderno, comunitário e societário... Nesse contexto de novas ordens e novas desordens, os princípios e valores ético-sociais sublimados na Constituição, com a proeminência do princípio da dignidade de homens e mulheres, assumiram o papel de faróis de neblina a orientar o convívio e os embates humanos no nevoeiro civilizatório neste prólogo do novo milênio e de uma nova era (ABREU, 2006, p. 323).
A Constituição Federal de 1988, conhecida popularmente como a “Constituição Cidadã”, tem como construtos basilares princípios que permeiam e fundamentam a sociedade brasileira: a soberania, a igualdade entre os povos, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a defesa dos direitos individuais e sociais e o conjunto de direitos tidos como fundamentais que formam o Estado Democrático de Direito. A Carta magna destaca no parágrafo único do artigo 1º que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
A fim de compreender a construção constitucional, temos de visualizar o conjunto pretendido pelo constituinte, senão iremos lobrigar sem alcançar o conceito intrínseco de cidadão pretendido.
O que se almeja na Carta é que as pessoas sejam iguais em direitos e deveres, que tenham sua dignidade humana respeitada, sua soberania e que possam ter a liberdade de expressar seus pensamentos, exercer suas crenças e não ter sua intimidade ou vida privada violadas, e que esse coletivo fundamental seja protegido e defendido pelos representantes legislativos eleitos pelo voto.
Assim, a base do Estado Democrático de Direito é a efetivação de uma sociedade livre, justa e solidária que respeite a dignidade da pessoa humana, como bem preconizam os artigos 1º e 3º da CF de 1988 para o pleno exercício da soberania popular. O voto é a tradução da vontade do povo de eleger seus representantes para a sociedade brasileira.
De tal sorte que os presos provisórios podem ou não serem considerados como cidadãos? A resposta está expressa na própria Constituição com a presunção de inocência, isto é, todos são inocentes até que a culpa seja comprovada com uma sentença condenatória transitada em julgado, portanto, o preso provisório aguarda julgamento para determinar se há ou não culpabilidade. Logo, é um cidadão na plenitude de seus direitos, e cabe ao Estado Democrático de Direito lhe garantir e efetivar essas prerrogativas, respeitadas as limitações impostas pela privação da liberdade.
De tudo o que foi apresentado sobre o arcabouço normativo que norteia e edifica o Estado Democrático de Direito brasileiro, temos que não há distinção entre aqueles que compõem a sociedade brasileira, logo, enquanto não houver uma condenação definitiva, é obrigação do Estado prover os meios para que os detentos provisórios possam exercer seu direito ao voto. Até o momento, foram apresentados os preceitos constitucionais, a defesa do direito ao voto. Contudo não se sabe se a totalidade do público-alvo impacta no aparato estatal, ainda mais pelo fato de o Brasil ser um país continental. Assim, adentraremos agora na realidade prisional brasileira e apresentaremos seus números e algumas características.
De início, insta salientar a falta de uniformidade na apresentação dos números, haja vista que o DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional –, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça – e o Fórum de Segurança Pública têm números diversos no tocante à população carcerária brasileira. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por sua vez, através do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, com informações oriundas dos mandados de prisões e Varas de Execuções Penais, divulgou, para maio de 2022, o total de 919.272 pessoas privadas de liberdade. Ainda que apresentem ordens de grandeza distintas, as duas fontes apresentam a mesma tendência de crescimento no número de presos.
Para dizer o mínimo, é evidente a falha do Estado Democrático brasileiro em não ter uma informação concreta e uniforme acerca da sua população prisional. Denota a falta de capacidade técnica e estatística para tanto, o que enseja dúvida sobre a veracidade dos números apresentados por essa ou aquela instituição, ainda que não se duvide da idoneidade e credibilidade de nenhuma delas; o problema claro é do Estado e da sua forma de controle notadamente ineficaz. Em que pese opiniões em contrário, nos filiaremos aos dados apresentados pelo Anuário Brasileiro de 2022, mesmo cientes de que pode existir uma defasagem e de que o número real potencialmente seja mais elevado.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, temos 820.689 pessoas privadas de liberdade no Brasil, entretanto já houve um incremento nesse número no ano corrente, uma vez que os dados se referem ao ano anterior. Desse número absoluto, temos 586.862 presos condenados e 233.827 presos provisórios. No âmbito estadual, alguns estados, como o Sergipe, por exemplo, merecem destaque: em 2020, 42,4% da população prisional daquele estado era de presos provisórios; em 2021, esse valor chegou em 79,9% da população. Com 634.469 vagas, isto é, há um déficit de 186.220, o que demonstra existir superlotação.
Ademais, houve aumento de 7,3% na taxa de encarceramento entre 2020 e 2021, o que significa dizer que, mesmo com a diminuição de pessoas presas no regime fechado, o Brasil encarcerou mais no último ano – colaborando, inclusive, para a intensificação do estado de coisas inconstitucional. As condições do sistema penitenciário brasileiro já são conhecidas. Na ADPF 347, julgada inicialmente em 2015, o STF reconheceu que o sistema prisional pode ser caracterizado como “um estado de coisas inconstitucional”, dadas as condições desumanas de custódia em que os presos sob tutela do Estado vivem, com violação de direitos fundamentais.
No Brasil, temos cerca de 67% da população carcerária até 34 anos, 67% composta por negros e 29% por brancos. São Paulo lidera em quantidade total de presos, sejam provisórios ou não, e a polêmica se instaura quando alguns estados, como o Rio de Janeiro, por exemplo, decidem não permitir que seus detentos provisórios votem.
O colégio eleitoral do Rio de Janeiro é respeitável, e a potencialidade em relação ao voto dos presos provisórios também o é, pois somente no Rio de Janeiro temos 18.678 presos provisórios que permaneceram alijados de exercer seu direito constitucional ao voto. E nesse estado, a proibição é recorrente, pois há algumas eleições não há a instalação eleitoral. 233.827 presos provisórios no Brasil, dos quais apenas 12.3466 estavam aptos a votar, o que perfaz apenas 5,27% da população nessas condições. Claro está que o Estado dá na balda em suas funções fundamentais e viola os direitos dos presos provisórios. Como veremos adiante, se é ou não uma estratégia, o efeito prático é onerar irremediavelmente os próprios cofres.
Logo, segundo a determinação da Resolução nº 23.669/21, deveria ter sido disponibilizada a estrutura eleitoral necessária para que 233.827 pessoas pudessem exercer o seu direito ao voto, porém, respeitada a regra de que para que uma seção eleitoral seja instalada nos estabelecimentos prisionais e nas unidades de internação de adolescentes, é necessário o mínimo de 20 eleitores aptos a votar. A realidade mostra, entretanto, que apenas 12.346 eleitores, já incluindo mesários e funcionários desses estabelecimentos, estavam aptos a votar nessas seções especiais ao longo de 220 locais de votação em unidades prisionais no país.
Apenas 22 Tribunais Regionais Eleitorais disponibilizaram seções eleitorais em penitenciárias e em unidades de internação. Os estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Tocantins e Rio de Janeiro não instalaram seções especiais. Assim se questiona se os direitos dos presos provisórios de poder votar foram violados ou não.
Desde a eleição municipal de 2020, há uma intensa campanha para que as pessoas regularizem seu título de eleitor e estejam aptas para exercer a cidadania em sua plenitude, porém não houve uma única campanha para que os presos provisórios pudessem ter a ciência de que o seu domicílio eleitoral passou a ser o local em que estão detidos e, por conseguinte, que deveriam transferir o domicílio eleitoral para exercer sua cidadania, cujo prazo terminou em 18 de agosto. Então se alguém se tornou um preso provisório no dia seguinte, por exemplo, já não mais poderia votar, assim como aqueles que não realizaram a alteração.
Ademais, muitos não sabem dessa exigência e, muito menos, da necessidade de ter vinte presos para que seja instalada uma urna. Então, se houvesse dezenove eleitores aptos a votar, estes estariam impedidos, porque assim a legislação prevê e assegura a isenção estatal para a instalação eleitoral.
Qual é a necessidade de se assegurar o direito de o preso provisório votar? A humanização da pena é um dos elementos fulcrais que baseiam a ressocialização e, para o preso provisório não se considerar um ex-cidadão, ou parte de um sistema penitenciário como se condenado fosse, poder exercer seus direitos de cidadão brasileiro é o caminho para a manutenção de sua humanidade e da paz social e da harmonia das relações sociais. Assim, não se trata de uma deferência do Estado, mas sim, uma assunção de premissas fundamentais basilares para a Constituição Cidadã.
Agora nos ateremos às dificuldades do Estado Democrático de Direito brasileiro de efetivar os direitos tidos como fundamentais e às consequências para o direito dos presos provisórios de exercer sua cidadania.
3. A ineficiência do Estado Democrático de Direito brasileiro em fazer a efetivação dos Direitos Fundamentais para os presos provisórios
A Constituição Federal de 1988 é clara ao estabelecer ser dever do Estado Democrático de Direito garantir e efetivar o conjunto de direitos tidos como fundamentais para que a sociedade brasileira seja mais justa, busque erradicar a pobreza, a desigualdade e tenha como primado essencial que os cidadãos brasileiros tenham respeitada sua dignidade da pessoa humana e lhes seja conferido o direito de exercer sua cidadania através do voto. Além disso, também é responsabilidade estatal garantir saúde, segurança, educação, meio ambiente de qualidade, propriedade e, especialmente, a valorização do direito à vida.
Quando o Estado falha em seu primado fundamental, a sociedade brasileira padece, e o ônus, invariavelmente, é direcionado ao próprio Estado, pois, quando a segurança pública é falha, a criminalidade causa mais danos, e cabe ao Estado empregar seu poder de polícia de maneira repressiva, e o resultado é o incremento acelerado do volume prisional e, com ele, a elevação do custo dos detentos. Afinal, ser um dos três países que mais encarceram no mundo é reconhecidamente oneroso aos cofres públicos.
Ademais, de acordo com os dados que já apresentamos, o Estado não cumpre com o regramento basilar de garantir o respeito à dignidade da pessoa humana dos presos, sejam eles provisórios ou com sentença criminal transitada em julgado. Ao impor condições degradantes com problemas sociais, sanitários, de espaço, dentre outros, o Estado, ainda que involuntariamente, fomenta o acirramento da violência e caminha na direção diametralmente oposta à finalidade precípua do universo prisional, que é a recuperação do encarcerado, para que o mesmo possa ser reintegrado ao convívio em sociedade após o cumprimento de sua pena. Assim, a ressocialização se perde.
Ora, então temos de nos aprofundar no círculo hermenêutico de Paul Ricoeur. Afinal, o fim pretendido pela figura do cárcere não é apenas e tão somente apartar e excluir os criminosos do convívio social, porque é dever do Estado Democrático de Direito lhes aplicar a ressocialização e garantir que, após o cumprimento da pena, estejam aptos para o convívio em harmonia social com os cidadãos brasileiros. Assim, é dever do Estado investir na recuperação do preso.
Na prática, o Estado falha sistematicamente ao não garantir a dignidade humana dos presos, sejam provisórios ou não, com superlotações, verdadeiros amontoados humanos, violência dos agentes, além da isenção de preocupação para que aquele detento recupere sua dignidade, fortaleça ou desenvolva sua educação, conheça o conjunto de seus direitos e, concomitantemente, possa exercer sua cidadania contribuindo para eleger seus representantes através do voto. O que se nota é o alijamento dos presos, sejam provisórios ou não, dos acontecimentos sociais, jurídicos e eleitorais do Estado brasileiro. O resultado é o afastar os detentos da vida social.
O encarcerado é parte integrante da sociedade brasileira, goste ela ou não. Algumas justificativas se desenvolvem, como, por exemplo, a questão dos presos potencialmente poderem eleger um representante de uma facção criminosa, então, ao não se permitir a votação, protege-se a sociedade. Intrigante, porque no estado do Rio de Janeiro, por exemplo, é sabido e conhecido que as milícias elegem seus representantes políticos e não têm qualquer tipo de controle por parte do Estado.
Atenção, não defendemos aqui que as facções devem ter representantes, mas sim, que se, supostamente, há um controle para a população carcerária, por que não ter para as milícias? Ainda assim significa que todos os presos provisórios são integrantes das facções criminosas? A resposta nos parece inverossímil.
Outro argumento é que o preso não é idôneo, pois então não há qualquer tipo de diferenciação na Constituição Federal, e o preso provisório, como dissemos, é inocente até que tenha sua culpa comprovada e sua sentença transitada em julgado. Portanto é um cidadão em sua plenitude de direitos e obrigações. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, que em seu art. 8º, prevê no nº 2, H:
Artigo 8
Garantias Judiciais
(...)
h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
Sobre o tema destacamos Fernando da Costa Tourinho Filho:
Agora, em face do princípio segundo o qual o imputado não pode ser considerado culpado enquanto não transitar em julgado a sentença penal que o condenou, mais se evidencia o direito de apelar em liberdade. Não só de apelar, mas, inclusive, de interpor recurso extraordinário ou recurso especial, com efeito suspensivo, pois a interposição desses recursos pressupõe a não existência de trânsito em julgado (TOURINHO FILHO, 1994, p 323-324).
E prossegue:
O princípio segundo o qual ninguém poderá ser considerado culpado enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória não impede a decretação da prisão preventiva. Esta se baseia em dado concreto: o réu está perturbando a ordem pública, ou o réu está perturbando a instrução criminal, ou, por último, o réu está querendo se subtrair a eventual aplicação da lei penal (TOURINHO FILHO, 1994, p 323-324).
Gilmar Ferreira Mendes acerca do tema:
Discute-se no âmbito de proteção do princípio de não culpabilidade estaria eventual proibição contra prisão preventiva ou cautelar ou se contraria tal postulado a valoração dos antecedentes criminais antes do trânsito em julgado.
Desde logo, assentou o Supremo Tribunal federal que “o princípio constitucional da não culpabilidade impede que se lance o nome do réu no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da decisão condenatória7”.
No caso da prisão cautelar, tem o Tribunal enfatizado que a sua decretação não decorre de qualquer propósito de antecipação de pena ou da execução penal, estando ungida a pressupostos associados, fundamentalmente, à exitosa persecução criminal (MENDES e BRANCO, 2011, p. 585).
Em verdade, o que se constata é uma discriminação social; há uma dupla punição antecipada, a da justiça e a da sociedade. As pessoas querem uma comunidade mais segura, e a visão turva para isso é afastar o preso do convívio pelo maior tempo possível, mesmo se for um provisório sem a assunção de culpa, como se equivocadamente fosse um ex-cidadão. Como resultado, claro está que o atual sistema prisional não regenera, tampouco ressocializa e, muito menos, recupera.
O que se vê é um empilhar de condenados ou cumpridores de penas com ausência de condenação, como no caso dos provisórios, sem qualquer planejamento com custos que se somatizam com falta de retorno para uma população prisional, que logo em breve ultrapassará 1 milhão de pessoas. Não há como construir unidades prisionais na velocidade necessária para abarcar a quantidade de presos existente em proporção à falta de vagas existente. Com o incremento do déficit, acentuam-se os vilipêndios de direitos e o ônus retorna ao próprio Estado.
Falta respeito, dignidade humana, cidadania e a violação dos direitos dos presos provisórios é evidente. Quando se impede o preso provisório de votar, se retira compulsoriamente sua humanidade e sua igualdade perante seus pares na sociedade brasileira. Ainda que a Resolução nº 23.669, de 14 de dezembro de 2021, certifique, através do artigo 39 e seguintes, que os presos provisórios tenham assegurado seu direito de votar, o Estado reitera suas falhas ao não informar a esses detentos a necessidade de modificação de seu domicílio eleitoral para a unidade prisional em que se encontram recolhidos.
Outrossim, o Estado Democrático de Direito brasileiro segue sem cumprir seus preceitos mínimos quando deixa a juízo dos estados os critérios e a possibilidade ou não de instalação das urnas. O resultado é que o processo democrático não é respeitado de maneira equânime e o Estado brasileiro, uma vez mais, peca ao não oferecer mecanismos que assegurem aos estados componentes da federação a implementação segura da votação aos presos provisórios.
O resultado é uma roleta de imprevisibilidades, que mais denota a impressão de sorte do que de planejamento ou competência. Assim, percebe-se que alguns estados são comprometidos com a plena efetivação da cidadania dos presos provisórios, enquanto outros alegam problemas em sua segurança pública, problemas internos e se imiscuem no dever constitucional de garantir e efetivar o direito ao voto do detentos provisórios. O resultado é a ausência de uniformização de decisões no espaço-tempo, com resultados incertos e danosos aos preceitos constitucionais.
Mesmo estados tidos como modelo não mantiveram a excelência. O Rio Grande do Sul, por exemplo, na eleição de 2006, conseguiu realizar a maior votação da América Latina, com 4.000 presos e, em 2022, como foi? Dos 13 mil presos provisórios, somente cerca de 600 estiveram em condições de votar. Será que 2006 foi sorte ou 2022 demonstra incompetência?
A bem da verdade a imprevisibilidade é que não pode acontecer quando existe direito líquido e certo que cabe exclusivamente ao Estado garantir e efetivar. O eleitor não pode estar à mercê da boa vontade e do interesse dos Estados para ter seu direito concretizado. A justificativa da falta de segurança pública, da facilitação do acesso eleitoral às facções mais nos parecem elementos acessórios do que o problema fulcral do tema: o Estado se mostra incapaz de garantir e efetivar o direito dos presos provisórios exercerem sua cidadania.
De tal sorte que o desafio é apurar e criar mecanismos eficazes, a fim de transformar a inviolabilidade de direito na respeitabilidade dos direitos fundamentais, dentre eles os eleitorais. Por fim, a pergunta que ainda persiste é: o Estado tem condições de fazê-lo? Eis o que analisaremos derradeiramente.
4. O direito constitucional inviolável do direito ao voto dos presos provisórios: alternativas ao processo eleitoral corrente
O tópico anterior foi finalizado com a questão se o Estado Democrático de Direito brasileiro tem condições de garantir e viabilizar o direito ao voto para os presos provisórios. Em tese, a resposta é afirmativa, porque a resolução eleitoral é objetiva, logo, se os critérios forem cumpridos e houver interesse dos estados, as urnas eletrônicas serão disponibilizadas, respeitada a condição de ter, no mínimo, 20 eleitores por unidade prisional aptos a votar. No entanto, na prática, vimos que apenas 5% dos presos provisórios estavam aptos a exercer seu direito constitucional ao voto no primeiro turno das eleições de 2022, portanto reiteramos a indagação: Há mecanismos que possibilitem ao Estado, efetivamente, garantir o direito constitucional do preso provisório votar?
A resposta está longe de ser simples, entretanto, o que devemos ter como norte fundamental é o que o Estado se desapercebeu: que, ao abandonar e suplantar os direitos dos presos, inclusive os provisórios, ele gera um ônus econômico exclusivo para si, sem nenhum tipo de recuperação do gasto no espaço tempo. Ao não ressocializar e não reinserir os presos na sociedade, o resultado é duplo: primeiro a não aceitação da sociedade de um condenado no seu convívio cotidiano, e segundo é o regresso ao sistema prisional ou a não saída de lá, o que se reflete na mantença econômica mensal a ser suportada pelo Estado, que hoje implica no importe de R$1.674,52, segundo dados do SISDEPEN, e com incremento para R$ 3.472,22 ao se analisar os presídios federais.
Quando se multiplica essa expensa por quase um milhão de presos, os números assustam. Então por que não potencializar a recuperação, a educação e a reinserção social como forma de desonerar o próprio Estado? Portanto a solução perpassa por reconhecer as dificuldades e trabalhar na construção de um conjunto de direitos para a população carcerária, inclusive para viabilizar a eleição ou a participação no pleito eleitoral, no tocante aos detentos provisórios.
Ora, se o poder emana do povo através do povo, e os presos provisórios não estão excluídos da sociedade, já que a maioria deles se encontra em Centros de Detenção Provisória, é plenamente possível que se desenvolvam campanhas de conscientização eleitoral e inclusive informativas acerca dos candidatos e suas respectivas propostas, o que, na prática, é muito mais importante do que o próprio direito de votar, afinal, se você está alienado de quais são os candidatos e suas plataformas, como eleger um representante de maneira eficaz? Participar da sociedade é informar e ser informado e poder exercer o seu direito ao voto da maneira mais consciente possível.
O que não se pode permitir é que os candidatos visitem presídios para fazerem palanques eleitorais e se montar um aparato eleitoreiro a fim de capitalizar politicamente o resultado a ser obtido pelo voto dos presos provisórios.
Por fim, mas não menos importante, está a necessidade premente de não se aplicar o modelo corrente do sistema de votação para os presos provisórios por alguns motivos, a saber: o custo elevado, a regra de vinte presos aptos a votar para a instalação da urna, o deslocamento da urna, bem como dos funcionários e dos custos que envolvem a operação ao longo de um país continental como o Brasil.
De tal sorte que nossa proposta é criar um modelo de votação específico para os presos provisórios e, para tanto, podemos utilizar o que já funciona em outros países, como o envio de cédulas antecipadas ao pleito eleitoral, que devem ser lacradas e retornadas para as respectivas zonas eleitorais com prazos rígidos e pré-estabelecidos. A transferência das urnas eletrônicas e todo o fomento que se demanda com esse aparato não fazem sentido nesse arquétipo; o cerne do processo é se associar custos mais baixos com o incentivo à votação por mais de duzentos mil eleitores em potencial.
Quem seria o responsável pela recepção, coleta e envio dessas cédulas? Os diretores das unidades prisionais e centros de detenção, com a aplicação a cargo dos agentes penitenciários, com a supervisão desse mesmo diretor. Se haveria um espaço próprio para a votação, se o agente iria pessoalmente a cada um dos eleitores, ao nosso ver, o mais apropriado é se destinar um espaço próprio para o exercício do voto e a entrega da cédula.
O que não se cogita é ser feita a escolta dos presos a um local de votação fora do ambiente em que estão recolhidos, porque haveria violação ao domicílio eleitoral, e o aparato de segurança para garantir tal ato seria deveras custoso e com possibilidade de fugas ou incidentes. O modelo em papel é eficaz, com resultados positivos em outros países que cumprem os ditames constitucionais correntes e pode ser introduzido no cotidiano eleitoral brasileiro.
Com isso ganha o eleitor, reconhece-se o direito dos presos provisórios, viceja o Estado e se favorece a população brasileira, que faz valer os ditames constitucionais em sua plenitude. Se houver interesse político, já se pode implementar o estalão sugerido para as eleições municipais de 2024, a fim de, efetivamente, garantir o direito do voto dos presos provisórios nas eleições municipais de 2024. Que se respeite o povo, a Constituição e o cidadão brasileiro inocente, ainda que um preso provisório é tão igual em direitos quanto qualquer outro membro da sociedade brasileira.
Conclusão
O objetivo do presente artigo transcende o debate candente acerca dos problemas e malefícios dos presos provisórios votarem nas eleições, porque adentra em dois temas sensíveis que permeiam a questão: a incompetência estatal e a incapacidade de se respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos que aguardam seu julgamento ou que ainda não tiveram sua condenação penal transitada em julgado.
Quando o Estado Democrático de Direito brasileiro não consegue viabilizar o processo eleitoral, a fim de que os mais de 233 mil presos provisórios exerçam seu direito ao voto, desvelam-se alguns problemas inerentes à sociedade brasileira: primeiro, o preconceito, que é seguido da discriminação, e depois, a ineficiência estatal, que contribui negativamente para o funcionamento pleno do mesmo em harmonia com a população.
Sobre o primeiro ponto: quando uma pessoa é recolhida ao sistema prisional, seja em uma prisão preventiva ou temporária, pouco ou nada importa a motivação, o delito em si, se houve erro ou quiçá se o indivíduo é inocente, porque automaticamente já recebe um “selo” de cidadão de segunda classe e, para muitos, ainda pior: é considerado um ex-cidadão e, por conseguinte, passa a sofrer o preconceito e a discriminação em virtude disso.
Ainda persiste no imaginário popular que aquele que foi preso é um criminoso e merece não apenas pagar pelo delito praticado com a perda da sua liberdade, como também, se possível, ser excluído permanentemente do convívio social. O que a sociedade não percebe é que, além da condenação social, também estão presentes as marcas que a própria vida prisional impinge, uma vez que um homem cerceado de sua liberdade terá lembranças e nódoas que residirão dentro de si para sempre.
A rotulação equivocada precipita um julgamento que, por reiteradas vezes, não ocorreu, haja vista que enquanto não for transitada em julgado a condenação criminal, o conjunto de direitos basilares do cidadão nacional está intrínseco ao preso provisório. Portanto deve ter direito a uma prisão que respeite os direitos humanos, a que sua dignidade seja preservada e que, dentro das limitações da condição em que se encontra, possa exercer sua cidadania. E a expressão maior da cidadania é poder votar e ser votado.
Ao ser considerado como um ex-cidadão, há uma remota lembrança da época romana em que apenas os cidadãos eram considerados como pessoas dotadas de direitos e deveres, e os demais – escravos, mulheres, estrangeiros e crianças – não poderiam participar dos acontecimentos da cidade, o Civitas romano. Esse modelo há muito deixou de ter efeito, e a base da democracia implica na participação do povo na tomada de decisões do Estado. Logo, não há pessoa de segunda classe ou ex-cidadão; o preso provisório é um brasileiro na totalidade de seus direitos e deveres e merece e tem de ter sua sagrada condição de cidadão inata.
Para que o preso provisório seja considerado como cidadão em sua plenitude, depende do segundo problema: a resolução da ineficiência estatal. Claro está que o Estado brasileiro emprega de maneira pouco eficaz os seus recursos financeiros.
O Estado Democrático de Direito brasileiro não consegue ter uma política de segurança pública que confira proteção efetiva à população brasileira. As polícias (civil, militar e federal) convivem com falta de recursos, sejam humanos (déficit de pessoal), tecnológicos (falta de banco de dados unificado, falta de integração sistêmica etc), técnicos (viaturas sem manutenção, armamentos desatualizados, em alguns lugares até falta de munição), que comprometem o trabalho preventivo essencial a ser praticado a fim de se evitar o cometimento dos crimes.
O resultado é a necessidade de atuar de modo repressivo e, por conseguinte, prender, prender e prender, em um acúmulo de pessoas no sistema prisional como forma de mitigar a violência em um claro cenário em que se atua na consequência e não na causa. E, quando o condenado ingressa no sistema, depara-se com tratamento sub-humano, um verdadeiro empilhar de corpos, violência policial, desrespeito à sua dignidade humana, o que lhe provoca a certeza de que ele deixou de ser um cidadão e foi negativamente promovido a coisa.
O cárcere tem como premissa fundamental retirar a pessoa que desviou seu caminho para uma reflexão forçada fora do convívio com seus pares, para que vislumbre seus erros e possa se recuperar e retornar à sociedade em um processo ressocializatório. No entanto, no modelo corrente brasileiro, a falha do Estado é evidente, porque, ao se negligenciar os direitos dos presos, não incentivar a promoção da educação e/ou do trabalho, o resultado é o cumprimento da pena sem perspectivas e com a chancela popular de pária, com direito à discriminação e ao preconceito de maneira cotidiana, com o cumprimento de uma nova pena: agora a social.
O que o Estado lhes oferece para cumprir o objetivo da lei de execução penal para proporcionar condições para a integração harmônica do condenado na sociedade? A resposta, não raro, é: Por que se deveria oferecer algo a um criminoso? Mesmo que a pena já tenha sido cumprida. Assim, muitos não resistem à falta de recursos e preferem retornar ao sistema por terem um pouco mais do que o nada que a sociedade lhe proporcionou.
Com os presos provisórios, ainda estamos em uma etapa anterior, por conseguinte, há a possibilidade de o Estado evitar que o cidadão brasileiro recolhido nos centros de detenção provisória se torne tudo aquilo que a sociedade dele espera: um indivíduo de segunda classe, um pária que não merece conviver em sociedade. Assim, o respeito aos seus direitos é essencial para a manutenção de sua cidadania.
O direito ao voto faz parte desse arcabouço de direitos e não pode o Estado, sob os mais variados argumentos, falhar novamente. Medidas alternativas para garantir a votação, campanhas publicitárias, programa de conscientização junto aos diretores das unidades prisionais para informar que o detento provisório deve modificar seu domicílio eleitoral são apenas algumas das premissas essenciais a serem aplicadas pelo Estado.
Não se trata da quantidade de votos e, muito menos, do risco de se eleger alguém de uma facção criminosa, mas sim, da assunção e garantia de que aquela pessoa é um cidadão brasileiro e será assim considerado pelo Estado brasileiro até que seja provada a sua culpa. Todos somos iguais perante a lei na plenitude de direitos e deveres. Que o Estado faça a sua parte como garantidor e efetivador dos direitos fundamentais.
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1 Desde fevereiro de 2015, foram realizadas 758 mil audiências de custódia em todo o país, com o envolvimento de pelo menos 3 mil magistrados, contribuindo para a redução de 10% na taxa de presos provisórios no país, identificada pelo Executivo Federal no período (Conselho Nacional de Justiça, 2022).
2 Pontes de Miranda: A passagem dos direitos e da liberdade às Constituições representa uma das maiores aquisições políticas da invenção humana. Invenção da democracia. Invenção que se deve, em parte, ao princípio majoritário: primeiro, porque, se bem que fosse possível na democracia direta, em verdade se obteve graças a expedientes de maioria (quorum maior, maioria de dois terços, três quartos, quatro quintos), para a revisão da Constituição; segundo, porque, mediante ela, se evita que sejam sacrificados os interesses dos eleitores que votaram e venceram, bem como os dos que votaram e perderam, e os dos que não puderam votar ou não votaram (MIRANDA, 2002, p. 51).
3 Carlos Ari Sundfeld identifica os elementos que determinam um Estado Democrático de Direito: a) criado e regulado por uma Constituição; b) os agentes públicos fundamentais são eleitos e renovados periodicamente pelo povo e respondem pelo cumprimento de seus deveres; c) o poder político é exercido, em parte, diretamente pelo povo, em parte, por órgãos estatais independentes e harmônicos, que controlam uns aos outros; d) a lei produzida pelo Legislativo é necessariamente observada pelos demais Poderes; e) os cidadãos, sendo titulares de direitos, inclusive políticos e sociais, podem opô-los ao próprio Estado; f) o Estado tem o dever de atuar positivamente para gerar desenvolvimento e justiça social. (SUNDFELD, 2011, p. 56 e 57).
4 Nada é mais traiçoeiro do que se acreditar saber o exato significado de palavras qualificadas como corriqueiras, de tão utilizadas no quotidiano. Quando paramos para refletir ou somos questionados, verificamos saber menos sobre elas do que do que sabemos a respeito das que se mostram raras, sofisticadas e esotéricas. (...) A palavra cidadania é uma dessas. Ela está presente em nosso discurso demagógico, em nossa fundamentação despeitadora, em nossa pregação cívica, em nosso quotidiano revoltado, em nosso dizer dogmático e em nosso lirismo militante. Onipresente e emocionalmente forte, é ela realmente útil? (...) Cidadania, portanto, engloba mais que direitos humanos, porque além de incluir os direitos que a todos são atribuídos, em virtude de sua condição humana, abrange, ainda, os direitos políticos. Correto, por conseguinte, falar-se numa dimensão política, numa dimensão civil e numa dimensão social da cidadania. (PASSOS, 1993).
5 1. Fato de não apresentar diferença quantitativa. 2. Fato de não se apresentar diferença de quantidade ou valor, ou de, numa comparação, mostrar-se as mesmas proporções, dimensões, naturezas, aparências, intensidades; uniformidade; paridade; estabilidade. 3. Princípio segundo o qual todos os homens são submetidos à lei e gozam dos mesmos direitos e obrigações. (HOUAISS, 2009, p. 1569).
6 Aqui é importante salientar novamente a não uniformização acerca do número, pois, como já dissemos, há uma variação entre as informações, sem qualquer confirmação de maneira oficial do número real de presos provisórios que estavam aptos a votar.
7 HC 80.174, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 12.04.2002; HC 75.077, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 15.05.1998; HC 73.489, Rel. Sydney Sanches, DJ de 13.09.1996.